O SETOR DE SERVIÇOS EM 2024: PERSPECTIVAS E DESAFIOS

Kayky Barcelos de Oliveira [1]

    O setor Serviços é, atualmente, o principal componente do PIB pela ótica da produção, compreendendo cerca de 70% do agregado macroeconômico. O setor é de extrema importância para a economia nacional, sendo o motor do crescimento econômico no período em que o país sofre com a desindustrialização. Contudo, apresentando crescimento débil desde o segundo semestre de 2022, o setor terá de superar grandes obstáculos este ano, tais como a falta de incentivos do governo, o alto nível de endividamento das empresas, as elevadas taxas de juros, além do baixo poder de compra dos agentes. Visando manter projeções de crescimento mais otimistas para a economia em 2024, um dos grandes desafios será reacender a dinâmica do setor Serviços.
      A projeção do Banco Central realizada na primeira semana do ano passado traçava crescimento menor do que 1% para o Produto Interno Bruto no ano de 2023, em comparação com 2022. Os principais dados da economia no ano passado revelaram um esforço de recuperação, promovendo o crescimento acima das expectativas dos economistas de mercado. No acumulado do ano de 2023, os dados do terceiro trimestre indicam crescimento de 3,2% do PIB. Apesar disso, o setor de serviços cresceu 2,6%, o que corresponde ao índice mais baixo desde o primeiro trimestre de 2021, sob a mesma base de comparação.
     Algumas das principais promessas de campanha do governo estavam atreladas ao retorno do poder de compra dos agentes econômicos durante os  mandatos Lula I e II. Porém, os projetos governamentais ainda não surtiram os efeitos necessários para consolidar o crescimento do Consumo das Famílias, fato que contribuiria para o movimentar o setor de serviços, pela ótica da produção. De acordo com os dados do Sistema de Contas Nacionais Trimestrais, no acumulado do ano de 2023, até o terceiro trimestre, o crescimento do Consumo das Famílias corresponde a 3,4%, indicando o menor índice para o mesmo período desde 2020. O encarecimento do crédito, em conjunto com a inflação do período, contribuiu para a falência de diversas empresas e para o aumento da inadimplência e do endividamento entre as famílias.
       O setor de serviços, assim, enfrenta diversos problemas financeiros desde 2020, com o início do lockdown, e que foram agravados no intervalo de tempo em que as taxas de juros subiram de 2%, em março de 2021, para 9,25% em dezembro do mesmo ano. O setor tenta se recuperar dos efeitos da pandemia da Covid-19, lidando com enorme endividamento. De acordo com o Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial, os pedidos de recuperação perante a justiça saíram de 8, em 2019, para 32 em 2023[2]. Durante o período pandêmico, houve uma retração do consumo, diminuindo as receitas do setor de serviços. 
      Tendo como meta a ampliação desse consumo, a equipe do governo tentou, ao longo do ano passado, retomar as políticas de redistribuição de renda e conceder auxílios assistenciais às famílias, e, assim, possibilitar a dinamização econômica. O objetivo do projeto econômico para 2024 é tentar reaquecer a demanda por bens e serviços no mercado interno e efetivar o crescimento econômico por meio do efeito multiplicador do Consumo do Governo[3]. O programa Desenrola[4], então, surge com o intuito de ampliar a margem para o consumo das famílias, possibilitando que os endividados saiam do vermelho, tenham acesso ao crédito e movimentem a economia como um todo. Pela ótica da demanda, o Consumo das Famílias é o maior componente do PIB, sendo responsável pela movimentação da economia. 
     Entretanto, o Desenrola ainda não atingiu as expectativas, atendendo a um número menor de pessoas do que o esperado em sua criação. Apesar de ser considerado um sucesso, por ter atendido cerca de 11 milhões de brasileiros, o programa ainda precisa de maior adesão para alterar o quadro nacional.  O incentivo ao projeto continuará no primeiro trimestre de 2024 e, além disso, ganhará braços para tentar aliviar as dívidas de empresas e microempresas. Segundo as expectativas do governo, o programa deve auxiliar cerca de 7 milhões de microempreendedores. 
      Vivendo sob grande pressão, o governo tem tentado aumentar a arrecadação fiscal e zerar o déficit primário[5], fato que dificulta o manejo político-econômico para o cumprimento de algumas de suas promessas eleitorais. Em dado momento da campanha eleitoral, a equipe econômica chegou a prometer a isenção gradual do imposto de renda para quem recebesse até 5 mil reais. No primeiro ano do mandato, foi concedida a isenção do IR para quem recebia até dois salários mínimos, o que pôde auxiliar no aumento do orçamento familiar. Entretanto, com o reajuste do salário mínimo acima da inflação, o grupo de pessoas que recebe na faixa de dois salários pode voltar a pagar o tributo. O não cumprimento dessa promessa, até o momento, decorre da exigência de cumprimento das metas fiscais. A arrecadação advinda do imposto de renda é fundamental para as contas públicas, o que dificulta a aplicação da isenção até a faixa dos 5 mil reais de imediato. Para 2024, a equipe econômica afirma que haverá um novo reajuste na tabela do IR, mas os valores ainda não foram revelados.
      O governo tenta conciliar um estímulo ao crescimento da economia, enquanto se esforça para aumentar a arrecadação das contas públicas, visto que segue pressionado para o cumprimento das metas fiscais. Para tanto, entre as medidas tomadas pelo governo, está a designação de novas regras tributárias para produtos importados, o que repercutiu dentro do setor. Na última década, o crescimento do e-commerce possibilitou a ascensão de grandes empresas estrangeiras em solo nacional. De acordo com o Banco Central, o valor das importações de bens de pequeno valor saltou de US$ 800 milhões, em 2013, para cerca de US$ 10 bilhões em 2022. O comércio digital, segundo os empresários, afeta a economia brasileira com a perda de competitividade dos produtos nacionais dentro do território.
   A isenção para importações de até 50 dólares gerou descontentamento entre os representantes da indústria e do comércio nacional. A Confederação Nacional das Indústrias, em conjunto com a Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços, protestou perante o Supremo Tribunal Federal. Enquanto os empresários lutam por uma suposta “isonomia tributária”, aumentar a carga tributária ou retirar a isenção geraria um desconforto com a base do governo, tendo em mente que pressionaria ainda mais o orçamento familiar. No mais, o governo também não está em condições de retirar totalmente a carga tributária, visto que necessita dessa receita para a arrecadação fiscal.
    Dessa forma, o setor de serviços ainda deve sofrer no ano de 2024 com a falta de incentivos, decorrentes das metas fiscais do governo. As medidas da equipe econômica para aquecer a produção nacional ainda caminham em um ritmo lento. Focado em zerar o déficit primário, o governo tem controlado seus movimentos para tentar reequilibrar as contas públicas, sendo constantemente vigiado pelos economistas de mercado. No momento, as taxas de juros permanecem altas, mesmo que estejam em uma trajetória de cortes desde o fim de 2023. O crédito encarecido dificulta a ampliação da escala produtiva, de novos investimentos na economia e do aumento do consumo. A renda disponível para o Consumo das Famílias ainda é insuficiente para que os setores da economia consigam reverter os efeitos do período pandêmico, refletindo a necessidade de incentivos na base de sustentação da economia brasileira para alterar a trajetória de crescimento. A presença das empresas estrangeiras com o e-commerce também representa um desafio para a economia brasileira, cada vez mais refém dos produtos chineses e estadunidenses.
     Estando atrelado ao bom desempenho dos outros setores da economia, o setor de serviços é extremamente amplo e heterogêneo, refletindo o comportamento macroeconômico e a conjuntura político-econômica nacional. Em uma economia fragilizada, como a brasileira, e que vive um período de desindustrialização e desestatização, o setor de serviços acaba por torna-se o principal fator do crescimento, empregando o maior número de brasileiros e compreendendo a maior fatia do Produto Interno Bruto. Vale ressaltar que o crescimento impulsionado pelo setor de serviços, apesar de necessário, não necessariamente traduz-se em crescimento com desenvolvimento da escala produtiva e geração de empregos de maior remuneração, visto que a mão de obra empregada no setor e a produção, em geral, são de baixo valor agregado. 
       Diante da conjuntura exposta, o ano de 2024 trará desafios, mas o horizonte para o setor é o melhor desde a pandemia, podendo enxergar, finalmente, uma recuperação, ainda que pequena. A atenção da pauta governamental deve, com urgência, ser o retorno da distribuição de renda para as famílias e um esforço para reduzir a carga do endividamento familiar. O aumento do poder de compra da população faz com que a economia local se desenvolva, gerando emprego e renda. O ambiente macroeconômico pode vir a ser favorável para o setor de serviços, porém, é necessária uma certa cautela. Ainda com a situação desfavorável nesse começo de ano, as expectativas para o setor podem ser positivas caso a inflação continue sua trajetória dentro da meta do governo, mantendo, assim, o poder de compra dos agentes e que a taxa básica de juros prossiga em queda, como vem sendo observado, possibilitando a oferta mais barata de crédito.

[1] Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Espírito Santo e bolsista pelo Programa de Educação Tutorial do curso de Ciências Econômicas da UFES (PET Economia UFES). Além disso, é membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Conjuntura do Departamento de Economia – Subgrupo Nível de Atividade, Política Fiscal e Setor Externo.
[2] A Recuperação Extrajudicial é uma forma jurídica das empresas evitarem o processo de falência. Caso seja concedida, a execução das dívidas entra em stay period.
[3] Segundo a leitura keynesiana, o efeito multiplicador dá-se quando os resultados de um investimento público causam uma variação muito maior do que o esperado inicialmente.
[4] O Desenrola é um programa de renegociação de dívidas que tem por objetivo diminuir o número de inadimplentes no país.
[5] Define-se como o resultado entre as receitas e as despesas do governo, excluindo os juros.
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