
Ghenis Carlos*
Em desenvolvimento pela Ufes, um aplicativo visa realizar a classificação sensorial do café a partir do processamento digital de imagens e inteligência artificial, indicando a nota de Qualidade Global (QG) da bebida a partir dos grãos cereja recém-colhidos na lavoura. A QG é a escala usada pela Associação Brasileira de Cafés Especiais para classificar o fruto.
A ideia da pesquisa liderada pelo professor Samuel Silva, vinculado ao Departamento de Engenharia Rural da Ufes, que fica no Centro de Ciências Agrárias e Engenharias (CCAE), é facilitar a vida do produtor rural, direcionando o processamento e o beneficiamento pós-colheita, com o objetivo de identificar lotes de café com maior qualidade.
“O sistema ainda não é operacional, porque está em nível de prototipagem. Mas o modelo computacional está pronto. A ideia é construir um sistema operacional que trabalhe com um modelo de aprendizado por reforço”, explica Silva.
Para o desenvolvimento do projeto, informações de grãos de lavouras do Espírito Santo e Minas Gerais com qualidade sensorial já conhecida foram inseridas no sistema, gerando uma biblioteca com amostras de diferentes grãos de café. Com base nisso, é feito o processo de classificação.
“A partir da resposta espectral dos grãos, obtido com uso de uma câmara com iluminação controlada e usando um sensor RGB, a gente conseguiu chegar a bons resultados”, diz o professor, que coordena o Laboratório de Mecanização e Agricultura de Precisão e Digital (LabMAP).
Critérios como aroma, sabor, corpo, amargor, adstringência e outros são levados em consideração pela Associação Brasileira de Cafés Especiais para definir se um café é tradicional ou especial, sendo que, dentro dessa última classe, existem subdivisões de 70 a 100 pontos. Convencionalmente, esse processo ocorre pela avaliação de provadores.
A margem de erro dos provadores é semelhante ao desvio obtido no estudo, que leva em consideração a média global da qualidade sensorial do café. Mas há um diferencial: para a classificação por provador é preciso colher o café, secar, beneficiar, torrar e moer; já o projeto vinculado à Ufes faz a análise diretamente com os grãos de café cereja, após a colheita, sem passar por todas as etapas convencionais.
“O sistema convencional envolve a ação humana. Provadores altamente treinados, com o paladar aguçado e capaz de fazer a classificação. Só que o processo é demorado. E o agricultor só vai ter informação da qualidade depois do beneficiamento e na hora da classificação. O que a gente propõe é uma medida que dê direcionamentos de lotes específicos para a produção de cafés especiais”, afirma Silva.
Impactos
No processo convencional pós-colheita, os grãos que são destinados a cafés especiais passam, em geral, por um processo de lavagem e separação de grãos verdes e cerejas. Depois o cereja, na maioria dos casos, é descascado e despolpado na fase de fermentação, para em seguida ser seco. O professor pontua que isso gera uma quantidade de água residuária relativamente grande e que pode eutrofizar cursos d’água, ou seja, tornar uma fonte de água excessivamente rica em nutrientes, minerais e materiais orgânicos, acarretando desequilíbrios ecológicos.
Segundo ele, o benefício econômico e ambiental do sistema proposto “está na possibilidade de orientar quais lotes serão vendidos como commodity (grãos para comercialização internacional em larga escala), com um custo menor para o produtor e sem gerar impactos ambientais”. Também é possível delimitar os grãos que podem ser processados como café especial.
Tecnologia
O pesquisador lembra que as tecnologias estão cada vez mais presentes no meio rural brasileiro. Desde a década de 1990, o país tem aplicado preceitos de agricultura de precisão, principalmente com máquinas e soluções importadas de outros países. Nos últimos anos, no entanto, foram desenvolvidas soluções e ferramentas voltadas para a realidade nacional.
De acordo com o docente, nenhuma das soluções está direcionada especificamente para a cafeicultura, pois, apesar de haver diversos empresários no ramo, a maior parte dos produtores corresponde a pequenos agricultores com menor poder aquisitivo. Nesse sentido, o LabMAP quer desenvolver alternativas tecnológicas para aprimorar sistemas de manejo.
“Nós estamos inseridos em uma região produtora de café; o Espírito Santo é o maior produtor de café canephora do Brasil e é expressivo na produção de café arábica. Então, temos uma responsabilidade social de devolver tecnologia para pequenos agricultores. É um projeto oportuno, pois além da formação acadêmica [dos envolvidos], há os pilares de extensão e pesquisa que envolvem o desenvolvimento de soluções e tecnologias voltadas para aqueles que nos circundam”, detalha Silva.
Próximo passo
O próximo passo do estudo consiste em ampliar os dados utilizados para a classificação dos grãos e transformar o que é um protótipo em algo que seja operacional.
* Bolsista em projeto de Comunicação
Edição: Sueli de Freitas
Revisão: Monick Barbosa
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