– Por Jorge Medina –
Um fenômeno praticamente impensável até há pouco tempo para os brasileiros está despertando a curiosidade de muita gente: os tremores de terra que estão acontecendo em todo o Brasil. “Ao contrário do que muitos pensavam, o nosso país não está totalmente isento desse fenômeno”, é o que afirma a professora do Departamento de Geografia da Ufes Luiza Bricalli, doutora em Geologia.
Nos últimos meses, terremotos têm ocorrido com frequência no território nacional. Desde agosto deste ano, houve uma grande quantidade de terremotos na região Nordeste, registrados pela Rede Sismográfica Brasileira (RSBR). No Espírito Santo, o mais recente ocorreu no dia 2 de julho deste ano, com magnitude 1.9, tendo como epicentro o bairro de Maruípe, em Vitória.
“É importante salientar que o Nordeste é a região sismicamente mais ativa do país, pois as falhas da região são muito ativas e causam acúmulo de estresse e liberação na forma de evento sísmico. Em outros locais do país, a reativação é um pouco diferente, apesar de também existirem falhas geológicas reativadas, assim como ocorre aqui no estado, por exemplo”, explica Luiza Bricalli.
Entretanto, a pesquisadora ressalta que, no Espírito Santo, podem acontecer terremotos como os que vêm sendo sentidos na região Nordeste do Brasil. Ela lembra que, no dia 1º de março de 1955, Vitória foi centro de um terremoto com magnitude 6.1, o qual foi considerado o segundo maior registrado do Brasil.
Causas
De acordo com a cientista, os motivos das ocorrências dos terremotos podem estar relacionados com a movimentação de falhas geológicas locais; com a movimentação das falhas transcorrentes da Dorsal Mesoatlântica que se prolongam para o continente; pela compressão e movimentação da Placa Sul-Americana, onde o Brasil está inserido; pelas características geológicas específicas de bacias sedimentares, que causam atividades sísmicas, especialmente nas bordas dessas bacias sedimentares com presença de falhas geológicas; pelo peso dessas bacias sedimentares, gerando atividade sísmica na região; e pela espessura da crosta terrestre.
Além disso, continua a pesquisadora: “é importante mencionar a existência de falhas neotectônicas em território capixaba, como comprovado em minha tese de doutorado sobre Padrões de Lineamentos e Fraturamento Neotectônico no Estado do Espírito Santo (Sudeste do Brasil), que podem ser muito ativas e causar acúmulo de estresses e liberação na forma de evento sísmico”.
Registros
No Espírito Santo, segundo Luiza Bricalli, os terremotos são registrados desde 1767 e já ocorreram em praticamente todos os municípios: Aracruz, Barra de São Francisco, Cachoeiro de Itapemirim, Castelo, Conceição da Barra, Ecoporanga, Jaguaré, Laranja da Terra, Linhares, Mantenópolis, Mimoso do Sul, Nova Venécia, Pedro Canário, Presidente Kennedy, Pinheiros, Piúma, São Gabriel da Palha, Sooretama, Vargem Alta, Vila Pavão, Vila Velha e Vitória. Somente em 2020, já ocorreram quatro terremotos no estado.
Quanto ao Brasil, vários tremores de terra foram identificados recentemente: no dia 19 de agosto, em São Félix (Bahia), com magnitude 1.6; no dia 30 de agosto, as estações da RSBR registraram pelo menos nove terremotos na região de Mutuípe (Bahia), com os maiores abalos marcando as magnitudes 4.6 e 3.7; e no dia 31 de agosto, em Amargosa (Bahia), com magnitude 4.6.
Em 1º de setembro, a terra voltou a tremer em Amargosa (Bahia), com dois novos abalos de magnitudes 2.4 e 2.0; e em Sergipe, com magnitude 2.7. Em 2 de setembro, foi registrado mais um na Bahia, de magnitude 1.8; no dia 3, na divisa entre os estados de Sergipe e Alagoas, com magnitude 2.1; e no dia 5, entre os estados de Sergipe e Alagoas, com magnitude 1.9. Já no dia 8, ocorreram nove terremotos em Caruaru (Pernambuco), cujo tremor mais forte chegou a 2.0, e também no dia 9, com magnitude 2.5. A RSBR publicou, em seus relatórios, que houve um aumento na atividade sísmica em Caruaru, com 119 tremores registrados em pouco mais de um mês.
Além desses, a professora Luiza Bricalli lembra que vários tremores são identificados diariamente em todo o mundo. Ela cita os mais recentes: no dia 30 de agosto de 2020, por exemplo, ocorreu um terremoto de alta magnitude (6.5) na Dorsal Mesoatlântica, registrado pelo Serviço Geológico Americano (USGS) e pelo Centro Alemão de Pesquisas em Geociências (GFZ). No dia 6 de setembro, essas instituições catalogaram outro abalo no mesmo local, com magnitude 6.6. Essa cordilheira encontra-se nos limites das placas Sul-Americana e Africana, chamado de limite divergente (oceano-oceano), e apresenta alta sismicidade.
Prevenção
Luiza Bricalli reforça que não há como prever a ocorrência de terremotos devido à dinâmica e às peculiaridades geológicas de cada região. O que pode ser destacado é que, em regiões de limites de placas tectônicas, as magnitudes dos terremotos, em geral, são mais altas. “É válido destacar que outros terremotos podem ocorrer no Espírito Santo, na região Nordeste e em todo o Brasil, mas, geralmente, com magnitudes baixas, devido ao fato de o país estar localizado longe de um limite de placa tectônica, usualmente sem causar danos à população”, tranquiliza a professora.
Ela explica ainda que um terremoto acontece quando as rochas sob tensão se rompem repentinamente ao longo de uma falha geológica. Ao se movimentarem, os blocos de rochas deslizam, provocando vibrações e ondas sísmicas. “Ocorre com maior frequência nos limites de placas tectônicas, compostas por crosta e manto, que se deslocam horizontalmente em diferentes direções em todo o planeta. O Brasil está sobre uma placa tectônica, a Sul-Americana, que denominamos como uma região de intraplaca,” enfatiza.
Na Ufes, o Laboratório de Neotectônica e Sismológico (Lanesi), coordenado pela professora, já catalogou 40 terremotos no Espírito Santo, com detalhamento de dia, local, epicentro e magnitude. As pesquisas realizadas no laboratório procuram analisar a existência de algum padrão de ocorrência desses tremores de acordo com o arcabouço estrutural, tipos de rochas e zonas fraturadas, além de relacionar os locais de ocorrência dos abalos com os locais que apresentam maior densidade de fraturamento da crosta terrestre e os locais com presença de falhas neotectônicas.
Luiza Bricalli possui doutorado em Geologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade de Roma (Uniroma/Itália). É mestre em Geomorfologia pela Universidade de São Paulo (USP) e graduada em Geografia pela Ufes. Possui experiência em Neotectônica, Geologia, Geomorfologia, Sedimentologia e Sensoriamento Remoto.
A pesquisadora mantém um canal no YouTube, no qual divulga conteúdos científicos sobre tremores de terras, placas tectônicas, ciclos de pandemias, mudanças climáticas, Geologia e conceitos básicos de Geomorfologia.
Edição: Thereza Marinho
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