Movimentos migratórios e herança genética: estudos na Ufes ajudam a decifrar identidade brasileira e predisposição a doenças

Compartilhe:

Jaqueline Vianna   

Ao longo dos anos, os movimentos de imigrantes, muitas vezes atraídos por ciclos econômicos, somados aos povos originários indígenas e aos africanos formaram a população do Espírito Santo e do Brasil tal qual conhecemos hoje. As relações estabelecidas e as somas de DNAs resultaram na miscigenação que vai além das aparências: traçam nossos costumes, nossa identidade e até nossas referências genéticas, que trazem informações valiosas para a ciência, como predisposição a doenças. Na Ufes, dois estudos de diferentes áreas vêm contribuindo para decifrar quem nos tornamos durante os últimos séculos.

Um deles é o Saúde Indígena no Espírito Santo, coordenado pelo professor de Fisiologia no Centro de Ciências da Saúde da Ufes (CCS) José Geraldo Mill. A pesquisa capixaba contribuiu para o mais completo estudo sobre o mapa genético brasileiro, o projeto DNA do Brasil, publicado recentemente pela revista Science. Esse mapa revela mais de oito milhões de variantes genéticas desconhecidas até hoje. A maior parte da amostra estudada apresenta cerca de 60% de ancestralidade europeia, 27% africana e 13% nativa. As maiores porcentagens de ancestralidade africana estão no Norte e no Nordeste do país, enquanto as europeias se concentram no Sul e no Sudeste.

Mill explica que a pesquisa nacional analisou os genomas completos de 2.723 pessoas, incluindo indivíduos de comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas das cinco regiões geográficas do país. O Espírito Santo contribuiu com amostras biológicas da população indígena de Aracruz. “O estudo precisava de diversas amostras de diferentes etnias, então o Espírito Santo pôde contribuir com as que já tínhamos, da população indígena, quando nos propomos a monitorar a saúde daquela população”, informa.

Mais de dez instituições contribuíram na construção do mapa em todo o Brasil. A partir das amostras, encaminhadas para a Universidade de São Paulo (USP), foi feito o sequenciamento de genoma e comparado com outros bancos.

“É interessante observar que toda a movimentação migratória fica escrita em nosso DNA. Através desse estudo, pudemos perceber, por exemplo, que a miscigenação é mais realizada ao longo da história pela via da mulher. Isto é, foi mais comum o homem branco se relacionar com mulheres indígenas e negras do que a mulher branca se relacionar com homens dessas etnias. Isso é importante do ponto de vista histórico e também do ponto de vista biológico atual, pois muitas doenças – ou mesmo resistência a certas doenças – são típicas de uma etnia ou outra e são herdadas por via maternal ou paternal, conforme o caso. Então podemos perceber, através do estudo de genoma, o perfil e as predisposições das doenças, tendo possibilidade de influenciar na política de saúde”, diz o professor.

Movimentos migratórios

A outra pesquisa da Ufes que ajuda a entender a miscigenação foi a Ciclos econômicos e migração no Espírito Santo do século XIX ao XXI, realizada pela professora do Departamento de Ciências Sociais e coordenadora do Laboratório de Estudos dos Movimentos Migratórios da Ufes, Maria Cristina Dadalto, juntamente com o professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia Ednelson Dota.

Dadalto explica que o estudo foi dividido em quatro períodos: entre 1810 e 1900, com a chegada dos primeiros imigrantes incentivados pela política colonial ao final do ciclo de imigração internacional; de 1910 a 1950, relacionada à expansão das frentes agrícolas colonizadoras do interior do estado e a ampliação da mobilidade nacional intra e interestaduais; de 1960 aos anos de 1990, articulando a política de erradicação do café e os investimentos produtivos nacionais e externos; e, por fim, a partir dos anos 2000, com o crescimento da indústria do petróleo, incentivado pelo crescimento econômico e populacional, inclusive pelo plano 20-25 estadual.

“Fica muito evidente esses diferentes processos migratórios. Até o início do século XIX, a imigração de europeus era subdimensionada no estado. Na época, éramos uma província com várias regiões formando pequenas colônias, com uma população espalhada e alguma movimentação econômica, incluindo a população indígena em algumas regiões. A partir daí começamos a analisar o Oitocentos (período do século XIX marcado por diversos eventos, como a expansão cafeeira, a imigração de europeus, e a luta pela abolição da escravatura) e, nesse período, a migração europeia diz muito do resultado da pesquisa. Tivemos uma maioria de imigrantes italianos, além de imigrantes internos, especialmente das regiões fronteiriças do Rio de Janeiro e Minas Gerais, que começaram a vir para a produção de café e também extração de madeira. Grandes fazendeiros expandiram suas terras por aqui trazendo pessoas escravizadas e população miscigenada”, diz ela.

O terceiro momento, de 1960 a 1990, marca o êxodo rural como resultado da política de erradicação dos cafezais e um período de intensa emigração em nível estadual com a implementação de novos fluxos migratórios com base na industrialização provocada pelos grandes projetos implantados na Grande Vitória. Tal evento gerou a Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). “Muitos migrantes nacionais chegam ao estado nessa época, gerando um grande crescimento populacional com grande concentração na região urbanizada”, diz.

Por fim, no quarto período analisado, temos a mobilidade de 2000 a 2010, realizada com a gestação e implementação do plano estadual conhecido como 20-25 e o crescimento da indústria do petróleo, resultando na abertura comercial da economia do país e das privatizações. Outro fato que tem fortalecido e modificado os ciclos de migração inter e intraestadual no Espírito Santo foi a inserção de 28 municípios do norte do estado na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). 

“Nossa hipótese é que as políticas estatais foram as principais condicionantes dos fluxos migratórios do Espírito Santo ou que nele se originaram ou se destinaram. Essas políticas impulsionaram o deslocamento da concentração de riquezas do interior, junto à classe rural do estado no período da colonização até os anos de 1960, para a Grande Vitória. Foram elas, em diferentes contextos históricos, que gestaram a transformação sociocultural, econômica e política do estado, sendo a redistribuição espacial da população uma de suas faces”, destaca.

Edição: Thereza Marinho e Sueli de Freitas

Foto: Freepik

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*