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Imagens técnicas, algoritmos e magia: aproximações sinestésicas

Daniel José dos Santos Júnior

 

Lado A: Dissolução

Como a imagem técnica é a meta de todo ato, este deixa de ser histórico, passando a ser um ritual de magia.
FLUSSER

Ao retrocedermos nosso olhar sensível para o que já foi produzido pela cultura humana como representações artísticas em imagens e objetos, principalmente aqueles criados com o intuito religioso ou espiritualista, podemos observar que, quase sempre, tais criações estão subliminarmente impregnadas de camadas simbólicas e arquetípicas. Essas camadas subjacentes correspondem à expressão de sentidos e objetivações que muitas vezes extrapolam a mera interpretação cognitiva direta dos impulsos sensoriais. São camadas dotadas, portanto, de códigos – implícitos ou explícitos, com mensagens e linguagens não mediadas exclusivamente pela racionalidade e linearidade da comunicação verbal ou da comunicação estritamente escrita.

De certo modo, os códigos arquetípicos dos símbolos e imagens remetem de forma análoga ao algoritmo enquanto detentores de cifras ou códigos. Possuem em sua estrutura uma camada de instruções, de aproximações, de roteiros, de interlocuções e de interações entre interfaces. Basbaum (2012, p.247) observa a relação intrínseca entre o conceito de percepção digital e percepção sinestésica. Sinestesia, termo que, grosso modo, pretende descrever processos de entrecruzamentos de percepções multissensoriais, intercognitivas e não lineares da realidade. De acordo com seus termos, uma percepção “acústica”, ou “mágica”, da realidade.

As linguagens em sentido generalizado (signos, caracteres ou sons), enquanto códigos que exprimem comandos semânticos ou scripts de programação, seja em linguagem verbal ou visual, tendem a criar uma representação de uma mensagem. Essa representação pretende abarcar todos os “sentidos” que emanam do objeto emissor. A compreensão dessa mensagem envolve também as percepções pertinentes para o receptor da mensagem, considerando o seu conhecimento prévio da linguagem, como um idioma, por exemplo. Seja pelo sentido da percepção sensorial do corpo, seja pelo sentido enquanto significado e interlocução cognitiva, seja ainda pelo sentido enquanto direcionamento ou lugar. 

Assim dizendo, a linguagem pretende colocar a mensagem ao sujeito (o receptor da mensagem) no centro da questão. Considera-se, portanto, o seu ponto de vista e os paradigmas que fazem parte da realidade da pessoa. O que interfere ou não na interpretação da linguagem pelo indivíduo corresponde ao conhecimento dos seus códigos e sinais, símbolos e representações propostas. A mensagem, enquanto mídia, não depende apenas do interlocutor, mas sim de todo um processo de interação que envolve diversas variáveis de difusão, como o grau de clareza do emissor e  conhecimento particular do receptor a respeito daquela informação ou dado em específico, por exemplo.

As nossas representações, linguagens e ações são permeadas pela descrição e manipulação do imaginário, enquanto capacidade humana de abstrações e gêneses de significados. E o imaginário, enquanto conjunto cognitivo aglutinador de lembranças e criações, participa ativamente na elaboração de metáforas e simbolizações que embutem palavras, conceitos e expressões na complexa realidade psíquica do sujeito, por meio de símbolos e signos, balizando e interferindo em seus atos e conclusões a respeito do mundo cujo está inserido. Teóricos como Bachelard e Durand (WUNENBURGUER, 2020, P.169), atribuem à imaginação uma estrutura cognitiva que antecede toda experiência humana (reptiliana?). Desta forma, a imaginação condiciona e direciona os sentidos da compreensão, da sensibilidade e da percepção.

A filosofia da percepção merleau-pontiana trabalha sob o ponto de vista da dialética sensível. Isto é, trata de um recurso dialético que não necessariamente detém uma síntese dos processos, operando pela ambiguidade da interpretação pessoal dos sentidos aos quais somos expostos. Merleau-Ponty fala sobre as dimensões do visível e do invisível (ou o inconsciente). Comenta como a exploração dessas experiências estéticas promovem uma interação que se dá através da consciência, em sua relação com a realidade. Citando Merleau-Ponty (1999, p.3):

[…] Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda.

A comunicação e as linguagens, assim como os saberes tradicionais e os saberes científicos, moldam nossa maneira de pensar e de interagir com o mundo, ou seja, a nossa existência passa pelo filtro (software?) da interpretação simbólica de nossa psique (sistema operacional?), e que por sua vez está subordinada à cultura da qual está inserida. A partir do momento em que os códigos das linguagens passam simbioticamente a fazer parte da nossa própria mente, fazendo relações, interpretações e julgamentos, passam a nos conduzir a extrair mensagens codificadas nos símbolos que nos são propostos. Sejam eles visuais, verbais ou gestuais, se entrecruzam pelo viés das “máquinas culturais”: Dispositivos, linguagens, objetos e processos, criados pela cultura humana para comunicar suas configurações de ideias no tempo e no espaço.

Para Jung (2012, p.46), o mundo tridimensional, no tempo e no espaço, pode ser compreendido como um sistema de coordenadas em que o que se mostra visível no plano da manifestação, e que pode aparecer como uma imagem original de múltiplos aspectos, uma “nuvem difusa” de conhecimentos em torno de um arquétipo. Essas informações “subliminares” contidas nos arquétipos, fazem uma ponte do consciente ao inconsciente, em comunicações e alusões metafóricas, para comunicar ao próprio inconsciente, o que pela lógica (racionalista e linear) seria inconcebível. Essas informações ilimitadas, segundo Jung, estão enraizadas em nosso inconsciente pessoal, mesmo que não nos atemos a isso. “Parece, com efeito, que um saber sem limites está presente na natureza, mas que tal saber não pode ser apreendido pela consciência a não ser que as condições temporais lhe sejam propícias” (2012, P.45). Ou seja, a assimilação espaço-temporal da realidade sempre passa pela consciência e por nossos filtros da percepção.

O trabalho de instalação de Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti denominado Infinito ao Cubo dialoga a nossa percepção sensorial e cognitiva de espaço. “A física trata o infinito como campos de possibilidades. Nesse sentido os seres humanos são seres que processam o infinito ao tempo inteiro, porque a cada decisão é potencialmente infinita”, afirma Cantoni em depoimento no início do vídeo. Infinito ao Cubo proporciona a ao indivíduo que experimenta essa imersão, a reflexão de que as possibilidades humanas são infinitas. Ao interagir com os espaços do cubo, o indivíduo percebe que sua presença individual e o lugar em que se move neste espaço definem e transformam o espaço. Logo, transformam também a sua realidade.

Essa obra consiste em um invólucro cúbico todo revestido por espelhos e telas, e chama o espectador a emergir neste ambiente mediado por impulsos e interações robóticas e algorítmicas, ao entrar nesta caixa equipada por superfícies projetivas. A proposta do trabalho é de convidar o espectador a passar por um processo de imersão na percepção visual e sinestésica, flertando com as projeções e perspectivas das imagens técnicas, de caráter imersivo e experimentativo. Este cubo, composto por uma estrutura mecânica e por sistemas de suspensões, molas e giroscópios, foi criado a partir da indagação da artista em criar uma possível proposição de novas formas de ver e perceber as imagens através da experiência imersiva.

Sérgio Basbaum, em seus estudos sobre percepção, cognição e sinestesia, faz uma análise de como a percepção da realidade se molda às características culturais e históricas do qual se circunda ao sujeito da questão. Fazendo uma antropologia dos sentidos, o autor faz uma relação entre as teorias da percepção de mundo entre diferentes povos, que estão relacionados com a forma em que se expressam, e os fatores que influenciam na preponderância cultural da orientação principal por algum órgão sensorial em específico, e sobretudo com a forma da qual eles “sentem”, ou seja, como administram as suas emoções, e como os estímulos sensoriais são interpretados de maneira objetiva e subjetivamente por sua esfera psíquica.

Por exemplo, os povos Ongee das Ilhas Andaman possui uma relevância maior à percepção do mundo pelo olfato, enquanto os povos Kaluli, da Papua Nova Guiné, possuem um apreço maior ao sentido auditivo. Enquanto nós, herdeiros da cultura e tradição ocidental, somos majoritariamente seres ópticos, perspectivistas e visuais. No espaço visual, o indivíduo encontra-se no vórtice, na base da perspectiva, enquanto no espaço acústico e sinestésico, o indivíduo encontra-se no centro, rodeado por tais impulsos sensoriais e simbólicos.

O homem antigo era circundado por uma relação de percepções sensoriais simultâneas que implicavam numa visão mágica de mundo, onde havia uma espécie de interpolação de sentidos contidos neste universo de fusão sensorial, que Basbaum define como “universo acústico”. Na antiguidade clássica, a relação do homem e o mundo ao seu redor parecia ser mediada por uma espécie de “bloco integrado de sensações” que reuniam todo o aparato de seu sistema sensorial, onde cada bloco de informação estaria ligada, de forma ad infinitum, a modelos e instâncias metafisicas da natureza e do cosmos, mediado por um sistema de harmonia superior, uma unidade divina de “perfeição matemática” da “geometria sagrada”, que marcou grande influência na cultura cristã medieval.

Basbaum sugere que a percepção medieval de mundo era dotada principalmente na predominância da cultura oral, e que todas as ações, fenômenos ou circunstâncias eram determinações divinas. Aos poucos, este paradigma passa a ser substituído por uma cultura do pensamento linear e perspectivista (matemático e científico) instaurado pelo advento da tecnologia tipográfica gutemberguiana, e que proporciona o fim do equilíbrio perceptivo do mundo oral, dando espaço a uma cultura óptica, imagética e linear. O autor cita McLuhan para expor seu argumento: “Antes da invenção do alfabeto fonético, o homem vivia em um mundo de profundidade tribal, uma ressonância, uma cultura oral estruturada por um senso auditivo dominante de vida” (BASBAUM, 2012, p.253).

O universo acústico corresponde também a uma experiência de vivência sutilizada de forma quase ritualística, uma percepção específica e sacralizada de tempo, que é ao contrário do tempo narrativo, diacrônico e linear da modernidade, o universo acústico é mensurado em termos do “calendário divino” ou pela “Harmonia das Esferas” (BASBAUM, 2012, p.254), na percepção mágica da realidade, como a mística interpretação da observação das estações do ano e tempos das colheitas.

A percepção mitológica da realidade, era observada, por exemplo, no eterno ciclo do nascer ao pôr do sol, o constante ressurgimento do sol após as trevas noturnas, dia após dia. O mito egípcio da eterna batalha entre Hórus e Seth visa explicar de forma metafórica este sobe e desce do Sol pela abóboda celeste, ao colocar que Seth passa a governar o mundo no período noturno, enquanto Hórus prevalece ferido e morto em batalha. Porém como o sol que surge no horizonte ao alvorecer, Hórus ressuscita no raiar do dia, neste eterno ciclo dia e noite. Seth fere Hórus em seus olhos. O olho intacto, o olho direito, simboliza o Sol, enquanto o olho esquerdo, ferido mortalmente, simboliza a lua, e explica assim as diferentes fases lunares.

A medida em que o paradigma moderno começa a aglutinar os valores e questões postas pelo Renascimento, deixando de lado a visão mágica da realidade ao desmantelar a cultura oral e acústica, começa a dar lugar a predominância do sentido da visão e na literalidade linear da palavra escrita, e sobretudo na predominância da razão perante as crenças sobrenaturais da fé, ou seja, a racionalidade sobreposta à instintividade perceptiva e sensorial. Muito dessa mudança paradigmática se dá em virtude deste novo foco através do olhar, que incentivam e validam essa noção perspectivista. Sobre essa noção, Basbaum citando McLuhan (BASBAUM, 2012, p.253-254), prossegue:

[…] Espaço que não tem centro e nenhuma margem, ao contrário do espaço visual, que é uma extensão do olho. O espaço acústico é orgânico e integral, percebido através da interação simultânea de todos os sentidos. […] O homem do mundo tribal levava uma vida complexa e caleidoscópica, precisamente porque o ouvido, ao contrário do olho, não pode ser focado e sinestésico ao invés de analítico e linear. A fala é enunciada, ou mais precisamente, um exterior, de todos os nossos sentidos de uma só vez.

Desta forma, o advento renascentista propõe essa obliteração das forças motrizes que cativavam o pensamento acústico de realidade, com a gênese dos conhecimentos científicos que começam a ser sistematizados. Com isso, quanto as imagens criadas pelo homem, promove uma crescente autonomia nas obras de arte e sobretudo na assimilação e constituição do sujeito e seus pontos de vista.

A imagem criada e assistida pela matemática do ponto de vista da perspectiva foi amplamente estudada pelos cientistas e artistas a partir do Renascimento, buscando relacionar a perfeição “divina” da geometria sagrada nas manifestações físicas, materiais e concretas, ressignificando estes cálculos para projeções bidimensionais na construção das imagens. Tais estudos científicos foram evidenciados ao encontrarem padrões matemáticos na composição das formas da figura humana como a sequência fibonnacci, e que também se repetem nas demais criações da natureza, e também no estudo da perspectiva óptica.

https://www.youtube.com/watch?v=XVLHX0ddtqo
Sequência Fibonnacci explicada pelo Pato Donald

O trabalho artístico de projeção em instalação de Regina Silveira, “Descendo as escadas” visa dialogar com a questão da perspectiva e a percepção destes dados matemáticos enquanto imagem. Matematicamente falando, ou seja, através de códigos e conclusões numéricas, a criação e projeção desta escada projetada está fielmente condizente com o real, em outros termos, estando “matematicamente comprovado”. Portanto, apesar de haverem indícios técnico-numéricos que indiquem a sua presença no espaço, esta projeção, este inobjeto flusseriano criado por imagens técnicas, trata-se apenas de uma ilusão projetiva de jogos de luzes, e que são interpretados pelo sistema cognitivo visual.

https://www.youtube.com/watch?v=DIQOquHeYBc
Regina Silveira, “Descendo as escadas”

Tal como os discursos de Basbaum, Flusser também atribui ao fenômeno da ampla disseminação do pensamento linear pela linguagem escrita ao direto processamento de informação promovido pela tecnologia da imprensa pós-gutemberguiana, que é permeada pelo pensamento renascentista, da prevalência do sentido óptico como fundamental parâmetro de percepção da realidade através do ponto de vista da perspectiva. De forma tal que é entendido que a linearização do pensamento e da historicidade é semelhante ao que ele relaciona a atribuição do pensamento imagético, perspectivista (FLUSSER, 2006).



Lado B: Coagulação

“A Magia é a Arte ou a Ciência de causar mudanças
em conformidade com a Vontade”
CROWLEY

O pensamento ocidental, mais pautado na racionalidade e fragmentado na objetividade cartesiana, encontra seu contraponto complementar no pensamento oriental, que se desenvolveu de forma mais intuitiva do que o pensamento ocidental, de forma que podemos associar diretamente ao tipo de pensamento divergente, em contraponto com o pensamento de tipo convergente, segundo a definição de J.P. Guilford.

De acordo com o arte-pesquisador Silvio Zamboni (ZAMBONI, 2012, p.15), grandes estudiosos como Richard Wilhelm e Carl Jung se debruçaram no estudo da cultura e filosofia chinesa, e apontam o I-Ching como a obra mais completa e importante da sabedoria oriental. Dentro de sua conceituação básica, o I-Ching, que ao mesmo tempo que é um livro de sabedoria, e que funciona também como um oráculo, parte de seu escopo em amplos conceitos abstratos como dos princípios opostos que originam todos os movimentos do Tao, ou seja, a essência primordial da realidade, iconografado no símbolo do Yin-Yang (INSERIR IMAGEM). Sobre a simbologia do Yin-Yang, Zamboni adiciona em seu texto um excerto de Fritjof Capra (ZAMBONI, 2012, p.16):

Essas duas espécies (yin e yang) de atividade estão intimamente relacionadas com tipos de conhecimento, ou tipos de consciência, os quais foram reconhecidos, ao longo dos tempos, como propriedades características da mente humana. São usualmente denominados de método indutivo e método racional, e têm sido tradicionalmente associados à religião ou misticismo e à ciência […]. O racional e o intuitivo são modos complementares de funcionamento da mente humana. O pensamento racional é linear, concentrado, analítico. Pertence ao domínio do intelecto, cuja função é discriminar, medir e classificar. Assim, o conhecimento racional tende a ser fragmentado. O conhecimento intuitivo, por outro lado, baseia-se numa experiência direta, não intelectual, da realidade em decorrência de um estado ampliado de percepção consciente.

Segundo Flusser em seu livro “Filosofia da Caixa-Preta”, o autor discorre sobre o que considera como as duas grandes revoluções no mecanismo do intelecto ocidental na estrutura cultural na interpretação da realidade. Em primeiro lugar, a revolução presente na produção e difusão do conhecimento representado pela invenção da escrita linear, que possibilita a organização de formas de se “arquivar” o conhecimento, e interagir com estes através de proposições dialéticas. E em segundo lugar, a segunda grande revolução das estruturas culturais se dá pela disseminação das imagens técnicas.

Quando o indivíduo começa a criar seus objetos, ou melhor, seus “equipamentos”, o fazia como forma de buscar respostas inteligentes e automatizadas na resolução de problemas. Para Flusser, viver uma vida que flui confortavelmente e sem resistências, significa encontrar as resoluções dos problemas, e que passa a terceirizar essa problemática aos objetos, projetados e concebidos para tratar destas questões, através de comandos, itinerários e roteiros mecanizados que desemborcaram nas linguagens de programação e algoritmos quando a tecnologia adentra os mares da era digital.

As imagens técnicas possibilitaram um grande avanço na difusão do conhecimento como um todo. A reprodutibilidade técnica, pela possibilidade de concretizar representações abstratas do real na bidimensionalidade da imagem de forma mais veloz e eficiente, acaba que indiretamente, passa a supervalorizar a posição das imagens e dos objetos na sociedade. Enquanto em outros tempos, a imagem existia para servir o homem, agora de certo modo, o homem passa a existir para servir a imagem e a aparência das coisas, não necessariamente o que elas são de fato.

Portanto, podemos afirmar que o paradigma moderno é traçado pelo predomínio e supervalorização da imagem enquanto linguagem e consumo centralizado em torno da imagem, pelo simulacro, isto é, pelo falseamento maquiado e hiper-idealização do real. A estética pós-era midiática centraliza-se na constante idealização das imagens e seus subprodutos, e este simulacro, essa idealização do real, passa a ser mais preponderante do que o próprio real em si. ” O simulacro nunca é o que esconde a verdade; mas é a verdade que esconde o fato de que não há verdade. O simulacro é verdadeiro” (BAUDRILLARD, 1991). Sobre a força psíquica que o sujeito moderno atribui aos simulacros e simulações do real, disserta Baudrillard (BAUDRILLARD, 1991, p.105-106):

Assim, tanto a comunicação como o social funcionam em circuito fechado, como um logro – ao qual se liga a força de um mito. A crença, a fé na informação agarram-se a esta prova tautológica que o sistema dá de si próprio ao redobrar nos signos uma realidade impossível de encontrar. Mas pode pensar-se que esta crença é tão ambígua como a que se ligava aos mitos nas sociedades arcaicas. Crê-se mas não se crê. Não nos fazemos a pergunta. “Eu sei, mas mesmo assim…”. Uma espécie de simulação aposta responde nas massas, em cada um de nós, a esta simulação de sentido e de comunicação em que o sistema nos encerra. […] O mito existe mas há que se evitar acreditar que as pessoas crêem nele: é essa a armadilha do pensamento crítico, que só pode exercer-se partindo de um pressuposto de ingenuidade e de estupidez das massas.

Para Manovich, o comportamento cultural das massas da sociedade moderna pode ser pautada em termos de “Comportamento de Informação”, que são novos comportamentos assimilados pela sociedade como táticas de sobrevivência de maneira pessoal e coletiva. Da mesma forma que o sistema nervoso evoluiu para se adaptar aos meios em que o homem vivia, onde os “sentidos” extraem dali os “sentidos” (a essência), o comportamento cultural moderno evolui constantemente as interações e os “comportamentos de informação”, e a partir desta interação ambiente poder haver a interação sensorial e cognitiva que influenciam na percepção.

De acordo com Manovich (MANOVICH, 2017, p.9) o paradigma cognitivo científico, a percepção humana e a cognição em geral, assim como as crenças e criações mitológicas podem ser pensadas como processamento de informação:

Aplicado retrospectivamente, o conceito de comportamento informacional salienta que toda a cultura do passado não era apenas sobre representar crenças religiosas, para glorificar os poderosos, para criar beleza, para legitimar ideologias dominantes, etc. – também acabou por ser o processamento de informações. Artistas desenvolveram novas técnicas para codificar informações enquanto ouvintes, leitores e revisores desenvolveram suas próprias técnicas de extração cognitiva dessas informações.

A pós-moderna sociedade do espetáculo encontra seu ápice na interposição subjetiva e massiva de tais informações contidas nos objetos, suas possibilidades e desdobramentos. A publicidade já havia descoberto há muito tempo que padrões de comportamento pela mídia de massa podem ser criados, anulados ou substituídos conforme a inserção destes inobjetos flusserianos nos holofortes, e que estão sempre apontados como rifles em direção ao alvo em torno de um objetivo em comum, que é criar desejo de consumo, comportamentos e opiniões públicas, através da informação contida no objeto e na imagem, e que muitas vezes trabalham de forma subliminar e inofensiva. Os objetos de consumo que passam a pautar os eventos, determinar comportamentos e interações humanas, que subvertem o papel ocupado pela imagem na sociedade, que de certa forma deixa de ser o “meio” para ser o “fim”.

As imagens criadas, que a princípio funcionariam como mapas, descrevendo e representando as emanações abstratas no esforço de extrair duas das quatro dimensões do espaço-tempo, passam a funcionar como bimbos, isto é, uma forma de curadoria e sugestionamento ao direcionar o olhar e à interpretação deste objeto.

Para Flusser (FLUSSER, 1985, p.7), o caráter mágico das imagens (essencial para a compreensão das mensagens) é evidenciado pelas relações significativas entre os elementos e o espectador, conduzido por uma análise cíclica que diacroniza o olhar. Ao circular pela imagem, o olhar tende a voltar sempre para elementos preferenciais, que incita padrões e significados em seus códigos:

Deste modo, o olhar vai estabelecendo relações significativas. O tempo que circula e estabelece relações significativas é muito específico: tempo de magia. Tempo diferente do linear, o qual estabelece relações causais entre eventos. No tempo linear, o nascer do sol é a causa do canto do galo; no circular, o canto do galo dá significado ao nascer do sol, e este dá significado ao canto do galo. Em outros termos: no tempo da magia, um elemento explica o outro, e este explica o primeiro. O significado das imagens é o contexto mágico das relações reversíveis.

E no centro de todos estes processos, encontra-se a abstrata capacidade humana de imaginação (FLUSSER, 1985, p.7), que é a capacidade de codificar os fenômenos em símbolos, decodificando em mensagens codificadas – desta forma, a aptidão de fazer e decifrar as imagens – Dissolver e Coagular, como diriam os alquimistas.