– Por Jorge Medina –
É inquestionável a participação das mulheres no mundo político. Várias delas estão exercendo altos cargos no poder público e controlam – ou controlaram – as mais importantes nações do mundo, como a Inglaterra, a Alemanha e o Brasil. No entanto, o domínio masculino nos espaços de decisões que atingem todo um território nacional é visível e difícil de ser rompido. Colocando a lupa sobre o mapa para abordar essa questão no Espírito Santo, a socióloga Dayane Santos de Souza apresenta a trajetória e o papel de 10 mulheres representantes do Estado na política, nos cenários local e nacional.
As desigualdades de gêneros em diversas sociedades, sejam elas atuais sejam antigas, ainda colocam as mulheres em posições inferiores aos homens. Essa desqualificação se percebe nas artes, na filosofia, na religião e na ciência. No livro “O Martelo das Feiticeiras”, escrito em 1484 pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Sprenger, por exemplo, as mulheres eram consideradas como símbolo do mal, um ser imperfeito que engana sempre.
A alegação dos inquisidores é que houve um “defeito de fabricação” da primeira mulher, pois foi formada por uma costela de peito de homem, que é torta. Por isso que elas são consideradas seres inferiores aos homens. Nem mesmo o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788 – 1860) poupou o sexo feminino. Para ele, a mulher é um ser inferior, de ancas largas, ombro estreito, cabelos grandes e mente curta.
Mas essa inferioridade social das mulheres e sua subordinação aos homens aos poucos estão mudando, principalmente na política. Era impensável, até há pouco tempo, que mulheres iriam assumir o poder político de seus países, exercendo cargos nas mais altas esferas do poder. Algumas foram eleitas presidentas, outras primeiras-ministras, como Angela Merkel (Alemanha), Benazir Bhutto (Paquistão), Cristina Kirchner (Argentina), Dalia Grybauskaite (Lituânia), Dilma Rousseff (Brasil), Elen Johnson Sirleaf (Libéria), Indira Gandhi (Índia), Laura Chinchilla (Costa Rica), Margaret Thatcher (Reino Unido), Michelle Bachelet (Chile), Tarja Halonen (Finlândia) e Theresa May (Reino Unido).
No Brasil, apesar do cargo máximo da República já ter sido ocupado por uma mulher, a participação feminina na política ainda é pequena. No Espírito Santo, a situação não é diferente. Nas eleições de 2014, nenhuma mulher foi eleita deputada federal pelo Estado. Porém, atualmente, com a eleição do deputado federal Max Filho para a Prefeitura de Vila Velha, em 2016, a suplente Norma Ayub Alves assumiu o cargo em Brasília para cumprir o restante do mandato, até janeiro de 2019, sendo assim a única representante capixaba feminina na Câmara dos Deputados.
No Espírito Santo há 78 municípios, mas apenas quatro prefeitas. Na Assembleia Legislativa (Ales), das 30 cadeiras disponíveis, as mulheres ocupam somente quatro. Quanto às câmaras municipais, o predomínio também é dos homens. As mulheres correspondem a apenas 9% dos plenários das câmaras municipais, enquanto os homens, 91%. Na capital do Estado, Vitória, há apenas uma representante do sexo feminino.
No Brasil, apesar de as mulheres representarem 51,7% do eleitorado, dos 513 deputados federais, apenas 55 são mulheres, o que equivale a 10,7% do total. No Senado, entre 81 parlamentares, temos apenas 12 mulheres (14,8%), sendo uma delas capixaba. Em um ranking divulgado pela União Interparlamentar, em 2017, o Brasil está na 151ª posição entre 190 países com relação à ocupação de mulheres nos parlamentos.
Participação capixaba
Uma análise mais aprofundada sobre a participação das mulheres capixabas na política foi realizada por Dayane Santos de Souza em sua dissertação “Entre o Espírito Santo e Brasília: mulheres, carreiras políticas e o Legislativo Brasileiro a partir da Redemocratização”. Dayane defendeu a dissertação em 2014, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, do Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN) da Ufes.
O trabalho objetivou debater a questão de gênero e política sobre a trajetória e o papel de 10 mulheres representantes do Espírito Santo na política, um lugar marcado pela presença masculina. Foram foco da pesquisa: Ana Rita Esgário, Etevalda Grassi de Menezes, Iriny Nicolau Corres Lopes, Maria de Lourdes Savignon, Myrthes Bevilacqua Corradi, Rita de Cássia Paste Camata, Rose de Freitas, Sueli Rangel Silva Vidigal, Lauriete Rodrigues Pinto e Luzia Alves Toledo.
A escolha das participantes para o trabalho acadêmico, segundo Dayane, foi feita procurando analisar as condições sociais, os projetos ao longo da carreira, ganhos e perdas, entraves e possibilidades, tensões e conciliações à luz de questões presentes nos debates de gênero e de política. Na dissertação, também foi incluído um levantamento de indicadores sociais e estatísticos na sociedade e na política brasileiras a fim de apresentar o tema da desigualdade de gênero no Brasil com outros fatores, como etnia, geração e classe, de forma a subsidiar a discussão das barreiras à entrada e permanência de mulheres na política.
O trabalho problematizou ainda o ofício da política pelas mulheres em suas possíveis especificidades, ainda persistentes na distribuição de trabalho e responsabilidades e apresentou a produção legislativa das parlamentares estudadas na pesquisa. Dayane explica que as mulheres retratadas no estudo vivem o pragmatismo político e lutam para se adequar aos imensos desafios de um ofício altamente competitivo, cujo comando de homens é o que impera. Ainda assim, imprimem sua “marca pessoal” no mundo em que atuam. Em alguma medida, também sua própria dicção.
A dicotomia construída em torno das representações típicas dos gêneros acaba demarcando, de forma desigual, as experiências de cidadania de homens e mulheres. “A experiência de vida das mulheres entrevistadas expõe os sacrifícios por trás do êxito de uma carreira política numa sociedade que ainda se pauta na divisão sexual do trabalho. A carreira pública das mulheres está mais suscetível aos obstáculos vindos da vida doméstica. O tempo integral à política é, para a mulher, muito mais difícil de ser ofertado do que para o homem,” diz a pesquisadora.
Conquistas
Apesar da participação de mulheres na política institucional, tanto no Executivo quanto no Legislativo, ser considerada tímida pela pesquisadora, os avanços em um universo ainda muito masculino já podem ser percebidos. “É possível notar alguns avanços no Brasil. Podemos citar a Lei 12.034/2009 que impõe aos partidos e coligações o preenchimento do número de vagas de no mínimo 30% e no máximo 70% para candidatos mulheres e homens para cargos eletivos. A instituição de cotas que garantem vagas para mulheres no sistema político é um bom exemplo para o aumento da participação feminina na política partidária, embora nossa política de cotas não seja eficaz para que as mulheres sejam eleitas de fato. Muitas ficam só na candidatura, em parte pela falta de apoio dos partidos. A política de cotas da Argentina, por exemplo, surtiu muito mais efeito, porque existe punição junto aos partidos, cobrança e sistema político-partidário que favorece a eleição de mulheres”, explica Dayane.
A participação feminina em vários cenários é inegável. No Brasil, segundo a pesquisadora, a conquista do sufrágio universal feminino, em 1932, se constituiu no primeiro grande passo na conquista da autonomia das mulheres. O acesso das mulheres à educação formal, o direito ao divórcio por lei, a decisão de e quando ser mãe e a conquista expressiva de posições no mercado de trabalho são algumas dessas conquistas.
Dayane ressalta que o maior êxito das mulheres na política institucionalizada só ocorrerá de forma consistente se houver sérias discussões e mudanças nos papéis tradicionais de gênero, que são desempenhados nas esferas da vida cotidiana, na política ou na esfera particular. Há também a necessidade de mudanças mais significativas na forma como está estruturado o sistema político-eleitoral brasileiro, que acaba favorecendo a desigualdade de acesso ao poder político para grupos minoritários, como as mulheres, que, paradoxalmente, representam a maior fatia do eleitorado no país.
Mas será que as mulheres da pesquisa de Dayane, que conseguiram transpor os primeiros obstáculos para efetivar sua atuação na política, apresentam um modo peculiar de atuação? “De um modo geral, não posso atestar que exista um modo de atuar politicamente próprio às mulheres com essa amostra tão restrita, tampouco porque não pesquisei as falas dos homens. Todavia, não poderia ignorar o discurso autolegitimador empregado pelas parlamentares do Espírito Santo que acreditam em uma especificidade ‘feminina’, que teria o potencial de qualificar a política ou, ainda, algo mais radical: empreender um novo modelo de política, mais humanizado”, ressalta.
Dayane observa que o Brasil teve uma melhora em 2010, sobretudo com a eleição da primeira presidenta no Brasil, Dilma Rousseff. Por outro lado, ela esclarece que as eleições de 2014 escancararam o alto grau de desrespeito e desqualificação dedicado às mulheres na política por meio das inúmeras ofensas de cunho sexista destinadas à presidenta Dilma.
“Apesar de haver um contexto político mais amplo no questionável impeachment, a questão de gênero também se impôs. Ao pensar nos vários níveis de governo e nos distintos poderes, nossa política ainda é dominada pelos homens e organizada de modo que favoreça essa configuração. Disso resulta que a participação das mulheres na política nacional continua bastante abaixo quando comparada à presença dos homens. Elas estão em espaços que geram baixo capital político e reduzida capacidade de angariar recursos”, completa a pesquisadora.
O preço da candidatura
Uma outra análise a respeito da baixa proporção de mulheres nas esferas do poder é realizada pela professora do Departamento de Ciências Sociais e coordenadora do Núcleo de Estudos em Transculturação, Identidade e Reconhecimento (Netir), Adelia Maria Miglievich Ribeiro, que foi orientadora de Dayane no mestrado.
Para ela, as eleições no Brasil continuam caras. “Designar um nome e não outro para representar a legenda partidária significa o partido investir dinheiro nesse nome com vistas às probabilidades de retorno. As mulheres, sem muitas variações, não costumam obter de seus partidos grande aposta. As exceções são mulheres que herdaram o capital da família e aquelas que, na redemocratização, surgiram como lideranças a partir dos movimentos sociais”, pontua a professora.
Adelia reforça ainda que a mudança de mentalidades é lenta e requer um processo educacional que, entre outros fatores, defina a mulher como alguém que pode e deve ser respeitada em sua autonomia. “Também é extremamente necessário que as mulheres, nas suas divergências, se coloquem publicamente como ‘coletivo’ e notem que êxitos individuais não bastam. É importante que se pense a longo prazo na formação de lideranças mulheres na política de distintas faixas etárias, algo como formar um time titular e também um reserva, ainda juvenil, a fim de que a presença de mulheres na política brasileira deixe de ser tão baixa e intermitente para ser alta e ininterrupta”, ressalta.
“Se as meninas crescerem vendo mais mulheres em cargos de mando poderão também ampliar seu horizonte de escolhas como ser humano e desenvolver talentos inimagináveis. Resta saber se o Brasil deseja isto para suas filhas”, provoca a professora.
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