O COMÉRCIO EXTERNO BRASILEIRO SOB OS RISCOS DA GUERRA COMERCIAL EUA-CHINA

Fernanda Hellen                                                                                                                                                    Plínio Natalino                                                                                                                                                Membros do subgrupo Setor Externo/Grupo de Conjuntura/UFES)

A guerra comercial entre os EUA e a China ganhou novos contornos nas últimas semanas após a elevação das tarifas de importação de 10% para 25% de mais de mil produtos chineses no mercado norte-americano, representado US$ 200 bilhões em produtos. Desde 1985, os EUA possuem um déficit na balança comercial com a China que chegou a US$ 419 bilhões, em 2018, e essa é uma das suas justificativas para impor as tarifas. Outra contestação diz respeito aos subsídios providos pelo governo chinês para as empresas nacionais, vantagens na visão estadunidense, incongruentes com as regras da organização mundial do comércio (OMC), além das práticas de forçar empresas estrangeiras a transferir tecnologia para o país.

Por outro lado, a China anunciou que retalharia US$ 60 bilhões em produtos norte-americanos no mesmo patamar, estabelecendo uma tarifa de importação de 25% a partir de 1º de junho deste ano. Da perspectiva chinesa o objetivo dos EUA é impedir que a China se torne uma grande potência mundial. Para retirar as tarifas, o governo norte-americano exige que os chineses aumentem as suas importações para equilibrar a balança comercial entre os dois países, ponto esse que já é um consenso. Tendo cedido nesse ponto, a discordância da China refere-se à demanda de mudança das leis chinesas de proteção da propriedade intelectual e de acesso aos serviços financeiros. Isso os chineses consideram ser uma violação de sua soberania.

Contudo, há países no mundo que se beneficiam com esse conflito entre as duas maiores potências globais. Isso acontece porque as novas imposições tarifárias aumentam os custos com importações para ambos países, o que resulta numa busca de mercados alternativos. 
Desde março de 2018, o setor agrícola dos EUA foi o mais visado pelo aumento tarifário do governo chinês, o que obrigou os chineses ao longo do ano a encontrarem substitutos para os produtos americanos. É nesse contexto que as exportações brasileiras se beneficiam. O setor de agronegócio é o que mais lucra, sendo que as exportações de soja para a China aumentaram US$ 7 bilhões em 2018 se comparadas com 2017.

Há um mercado aberto para os produtos manufaturados brasileiros, tais como as exportações de máquinas e autopeças para os EUA já que os mesmos produtos chineses ficaram mais caros. Entretanto, não se observou um aproveitamento desse mercado por parte dos industriais brasileiros, visto que, distintamente, o aumento de US$ 1,7 bilhão de exportações de manufaturados para os EUA em 2018 está ligado à elevação dos preços de combustíveis e lubrificantes. Por outro lado, dada a dificuldade tarifária imposta pelo governo estadunidense, a China pode ver no Brasil um caminho para os seus produtos manufaturados. E daí o efeito seria complicado para o país, posto que resultaria num fluxo maior de produtos chineses no comércio brasileiro acirrando a competição com a produção interna. A guerra entre as duas maiores economias do mundo tem duração indeterminada e a sua continuidade apresenta consequências tanto em curto prazo, como mencionado anteriormente, quanto no longo prazo. No início de 2019 a expectativa de crescimento da economia mundial estava em 3,5%, agora em maio retrocedeu para 3,3%, segundo o Fundo Monetário Internacional. Dentre diversos fatores que contribuem para a desaceleração econômica mundial está o acirramento da guerra comercial mencionada. As incertezas decorrentes desse cenário, a tendência a diminuição da demanda tanto na China quanto nos EUA podem resultar em impactos negativos sobre a economia mundial. Visto que ambos os países estão em, respectivamente, 1° e 2° lugar no ranking das relações comerciais brasileiras, uma queda no consumo de tais países traria implicações diretas no saldo da balança comercial brasileira.

Apesar das fortes críticas feitas à China durante o período eleitoral e da proximidade do governo Bolsonaro com a gestão de Trump, o governo brasileiro vem tentando melhorar as suas relações com os chineses. Na sexta-feira, 24 de maio de 2019, o vice-presidente Hamilton Mourão visitou o presidente chinês Xi Jinping em Pequim, onde discutiram a relação comercial entre ambos os países. “Os dois lados devem continuar discutindo com firmeza as oportunidades e os parceiros um do outro para o seu próprio desenvolvimento, respeitando-se, confiando um no outro, apoiando-se mutuamente e construindo as relações China-Brasil como modelo de solidariedade e cooperação entre os países em desenvolvimento”, afirmou Mourão na ocasião. No momento, o governo brasileiro mostra imparcialidade sobre essa guerra comercial com o objetivo de aproveitar as brechas criadas e de se resguardar sobre um possível acordo entre China e EUA, num comportamento acertado face o quadro de grande incerteza.

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