Impostos sobre o consumo: forças e novos caminhos
Luan Antunes*
O momento é considerado histórico. Foi promulgada a Emenda Constitucional 132, que altera, apenas sob a ótica do consumo, as regras do tão criticado e tumultuado Sistema Tributário Nacional – objeto há décadas de debates, estudos, promessas eleitorais e descrédito da opinião pública e de setores econômicos.
Com esforços do governo federal e do Congresso Nacional, a sociedade assistiu ao primeiro grande ato de reorganização do arcabouço legal quando o assunto é imposto e regra de arrecadação. O atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considera que o novo desenho do sistema tributário merece uma nota 7,5, mas com a possibilidade de revisões a cada 4 anos o mesmo poderá ser 10. O sistema que será abandonado seria nota 2 na visão do ministro.
A PEC substitui os impostos federais PIS, IPI e Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o estadual ICMS mais o municipal ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência conjunta estados e municípios. Também estabelece a criação de um terceiro novo imposto, o Imposto Seletivo (IS) já apelidado como “imposto do pecado”, pois será uma cobrança federal para desestimular consumos que fazem mal à saúde e ao meio ambiente.
Há, na troca substancial de modelo de impostos, a primeira grande força do novo regramento. Cartilha em uma centena de países, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) segue uma lógica que quebra a principal característica do nosso tão afamado modelo atual, a cobrança de imposto sobre imposto, a cumulatividade, a bitributação. O Brasil caminhou para um IVA dual, com a CBS sendo um IVA da União e o IBS um IVA destinado ao caixa de estados e municípios.
O IVA brasileiro já nasce pelas estimativas com a maior alíquota total do mundo, de até 27,5%. O percentual de parâmetro significa o limite que a soma dos dois impostos sobre determinado item ou serviço pode alcançar. A cobrança máxima já não chegará para setores de uma não-seleta lista de exceções e descontos definidos na própria PEC, um ponto de divergência e crítica por diversos juristas: exceções e favorecidos deveriam ser definidos em leis, de mais fácil revisão.
O modelo precisou ser dual para a construção de uma padronização nacional de alíquota e a construção de um caminho pelo fim de políticas de incentivos fiscais desencontradas entre os entes da Federação. Para acabar com a guerra fiscal entre estados, a segunda força da EC 132 é a definição de que o recolhimento de qualquer tributo só se dará na UF destino, no local onde ocorrer o consumo do produto ou serviço. Mudança substancial para uma sociedade de tantas entrelinhas quando o assunto é ICMS, por exemplo.
Sem negar o avanço, o que vem sendo chamado de reforma é, de fato, só o começo dela. O texto aprovado abriu um longo horizonte de negociação política nos próximos anos. Não só pelo fato de Brasília, como um todo, ter escolhido focar primeiro no paiol do consumo e prometido para um futuro as pernas de negociações politicamente mais complexas – a tributação sobre renda e patrimônio –, mas, também pelo fato de que ao constitucionalizar diversas regras importantes, a PEC exige a discussão e criação de leis complementares pesadas.
Com o novo texto na Constituição, o país deverá regulamentar nos próximos anos, por exemplo, parâmetros de alíquotas, os fundos especiais e de compensação, a definição dos itens da cesta básica e até mesmo o funcionamento do próprio Conselho Federativo que fará a gestão do imposto que compete a estados e municípios, objeto de muitos questionamentos e mensagens de descrença.
Com longa transição federativa (2029 a 2079), o texto constitucional da reforma do consumo traz expectativas econômicas de médio prazo. Sem garantia de que serviços e produtos ficarão mais baratos, mas com as promessas de fim da guerra fiscal e manutenção da carga tributária, sob o modelo IVA, projeta-se mais simplicidade, mais confiança de investidores dos principais setores, mais crescimento econômico e geração de emprego – mesmo mantra de tudo o que se chamou de reforma nos últimos anos em nível nacional.
Em outros termos, para além da possibilidade de prevalecer realmente uma vontade política de pautar num futuro próximo e mudar as regras de impostos sobre renda – perna que mais escancara o problema da regressividade e da desigualdade tributária–, a caixa de ressonância de diversos interesses setoriais, o Congresso Nacional, só começou no tema consumo um importante caminho, mas que não pode ser vendido ou entendido como pauta única, como já percorrido. As forças da reforma consideradas positivas pelo mercado, academia e o mundo político dependem de muita regulamentação e espírito republicano na construção dos próximos textos legais.