Sueli de Freitas
O estudo Dos rejeitos às mesas: avaliação de risco de elementos potencialmente tóxicos em culturas comestíveis cultivadas em solos impactados por rejeitos de mineração, publicado em outubro de 2025 na revista Environmental Geochemistry and Health, mostra a concentração elevada de elementos potencialmente tóxicos (PTEs) em solos agrícolas do estuário do Rio Doce, incluindo cádmio, cromo, cobre, níquel e chumbo. Esses PTEs foram encontrados em partes comestíveis de culturas locais como cacau, mandioca e banana.
A pesquisa foi realizada no ano de 2021 por um grupo interdisciplinar de pesquisadores da Ufes – professor Angelo Bernardino, do Departamento de Oceanografia e do Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Ambiental –; da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP); e da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, e recebeu financiamento das fundações de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Espírito Santo (Fapes) por meio do projeto Rede Solos e Bentos Rio Doce.
Contaminação crônica

O grupo investigou os efeitos da crônica contaminação por rejeitos de mineração ricos em ferro no estuário – zona de transição entre o rio e o mar. Desde 2015, o Rio Doce sofre os impactos do rompimento da barragem de Fundão, situada no Complexo Industrial de Germano, no município de Mariana (MG), sob a gestão da Samarco Mineração S/A, empresa controlada pela Vale S/A e BHP Billinton. O rompimento ocorreu em 5 de novembro daquele ano, ou seja, há exatos dez anos.
Segundo os pesquisadores, a quantidade de cádmio, cromo, cobre, níquel e chumbo encontrados em solos agrícolas do estuário do Rio Doce excede os valores de referência adotados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). “Isso levanta a preocupação quanto à segurança alimentar a partir do consumo de produtos cultivados na região mais próxima à foz do Rio Doce”, afirma o professor Bernardino.
De acordo com o pesquisador, “os resultados sinalizam que os rejeitos de mineração, ricos em óxidos de ferro, nem sempre constituem um material inerte que impede a transferência de contaminantes para a cadeia alimentar, especialmente em solos estuarinos”. Ele afirma que “como já demonstrado em estudos anteriores da Rede Solos Bentos Rio Doce, as condições estuarinas promovem a transferência de metais para a biota ou para a vegetação associada, com implicações diretas para a segurança alimentar e a saúde pública nas regiões impactadas por deposição de rejeitos, sobretudo para grupos sensíveis como crianças”.
Avaliações de risco
O estudo utilizou avaliações de risco (Hazard Quotient, Hazard Index e Total Hazard Index) que sugerem um possível risco não cancerígeno para crianças ao consumirem bananas. Para adultos, os índices calculados permaneceram abaixo de limiares de risco. O chumbo foi o principal responsável pelo risco alto observado para crianças.
Segundo a pesquisadora da USP Tamires Patrícia de Souza, doutora e enfermeira coautora do estudo, os resultados são um alerta claro para a necessidade de proteção à exposição infantil a esses elementos: “A exposição crônica ao chumbo está associada a danos ao desenvolvimento neurológico irreversíveis, como redução de QI (coeficiente de inteligência), déficits de atenção e alterações comportamentais. Crianças de zero a 6 anos de idade absorvem e retêm mais chumbo que adultos, tornando-as especialmente vulneráveis mesmo a baixas concentrações. Por isso, o estudo aponta a necessidade de medidas urgentes de monitoramento, estudos de bioacessibilidade e intervenções de saúde pública para reduzir a exposição contínua e proteger as populações mais sensíveis”.
O estudo também reconhece que seria necessário ampliar a amostragem de áreas ao longo do Rio Doce para melhor compreender o potencial risco para a população atingida pelo desastre. Porém, os resultados oferecem um sinal de alerta, pois dependendo da quantidade de alimentos ricos em metais consumidos, assim como de fontes adicionais de contaminação (solo, ar e água), existe a possibilidade de risco para crianças. “Esse estudo reforça dados anteriores publicados que sugerem a biodisponibilidade de muitos elementos potencialmente tóxicos na região estuarina e a natureza crônica dos impactos do desastre de Mariana sobre as comunidades afetadas”, afirma a pesquisadora Amanda Ferreira, da Esalq/USP, que liderou o estudo.
Ferreira ganhou o Prêmio USP de Tese 2025 na área de sustentabilidade ambiental e o Prêmio Capes de Tese 2025 na área de Ciências Agrárias com a pesquisa intitulada Iron biochemistry in mine tailing impacted soils: from risk assessment to enhanced bioremediation strategies (Bioquímica do ferro em solos impactados por rejeitos de mineração: da avaliação de riscos a estratégias aprimoradas de biorremediação), desenvolvida na Esalq/USP, sob orientação do professor Tiago Ferreira, em parceria com o professor Bernardino.
Fotos: Angelo Bernardino/Ufes
Revisão: Monick Barbosa
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