– Por Jorge Medina –
O vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, já circulava no Espírito Santo antes mesmo do primeiro caso da doença ser anunciado pela China. Essa é a conclusão de uma pesquisa publicada no último dia 6 de janeiro na Revista Científica Plos One. Dentre os autores do estudo, está o professor do Departamento de Patologia do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Ufes Rodrigo Rodrigues (foto).
Também participaram da pesquisa o professor aposentado da Ufes Reynaldo Dietze; o secretário de Estado da Saúde do Espírito Santo, Nésio Fernandes; e os pesquisadores Lorenzzo Stringari, Michel Souza, Jaqueline Goulart e Camila Giuberti.
Com o título Covert cases of Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2: An obscure but present danger in regions endemic for Dengue and Chikungunya viroses (Casos ocultos de Síndrome Respiratória Aguda Grave Coronavírus 2: um obscuro mas presente perigo em regiões endêmicas para o vírus da dengue e Chikungunya), o estudo analisou 7.370 amostras de pacientes com suspeita de dengue e chikungunya, mas sem história prévia de diagnóstico da COVID-19, de 1º de dezembro de 2019 a 30 de junho de 2020.
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Durante o período pesquisado, foram detectados 210 casos de pessoas com anticorpos contra o novo coronavírus, representando 2,85% da amostra. A pesquisa destaca que, dentre os 210 pacientes com resultados de exames positivos para o coronavírus, 131 testaram negativo para dengue ou chikungunya, o que mostra que o SARS-CoV-2 não foi sequer considerado durante a estratégia de diagnóstico.
“O que mostra é que esses pacientes possuíam uma infecção por coronavírus, que ocorreu de forma oculta por uma doença que estava mais em evidência. Se levarmos em conta que o anticorpo da COVID-19 demora mais para aparecer, só atingindo níveis detectáveis entre 15 e 20 dias após o contágio, podemos dizer que a exposição tenha ocorrido no final de novembro ou bem no início de dezembro. Isso reforça a suspeita de que o vírus da COVID-19 estava circulando no Estado do Espírito Santo antes mesmo do anúncio oficial da doença pelo governo da China”, explica Rodrigues.
Desse modo, o primeiro caso diagnosticado com a COVID-19 no estado, conforme a pesquisa, foi em 18 de dezembro de 2019, que também teve resultado positivo para o vírus da dengue. Vale lembrar que o primeiro caso do coronavírus foi confirmado na China em 31 de dezembro de 2019, 13 dias após identificado no Espírito Santo, segundo o estudo.
No Brasil, a confirmação pelo Ministério da Saúde do primeiro caso foi no dia 26 de fevereiro de 2020, ou seja, quase três meses depois. O paciente era um brasileiro que havia retornado de uma viagem à Itália.
Investigação científica
Em princípio, o objetivo dos pesquisadores era investigar se haveria presença simultânea do novo coronavírus com os vírus da dengue e da chikungunya em regiões endêmicas do estado, uma vez que alguns dos sintomas das infecções são semelhantes, como febre, dores de cabeça e no corpo.
O estudo ressalta que o impacto do SARS-CoV-2 em regiões endêmicas para dengue e chikungunya ainda não é totalmente compreendido, considerando que os sintomas e as características clínicas exibidos durante as infecções agudas das doenças são idênticos.
A investigação observou que surtos concomitantes de dengue ou chikungunya podem dificultar o diagnóstico de infecções por coronavírus. Além disso, os resultados da pesquisa sugerem que os casos da COVID-19 que ocorreram antes de fevereiro de 2020 e que não foram diagnosticados podem ter contribuído para a rápida expansão da pandemia no Espírito Santo e no Brasil.
Vigilância
O estudo ressalta também que o reforço da consciência vigilante e da investigação sistemática é essencial para o tratamento e o controle adequados da doença e que os dados apresentados na pesquisa alertam que, em regiões endêmicas de arbovírus (dengue, zika e chikungunya), a infecção pelo SARS-CoV-2 deve ser sempre considerada, independentemente da existência de teste prévio positivo para dengue ou chikungunya e/ou ausência de sintomas respiratórios.
O professor Rodrigues, que atualmente ocupa o cargo de diretor-geral do Laboratório Central do Espírito Santo (Lacen-ES), da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), salienta que a presença de arbovirose endêmica pode levar a uma conclusão errônea se não foi feita a testagem para o SARS-CoV-2. “Acreditamos que esse novo vírus possa ter se beneficiado da concomitância para passar despercebido, tornando a disseminação da doença mais rápida. Se o profissional da saúde não estiver atento, ignorando que a febre e as dores podem ser sintomas da COVID-19, ele pode diagnosticar uma doença qualquer e não isolar o paciente. Foi o que aconteceu durante pandemia”, enfatiza.
Ainda de acordo com os pesquisadores, o diagnóstico incorreto é uma ameaça presente nas regiões endêmicas de dengue e chikungunya. “Nossos dados apoiam fortemente a hipótese de que a infecção por SARS-CoV-2 foi ofuscada por uma epidemia concomitante de dengue e chikungunya”, finaliza Rodrigues.
O estudo publicado na revista norte-americana Plos One, que é editada pela Public Library of Science, é resultado de uma parceria entre a Sesa, o Lacen, o Núcleo de Doenças Infecciosas da Ufes e o Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa/Portugal.
Edição: Thereza Marinho
Publicado em 15 de janeiro de 2021.
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