– Por Vitor Guerra* –
Uma pesquisa com a participação de professores dos cursos de Química, Biologia (São Mateus) e Oceanografia da Ufes aponta quantidade anormal e tóxica dos elementos químicos alumínio, cromo, manganês e níquel nas praias ao norte do Rio Doce. Também foram constatados altos níveis de lama de rejeitos minerais, próximo a 80%, na desembocadura do rio, na localidade de Regência, em Linhares. Os pesquisadores afirmam que ainda é um desafio distinguir o que já existia nas praias em função da atividade de mineração na Bacia do Rio Doce e o que é consequência do rejeito que desceu a correnteza com o desmoronamento da barragem da Samarco, controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton, em Mariana, Minas Gerais. Isso porque não há pesquisas feitas nas praias antes da tragédia ambiental.
Os estudos de campo foram realizados pelo Projeto Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA), que se organiza sob a Rede Rio Doce Mar, uma articulação de universidades brasileiras que estuda os impactos do rompimento da barragem de Mariana na biodiversidade aquática (rios, estuários e lagos) e marinha (praias, costa e mar). No Espírito Santo, o projeto tem representação da Ufes. A Fundação Espírito-Santense de Tecnologia (Fest) monitora o acordo de cooperação entre a Universidade e a Fundação Renova.
O PMBA é dividido em oito grandes temáticas, como praias, manguezais e ambientes de água doce. Segundo Jacqueline Albino, professora do Departamento de Oceanografia da Ufes e coordenadora do tema praia, os resultados iniciais da pesquisa apontam a alta concentração de rejeitos de minério. “O resultado que encontramos até agora é uma alta concentração de rejeitos da lama na desembocadura e ao longo da zona submersa das praias ao norte, como Degredo, Pontal do Ipiranga [em Linhares], São Mateus e Guriri”. Ela explica, ainda, que as correntes marítimas locais acabam por distribuir essa lama, o que gera um ponto maior de concentração de rejeitos na desembocadura do rio e nas praias ao norte.
Luiz Sielski, pesquisador em pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Ambiental da Ufes, diz que foi uma surpresa encontrar altos níveis de rejeitos de lama na zona submersa da praia (parte que se localiza abaixo do nível médio do mar). “Devido às características climáticas da região, temos um mar muito agitado pela ação de ondas em boa parte do ano, o que não favorece o acúmulo de rejeitos. Material fino se deposita em região calma, como manguezais, lagoas e ambientes com baixa agitação. Encontramos [nas praias próximas à desembocadura do Rio Doce] uma quantidade grande depositada entre 5 e 10 metros de profundidade e com valores de elementos químicos altos, mas como não temos valores anteriores ao rompimento, não é uma tarefa fácil ligar isso diretamente ao rompimento da barragem”, afirma.
Danos contínuos
O acúmulo de rejeitos de lama na zona submersa da praia modificou as características físicas locais, segundo Albino. “O sedimento mais fino deixou a praia mais aplanada e mais erosiva. A praia perde altura e, junto com o espraiamento da onda, os elementos químicos presentes no rejeito são espalhados para a porção alta da praia e alcançam a restinga”.
A lama de rejeitos, que possui grãos menores, impacta também os hábitats de microrganismos que vivem em areias. “Há uma fauna específica, chamada de fauna bentônica da praia. O equilíbrio desses microrganismos está diretamente ligado aos sedimentos do local. Alterando o sedimento, temos uma consequência ecológica para a fauna: podemos ter, por exemplo, um desequilíbrio ecológico entre dois diferentes grupos, a macrofauna e a mesofauna”, afirma a professora.
Os impactos na região são difíceis de ser controlados, de acordo com Sielski, porque a bacia hidrográfica está cheia de lama e, com a chuva, esses rejeitos vão escorrer novamente. “No verão, época de mais chuva, esses rejeitos são carregados para o mar. Já no inverno, quando temos mais ondas, acontece o processo de ressuspender o que está depositado no fundo do mar para a superfície da praia. Chegamos a ter, nos 10 metros de profundidade, mais de 80% de concentração de lama, uma quantidade muito alta”.
O rejeito se desloca preferencialmente na porção norte da planície, de acordo com o oceanógrafo Lucas de Castro, que é auxiliar de pesquisa na Fest e também atua no projeto. Ele explica que, ao longo da porção sul da costa capixaba, como em Praia Mole, na Serra, também foi possível encontrar concentrações altas de metais na praia, mas isso não necessariamente significa uma contaminação pelo rejeito da barragem. “Podem ser outras fontes, há ainda essa dúvida. Temos muito a investigar nessas praias ao sul, principalmente em Praia Mole e em Putiri [em Aracruz]”, afirma.
Ações futuras
O projeto, que completou quatro anos em 2022, tem a possibilidade de continuar por mais dois anos com metas de aumentar a integração entre os diferentes grupos de pesquisa. “Depois de feitos os primeiros diagnósticos, você tem algumas afirmações e tendências não só [das pesquisas] da praia mas de todos os grupos. Com isso, a ideia agora é fazer com que esses diferentes temas se integrem mais: a praia interagir com o manguezal, com a zona submersa e assim por diante”, afirma Albino.
Um outro objetivo é aumentar a divulgação científica, traduzindo os dados coletados para a sociedade em geral. “Estamos bolando ações de divulgação científica para maior integração, além da continuidade do monitoramento, porque ainda há dúvidas; estamos sempre usando novos métodos de pesquisa para poder afirmar algo”, diz a professora.
*Bolsista em projeto de Comunicação
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