O corpo como mídia: uma leitura contemporânea de imagens de nu masculino na arte
Cesar Silva Barcelos Júnior
RESUMO
Este texto busca introduzir uma análise contemporânea do corpo nu masculino na História da Arte, sugerindo que esse corpo seja entendido como um tipo de mídia; como potencial suporte para a expressão de uma informação. Esta informação, cristalizada na retratação do corpo nu masculino – e entendida de acordo com o conceito de inobjeto de Flusser – conteria a persistência de uma afetividade entre homens que pode ter sido registrada no tempo pela História da Arte e é mais bem percebida por observadores gays. Para desenvolver tal hipótese o presente ensaio propõe uma montagem de imagens, que se encontram disponíveis da web, inspirada no Atlas Mnemosine de Aby Warburg, transitando por algumas retratações desde a Grécia Antiga, até os dias de hoje. O objetivo é que ao final do texto o leitor possa captar uma possível camada de interpretação da imagem do um homem nu na arte como portadora de um pathos homoafetivo. Este ensaio perfaz-se como desdobramento do artigo É possível usar o ‘método’ warburguiano na busca de uma arte homoafetiva?
* Parte deste texto foi apresentado no XIV Encontro de História da Arte realizado na Unicamp, entre 04 e 08 de novembro de 2019.
QUESTÃO PRINCIPAL:
As imagens de nus masculinos na História da Arte poderiam ser entendidas como uma forma de mídia a transmitir informações a respeito de uma afetividade entre homens?
As imagens de um homem nu na história da arte usualmente foram produzidas com alguma função ligada ao reforço da masculinidade, como retração de heróis e seus feitos, por exemplo. A proposição deste ensaio é a retomada do caminho dessas imagens desde a antiguidade até os dais atuais, buscando observar se tais representações poderiam informar algo além do que já consta no cânone da história da arte. Este ensaio configura-se como uma proposta de análise de imagens históricas a partir de um entendimento contemporâneo. Com esse entendimento, possivelmente este trabalho implique em incorrer em certo anacronismo nessas observações, o que não invalida a análise dado seu caráter de exercício retórico hipotético, e não de uma afirmação a respeito de tais imagens . Alinhado à assertiva de Didi-Huberman (2019, p. 43) de que “só há história anacrônica”, nosso entendimento é de que o acesso aos acontecimentos históricos é sempre feito a partir de vivências presentes. Portanto, algum grau de anacronismo invariavelmente manifestar-se-á quando alguém se dispõe a dissertar a respeito de períodos históricos anteriores ao nosso.
Seguindo por essa linha, as imagens dessas manifestações artísticas não serão pensadas como algo duro, como mera materialidade (hardware) de uma produção histórica, mas como imagem portadora de informação ou códigos (software) que ainda podem ser decodificados pela cultura contemporânea. De acordo com Flusser “todo objeto contém informação, seja livro ou quadro, seja lata ou garrafa. Para trazer a informação à tona, basta decifrar o objeto” (FLUSSER, 2006, p. 32). Desta forma, as imagens de nus masculinos serão, neste trabalho, entendidas como objetos informacionais ou inobjetos (RAMIRO in FLUSSER, 2006, p. 31).
Mas qual informação teriam tais imagens? Na hipótese de existir tal informação, seria ela a mesma, dado que as imagens constantes neste trabalho serão de autores, épocas e contextos diferentes? Na tentativa de elucidar tais questões, o ensaio propõe a aproximação do método de montagem de imagens proposto por Aby Warburg em seu Atlas Mnemosine. Esse Atlas constitui-se de uma coleção de imagens de objetos artísticos (e/ou fragmentos de imagens), de elementos arquitetônicos, de objetos arqueológicos de diversas partes do mundo e de épocas diversas. Quando colocadas em conjunto essas peças, depreende-se delas uma linha condutora. Um certo tipo de memória antiga destaca-se de suas unidades, tornando mais evidente o caminho histórico de determinada informação que carregam. Assim, a respeito da Mnemosyne, ou da memória que perpassa o artista no momento da confecção de seu trabalho, Warburg desenvolve: “[…] esta, com o seu alicerce de material imagético, pretende ser, em primeiro lugar, um inventário de pré-cunhagens documentais, as quais puseram ao artista individual os problemas da recusa ou da assimilação dessa premente massa de impressões” (WARBURG, 2018, p. 224). Conforme esse excerto, Warburg fala-nos a respeito da memória (e por analogia, do seu Atlas Mnemosine) como um “inventário” de imagens e impressões antigas, das quais o artista se utiliza para realizar seus trabalhos. Assim, o Atlas Mnemosine seria uma materialização dessa memória antiga.
Este ensaio pretende através do método warburguiano montar um Atlas de imagens de nus masculinos correspondentes à história da arte e que se encontram dispersas na internet. A partir disso, pretendemos desenvolver uma reflexão a respeito de tais imagens. Citando Rampley, Lissovsky (2014, p.316.) enuncia em seu artigo sobre Aby Warburg: “O método de montagem de Warburg, por sua vez, ‘refletiria seu entendimento da cultura como espaço de memória, do qual símbolos visuais e outros funcionam como um arquivo de memórias justapostas’”.
É nesse espaço que existe entre o observador e a imagem que residem “fantasmas” e “espectros” antigos, cheios de informações codificadas, adormecidas e esperando para serem rememoradas. Assim, “os símbolos seriam os veículos, na memória social, da carga energética vinculada à experiência emocional das gerações passadas” (LISSOVSKY, 2014, p.312). Em outro sentido, conforme Lev Manovich (2017, p. 6), propomos a metáfora das imagens como hard disks que armazenariam informações de um passado às quais podemos ter um acesso facilitado devido à nossa maior capacidade de processamento da atual tecnologia. Segundo relata Manovich:
I think of a later approach not just as an interesting intelectual exercise but as something which ethically we must do – in order to see old and new culture as one continuum; in order to make new culture richer through the use of the aesthetic techniques of old culture; and in order to make old culture comprehensible to new generations which are comfortable with concepts, metaphors and techniques of a computer and network era.
A escolha desse método para a análise das imagens citadas neste ensaio, e para a busca das marcas deixadas pela homoafetividade na história da arte, reside na identificação com o rompimento dos limites do formalismo e da análise puramente estética e visual das obras de arte. Disso decorre a possibilidade de entendê-las como portadoras de informações antropológicas e sociológicas importantes. Esse entendimento, em parte, utiliza-se das “lentes” da(s) chamada(s) Teoria(s) Queer(s) ao propor certa desestabilização das formas usuais de leitura e entendimento das imagens aqui expostas. De acordo com Antonio de Lion ao tratar da visão de mundo apregoada pela(s) Teoria(s) Queer(s): “Esse olhar ‘desestabilizador’ tem a ver com uma desconstrução acerca de pressupostos tidos como imutáveis; [segundo] tais pressupostos até mesmo entende[-se] o próprio corpo como algo de difícil acesso, construído pela natureza e impossibilitado de protocolos de leituras.” (DE LION, 2017, p. 255)
A montagem partirá do kouros grego, período Arcaico (séc. VIII – VI a.c.); essa escultura era entendida como uma manifestação da beleza do corpo masculino e como uma forma de oferenda aos deuses. A atitude corporal é sempre a mesma com braços estendidos ao longo do corpo e a perna esquerda à frente da direita e um leve sorriso no rosto. Mas também se depreende um fator sensual do corpo masculino em tais estátuas, as nádegas e coxas são eloquentes e demonstram um corpo trabalhado por exercícios físicos e, também, uma latente energia sexual. De acordo com David Leddick:
In ancient Greece the nude male body was considered the ideal subject for sculpture. The tunics and togas in which men dressed in any case left much male flesh exposed. However, conducting sports competitions completely nude was a conscious decision on the part of the Greeks. (LEDDICK, 2015, p.7)
Estátua do kouros. Ática, c. 530 a.c. Acervo do Museu Arqueológico Nacional de Atenas. Altura 1,94 cm. Fonte: <https://www.namuseum.gr/en/collection/archaiki-periodos/>. Acesso em 07 dez 2020.
A partir do século V a.C., Período Clássico, as estátuas gregas passam a expressar a ideia de movimento com torções de tronco, dobras de pernas, movimento de braços. O Discóbolo de Míron (escultor, 480 – 440 a.C.) é um dos primeiros exemplos. Apesar de não existirem originais dessa estátua, apenas cópias romanas, o Discóbolo, com suas características naturalistas, leva à percepção do que era considerado um padrão de corpo bonito. Outro artista usualmente citado na literatura é Policleto, escultor que viveu em torno de 450 a.C., o qual estabeleceu o Cânone, trabalho teórico que tratava das proporções do corpo humano. O seu objetivo geral era a clareza, o equilíbrio e a perfeição; o seu único meio de comunicação era o corpo despido de um atleta numa atitude intermediária entre o movimento e o repouso. (CLARK, 1956). Clark fala-nos a respeito da obra de Policleto como um todo, e trata especificamente do Doríforo e do Diadumeno, os trabalhos mais conhecidos do artista — nenhum original de sua produção se conservou até os nossos dias.
O aspecto da genitália nas esculturas gregas é subdimensionada em relação ao real, devido à importância que os gregos davam ao homem como um todo, e não somente ao falo. Podemos entender a partir disso que os gregos eram cautelosos na expressão completa do potencial sexual masculino em suas esculturas, enquanto cenas de namoro, personagens com ereções e sexo propriamente dito eram relativamente comuns em pinturas de vasos. Já no período Helenístico (300 a.C. – 1) quando houve a fusão da cultura grega clássica com a cultura oriental devido à expansão do território macedônico para o oriente, a representação do nu masculino tomou duas vertentes: uma masculinidade exagerada, da qual podemos citar como exemplos o Torso de Belvedere e o Hercules Farnésio; e a escultura de jovens e meninos pré-púberes em imagens de Eros, o deus do amor.
Doríforo. Cópia romana encontrada em Pompéia, c. 440 a.c. Museu Arqueológico Nacional de Nápoles, Itália. Disponível em < http://www.barsa.planetasaber.com/brasil/asp/Preview9.asp?IdPack=9&IdPildora=0009GK01>. Acesso em 10 dez 2020.
Com o início da Idade Média (século V – XV), a exposição dos corpos diminui gradativamente devido aos valores cristãos dessa época que separam o corpo da alma. Oliveira escreve que “[…] o corpo nu se tornou um vetor de desonra, devendo, portanto, se restringir ao privado” (OLIVEIRA, 2017, p. 8). A Itália do século XV é o berço do Renascimento; movimento que buscava retomar a arte, a ciência, o saber e os valores do Período Clássico Grego. Mais especificamente, na cidade de Florença, devido à conjunção de poder financeiro, político e interesse em artes da família Médici, que governava a cidade. Nesse ambiente desenvolve-se o talento de Miguel Ângelo Buonarroti, escultor, pintor e arquiteto.
A primeira pessoa que, desde os grandes dias da escultura grega, compreendeu totalmente a identidade do nu como grande arte figurativa, foi Miguel Ângelo. Antes dele, foi estudada para fins científicos – como apoio para representar as vestes de uma figura. Ele viu nisso um fim em si mesmo, e o propósito final da sua arte. Pare ele, nu e arte eram sinônimos. (BERENSON in ZÖLNER E THOENES, 2008, p. 70)
Em 1501 Michelangelo recebe como encomenda esculpir um gigante em um bloco de mármore, que foi encomendado anteriormente ao escultor Agostino di Duccio. A peça de mármore de Carrara é esplêndida e toda no sentido da altura. Desse bloco de pedra Miguel Ângelo faz surgir um homem no auge de sua juventude; para Renée Arbour “no mais belo momento da vida de homem, na primavera do homem” (ARBOUR, 1962, p. 42).
Miguel Ângelo fez do herói cristão um herói grego. É o guerreiro que avança ao encontro do monstro. Teseu diante do Minotauro. Retratado nesse gesto de audácia que leva à ação [sic], ele encarna a Força (Fortezza) e a Cólera (Ira), que na Renascença eram consideradas as duas maiores virtudes cívicas. (ARBOUR, 1962, p. 42). Miguel Ângelo, então com 26 anos, confeccionou uma escultura sui generis se comparada com o Davi de outros artistas do seu tempo. A imagem é de um jovem nu, com corpo musculoso, um atleta olímpico, inspirado nas figuras antigas de Hércules. Seu corpo está na posição do contrapposto, emanando concentração, decisão e orgulho.
Davi, Miguel Angelo Buonarroti, mármore, 5,17m, 1504. Galeria da Academia de Belas Artes de Florença, Itália. Disponível em <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:%27David%27_by_Michelangelo_Fir_JBU003.jpg>. Acesso em 07 dez 2020.
Arte moderna e contemporânea
Thomas Eakins (1844 – 1916), atualmente, é considerado um dos grandes artistas do movimento realista norte-americano. Mas seu trabalho foi criticado durante sua carreira devido seu interesse na retratação do nu masculino. Para Eakins, a imagem de um corpo nu era a imagem da perfeição. Sua poética não residia no erotismo, mas na admiração da máquina humana feita de pele, ossos e músculos. Sempre com uma abordagem naturalista, procurava retratar cenas cotidianas como um banho em uma lagoa ou um atleta treinando remo. Não obstante as fotografias de Eakins não terem sido pensadas para apreciação pública, mas para servirem de base para seu trabalho de pintura e como material didático para suas aulas, essas mesmas fotografias o colocam como um dos maiores fotógrafos daquela época.
[Thomas Eakins, Nude, Playing Pipes], Thomas Eakins, fotografia, 22,7 x 16,6 cm (irregular), c. 1883. Disponível em < https://www.metmuseum.org/art/collection/search/271889> Acesso em 07 dez 2020.[/caption]
Chama atenção a pose do banhista em pé no quadro The Swimming Hole [1], de 1885; sua imagem atrai o olhar do espectador dessa obra, o relaxamento de sua musculatura e o contorno de suas costas e a nádegas, estão em destaque. A composição piramidal fala por si. A pose do banhista remete-nos ao Davi de Donatello, embora mesmo com toda a sinuosidade da figura no quadro de Eakins, este não passa a mesma carga de languidez que a de Donatello. A composição das três figuras sobre as pedras remete às sensações homoafetivas que são objetos de estudo neste ensaio; são poses, olhares, gestos e toda uma aura que indica a tal leitura. Thomas Eakins teve uma relação de amizade com o poeta Walt Whitman e ambos artistas possuíam um traço em comum em sua poética, o interesse por uma profunda camaradagem entre homens que, por sua vez, está ligado a uma sobrevivência de um comportamento que foi bastante enfatizado na Antiguidade Grega.
Swimming, Thomas Eakins, óleo sobre tela, 69,5 x 92,4 cm. 1885. Acervo do Amon Carter Museum of American Art. Fonte: < https://artsandculture.google.com/asset/swimming/pQFJ66N0WjSbeA?hl=pt-BR> . Acesso em 07 dez 2020.
A imagem do nu masculino encara uma quebra de paradigma durante o século XX. No final dos anos 60 e início dos anos 70 os homossexuais masculinos, nos Estados Unidos, iniciaram um movimento de liberdade e contra os preconceitos dos quais eram vítimas. Organizaram-se em associações para defender seus direitos e, de certa maneira, inspirados pelos movimentos feministas que também ganhavam força nessa mesma época, colocaram em pauta uma agenda de reivindicações de direitos. A centralidade do homem na sociedade, o patriarcado e o machismo começavam a ser evidenciados e questionados. Nesse cenário surgiram diversas revistas sobre o físico masculino como Athletic Model Guild ou Physique Pictorial que mostravam modelos em tangas e muitos músculos a mostra. Começa, nessa mesma época, o surgimento de uma arte passível de ser chamada, especificamente, de arte gay ou homoarte.
O conceito de homoarte envolve conteúdos socioculturais e políticos-ideológicos. A dinâmica da homoarte estabelece-se na interação de teoria e prática marcada pela crítica e distanciamento do sistema hegemônico sem, com isso, constituir-se como uma reação aos padrões estéticos da discursividade majoritária. A fruição dá-se em um espaço entre a estética, o homoerotismo [2], a política e a cultura.
[…] a complexidade da construção do conceito de homoarte não se atem, exclusivamente, a uma forma especifica e delineada de uma relação ou identidade homoerótica, mas a uma manifestação artística do desejo entendido sob o ponto de vista estético que pode estar redimensionada a partir de certa homoeroticidade. Portanto, a homoarte deve ser vista como um projeto teórico, confirmada na descrição densa do objeto, capaz de nomeá-la. (GARCIA, 2003, p.)
A realização da homoarte acontece, verdadeiramente, em um determinado público. É uma arte que se realiza completamente quando atinge um determinado, nicho, um “gueto” [3]. Seus elementos constitutivos estão profundamente ligados a um segmento de público. Logo, existe uma identificação sociocultural, uma projeção que muitas vezes gera prazer.
Dado esse panorama da época, voltamos nosso olhar para a representação da imagem do nu masculino no Brasil. Nesse momento histórico o Brasil vivia o inicio do Golpe Militar de 1964 e os chamados Anos de Chumbo, quando a repressão da ditadura militar intensificou-se com a edição do AI-5 [4].
Inserido nesse contexto político, Alair de Oliveira Gomes, nascido em 1921, em Valença, no Estado do Rio de Janeiro, desenvolve seu trabalho fotográfico centrado na retratação do corpo masculino. Realizou exposições fotográficas em Nova Iorque, Paris, Bolonha, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Toronto. Escreveu críticas de arte e de fotografia. E faleceu vítima de homofobia , aos 71 anos. Após sua morte, seu trabalho fotográfico ganhou exposição na Bienal de Fotografia de Curitiba e nos museus MAM e MIS em São Paulo e destaque internacional em uma exposição na Fundação Cartier em Paris e em Nova Iorque. A maior parte de seu trabalho encontra-se hoje sob os cuidados da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e é composto por aproximadamente 16 mil fotografias e 170 mil negativos. O profícuo trabalho de Alair Gomes é revolucionário no Brasil por articular o desejo e a linguagem, homoerotismo e fotografia; desenvolvendo um olhar, um voyeurismo artístico. Sua característica mais marcante é a apresentação constante das fotografias em sequências que, desta forma, abrem espaço para uma narrativa.
Fragmento da série The Course of the Sun, Alair Gomes, c. 1977/1980. Reprodução fotográfica César Barreto, disponível em <https://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/000054002013.jpg> Acesso em 07 dez 2020.
Fragmento da série Esportes, Alair Gomes, déc. 1970/80, Coleção Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Disponível em <https://adelantesp.tumblr.com/post/129642295786/alair-gomes-s%C3%A9rie-esportes-rio-de/amp> acesso em 07 dez 2020.
Conclusão
Este trabalho apontou para uma informação homoafetiva em imagens de corpos masculinos nus de épocas e países diferentes e a forma como a arte possibilita a manifestação de afetos que por diversas vezes são inviabilizados pela sociedade e como os artistas usam essa potência artística para manifestar possíveis afetos eroticos.
Ao utilizar método que Aby Warburg empregou em suas análises para encontrar a resistência das imagens pagãs em pinturas renascentistas, é possível buscar pela sobrevivência da eroticidade entre homens da Antiguidade Grega nas imagens do nu masculino pela História da Arte. Warburg encontrou na imagem da Ninfa a sua nachleben der antigue. A proposta desta pesquisa é pensar na imagem do Eros, com a presença de sua flecha fálica sempre à mão e nunca escondida sob panejamentos. Esse Eros espera ser rememorado em seu lugar filosófico que não pode, nem deve ser reduzido às orientações orientações sexuais apenas. O Eros homoafetivo traz, agora constituído como um pathosformels (na linguagem warburguiana) ou um inobjeto (para Flusser), uma estética própria vinculada à profunda ética de uma arte homoafetiva, onde o corpo masculino é retratado e despido de seus símbolos de grandeza e heroísmo, tornando-se inobjeto que pode estar a comunicar desejo e de prazer. Ao mesmo tempo esse corpo do homem passa à materialidade – distanciando-se da ideia de algo impossibilitado de ser mostrado, observado, analisado e fruido pelo Outro – podendo assim ser visto, tocado, agredido, desmontado, desconstruído e, finalmente, humanizado. Como uma forma de agregação das hipóteses levantadas por este trabalho, apresento nesta conclusão a montagem do atlas mnemosine das imagens analisadas e ao final o vídeo da apresentação da performance Primal Matter (2013), de Dimitris Papaioannou. Nessa performance o artista, que se encontra no palco de costume preto, busca alegorizar os embates entre a razão e o instinto, a mente e o corpo. Dela também é possível depreender os incômodos do homem com a retratação de seu próprio corpo, os embargos de um homem em reconhecer a beleza masculina e as profundas raízes históricas e antropológicas que estão presentes na figuração do corpo masculino nu, há também uma camada de interpretação que recupera as imagens da antiguidade para repensá-las em contraste com as imagens do homem contemporâneo.
Atlas Mnemosine, César Silva Barcelos Júnior, colagem digital, 2020
https://www.youtube.com/watch?v=fVYnDxC3yuE&list=PLKLBQxzHkZPVlN9C7zM3LbpMkjlb9g8Rn&index=2&has_verified=1
Notas:
[1] O título original dessa pintura é Swimming, e encontra-se, assim nomeada, no Amon Carter Museum of American Art. A bibliografia consultada para este artigo utilizou o título The Swimming Hole, ao qual também utilizei.
[2] Relação erótica, sem necessariamente ser sexual ou genital, entre pessoas do mesmo sexo.
[3] Gueto é um bairro ou região de uma cidade onde vivem os membros de uma etnia ou qualquer outro grupo minoritário, frequentemente devido a injunções, pressões ou circunstâncias econômicas ou sociais. Por extensão, designa todo estilo de vida ou tipo de existência resultante de tratamento discriminatório. Fonte: Wikipédia:
[4] O Ato Institucional Número Cinco (AI-5) foi o quinto de dezessete grandes decretos emitidos pela ditadura militar nos anos que se seguiram ao golpe de estado de 1964 no Brasil. […] foi emitido pelo presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968. Isso resultou na perda de mandatos de parlamentares contrários aos militares, intervenções ordenadas pelo presidente nos municípios e estados e também na suspensão de quaisquer garantias constitucionais que eventualmente resultaram na institucionalização da tortura, comumente usada como instrumento pelo Estado. Fonte: Wikipédia. Consultado em 23/10/2018. ]
Referências:
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FLUSSER, Vilém. Do inobjeto. ARS (São Paulo), [S. l.], v. 4, n. 8, p. 30-35, 2006. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/ars/article/view/2970>. Acesso em: 15 out. 2020.
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