Estudo aponta insegurança alimentar e nutricional em famílias do Caparaó

Estudo foi o primeiro a investigar insegurança alimentar e nutricional em agricultores associando mecanismos epigenéticos e socioambientais. Foto: Câmara de Ibatiba/ES
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– Por Sueli de Freitas –

Uma pesquisa realizada na região do Caparaó, no sudoeste do Espírito Santo, revela alta incidência de Insegurança Alimentar e Nutricional (Insan) entre os produtores rurais e seus familiares. O estudo também detectou alterações bioquímicas e epigenéticas (relacionadas ao funcionamento do gene, mas não relacionadas à mutação do DNA) no organismo, que podem comprometer o aprendizado e levar a doenças como depressão

Orientada pela professora Adriana Madeira da Silva, a pesquisa foi tese de doutorado em Biotecnologia do professor do departamento de Farmácia e Nutrição da Ufes no campus de Alegre Wagner Miranda Barbosa.

Este é o primeiro estudo a investigar a Insan em agricultores e seus familiares que associou mecanismos epigenéticos e socioambientais entre seus determinantes.

A pesquisa envolveu produtores de café de 22 comunidades rurais localizadas em 11 cidades da região capixaba do Caparaó. Os cafeicultores e seus familiares, entre 18 e 60 anos, responderam a perguntas sobre aspectos socioeconômicos, de posse e uso da terra, hábitos de saúde e de comportamento, uso de agrotóxico nas plantações e condições de trabalho. A avaliação de Insan foi realizada de acordo com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar.

Segundo o professor Wagner Miranda Barbosa, cerca 600 famílias foram estudadas. Dessas, 23,68% estão enquadradas na categoria de insegurança alimentar e nutricional. Ao considerar apenas as populações rurais, a prevalência de Insan na região analisada foi 1,28 vez maior do que todo o sudeste do Brasil (18,6%) e 3,17 vezes superior ao estado do Espírito Santo (7,5%), conforme dados do IBGE. “Isso significa que essas famílias estão altamente vulneráveis”, afirmou o professor. De acordo com Barbosa, a Insan indica, sobretudo, pobreza e dificuldade de acesso a alimentos.

Alteração epigenética

O estudo mostrou uma associação da insegurança alimentar e nutricional com a alteração epigenética em um gene chamado BDNF, que está relacionado à aprendizagem e a distúrbios psíquicos, como depressão. Os agricultores e seus familiares foram submetidos a exames laboratoriais para análise do DNA. Do total, 39,10% apresentavam metilação do gene BDNF. “A metilação é uma modificação epigenética no gene, promovida por fatores ambientais, que pode ser herdada até a terceira geração. Essa alteração não é uma mutação do DNA.  Pode ser benéfica ou não. Já o BDNF é um gene que está relacionado com a capacidade cognitiva do ser humano”, explica o professor.

Segundo Barbosa, a metilação nesse gene é uma importante alteração encontrada nos indivíduos pesquisados que explica, em boa parte, a menor capacidade de aprendizagem. “Na prática, significa que essas pessoas estão mais vulneráveis e não conseguem responder a estímulos educacionais e sociais como uma população que não possui metilação nesse gene. Portanto, devem ser assistidas, com base na equidade”, avalia.

A pesquisa mostra que as condições de saúde dos produtores rurais são precárias de um modo geral. Entre os entrevistados, 50% apresentam sobrepeso ou obesidade, 17% têm sintomas depressivos, 43% tomam medicamentos de forma contínua, 48% consideram o estado geral de saúde regular/ruim ou muito ruim e 90,09% trabalham com agrotóxicos frequentemente.

“O uso de agrotóxico na atividade de trabalho é excessivo e generalizado. Sabe-se que o esse produto provoca intoxicações agudas (que ocorrem até 48h após a exposição) e crônicas (que podem ocorrer meses ou até anos após a exposição) de saúde, assim como está associado a uma maior prevalência de depressão entre os trabalhadores que lidam com esses produtos”, afirma o professor.

E complementa: “A ocorrência da mudança no gene BDNF, a posse de pequena fração de terras, o maior número de sintomas ou doenças relatadas e a necessidade de trabalhar fora da sua propriedade devido à baixa renda podem explicar a prevalência da insegurança alimentar e nutricional. Dessa forma, nossa pesquisa sugere a necessidade de implementação de estratégias para melhorar as condições de segurança alimentar e de vida do pequeno produtor rural”.

Na avaliação de Barbosa, a estratégia a ser adotada para reverter a Insan deve estar centrada na agricultura familiar. “Esse tipo de agricultura ocupa um papel muito importante em uma estratégia de desenvolvimento que englobe o objetivo da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), que seja economicamente sustentável, com crescente equidade e inclusão social. Seu fortalecimento cumpre papel nuclear tanto para a segurança alimentar quanto para a sustentabilidade do sistema alimentar. Ao promover a melhoria das condições de vida das famílias rurais, o estímulo à agricultura familiar é componente central no enfrentamento da elevada desigualdade social brasileira”.

Dados da pesquisa

Dados gerais:

  • 56,61% dos agricultores já trabalham no campo há pelo menos 30 anos
  • 5,10% se declararam analfabetos
  • 58,77% são donos da terra
  • 90,51% são minifúndios (ou seja, são propriedades com baixa extensão territorial)
  • 79,40% trabalham exclusivamente na propriedade onde residem (ou seja, não possuem outra fonte de renda)
  • 74,14% foram classificados como baixa renda segundo critérios da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2008)
  • 50% estão acima do peso adequado (apresentam sobrepeso ou obesidade)
  • 17% apresentam sintomas depressivos

Dados de Saúde:

  • 43% tomam medicamentos de forma contínua
  • 48% consideram o estado geral de saúde regular/ruim ou muito ruim
  • 9,55% fumam
  • 36% da amostra nunca ingeriu bebidas alcoólicas
  • 90,09% usam agrotóxicos frequentemente
  • 39,10% apresentavam metilação do gene BDNF

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