Clarice Lispector 100 anos: literatura na produção de conhecimento científico

Clarice Lispector, por Maureen Bisilliat, em agosto de 1969. Acervo IMS. CC
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– Por Breno Alexandre*

O centenário da escritora Clarice Lispector – que nasceu em 10 de dezembro de 1920, na Ucrânia, veio para o Brasil aos 2 anos de idade e naturalizou-se brasileira – remete-nos à importância da literatura para entender as relações estabelecidas no contexto social em que vivemos. A obra de Clarice tornou-se objeto de estudo de pesquisadores, que utilizam seus livros para a produção de conhecimento científico. No Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Ufes, há pelo menos sete pesquisas sobre a escritora e sua obra.  

A doutora em Letras Cristiane Bourguignon – orientada pela professora Stelamaris Coser, do PPGL/Ufes, atualmente aposentada – foi uma das que se debruçaram sobre os livros da escritora para entender “A via crucis do desejo feminino: um estudo sobre a escrita de Clarice Lispector”. A pesquisadora analisou o livro que dá título à sua tese, identificando semelhança com outras obras da autora: Água Viva, A Paixão Segundo GH e A Hora da Estrela. Trata-se da presença de personagens femininas com pensamentos contemporâneos que, mesmo escritos no século passado, já apontavam para a pós-modernidade. 

Com base nas personagens e no comportamento modernos para a época, a pesquisadora afirma ser possível analisar traços de feminismo na escrita, embora Clarice Lispector não fosse declaradamente feminista. “Ela nunca teve a intenção declarada de se chamar feminista, ou dizer que a obra dela é feminista, então eu faço uma discussão porque muita gente chama a escrita da Clarice de literatura feminina”, acrescenta Cristiane Bourguignon.

Rejeição

Sobre o livro A Via Crucis do Corpo, a pesquisadora conta que a crítica da época não recebeu bem a obra. O livro, que conta sobre experiências amorosas de mulheres, foi encomendado pela editora da maneira como deveria ser feito. Mas Clarice era conhecida na época por escrever para a alta sociedade, e não era esperado dela um livro que trazia a prostituição como temática, mesmo sem citar o sexo de forma explícita, daí a rejeição. 

Tempos depois, a própria escritora chamou o livro de lixo. A única razão pela qual ela aceitou fazê-lo como pedido pela editora foi a necessidade de dinheiro, haja vista que, na época, estava divorciada e havia sido despedida do cargo de colunista do jornal para o qual trabalhava. A obra foi escrita às pressas. Clarice, que tinha o costume de reler várias vezes seus textos, para entendê-los melhor e aprimorar o trabalho, não o fez dessa vez. 

Obras consagradas

Muito distante desse episódio, ao longo da carreira, a escritora produziu diversas obras consagradas pela crítica, que foram traduzidas para mais de 15 línguas. Uma das mais conhecidas é A Hora da Estrela, que ganhou adaptação para o cinema. Outros livros de destaque, inclusive fora do Brasil, são Perto do Coração Selvagem e Água Viva.

Clarice Lispector gostava de produzir ao redor da família. Geralmente, escrevia na sala, cuidando dos filhos; tentava não se isolar num quarto, para se fazer presente. Preocupada com a participação na vida doméstica, mostrou-se uma boa mãe para Pedro e Paulo. 

Uma lembrança, conferida pela pesquisadora Cristiane Bourguignon em conversa com o filho de Clarice, Paulo Gurgel, no Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio de Janeiro, aponta para o Dia das Mães de 1974, em que a escritora, ao almoçar com um dos filhos, assinou o cheque para pagar a despesa da refeição com “10 de mãe”, em vez de “10 de maio”.

Para ela, ser mãe era de grande importância. O motivo era a origem do seu nascimento: a mãe dela estava doente, e a crença da sua família dizia que, quando uma mulher passava por essa situação, precisava engravidar para ser curada. No entanto, sua mãe faleceu dez anos depois.

Todos esses fatos marcaram a vida de uma das maiores escritoras do século XX, que adotou o Rio de Janeiro como sua cidade até dezembro de 1977, quando morreu vítima de um câncer no ovário. Ela marcou não só uma geração. Suas obras, escritas décadas atrás, apresentam fortes elementos contemporâneos. 

Clarice tinha uma escrita única, com um toque filosófico, mas que nunca deixou de ser literatura. Ela esculpia as palavras, retirando as que não eram importantes e deixando só a essência, provocando uma profundidade no leitor.

*Bolsista de Comunicação

Edição: Sueli de Freitas

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