Por Prof. Dr. Henrique Braga (Coordenador do subgrupo Política Monetária – Grupo de Conjuntura/UFES/Economia).
A expansão da acumulação de capital tem por pressuposto o crescimento do sistema de crédito. Dentre os diversos indicadores que procuram capturar essaexpansão, destaca-se, como o mais elementar, o saldo de crédito da economia, que mostra o quanto as pessoas jurídicas e físicas estão tomando emprestado. No primeiro caso, pode ser tanto para financiarem suas operações, quanto para financiarem o investimento. Já para as pessoas físicas, o crédito permite financiar o seu consumo, desde a casa própria até o gasto corrente. Seja num caso, seja no outro, acelera-se pelo crédito a rotação do capital e, com isso, o seu processo de acumulação. Entretanto, o crédito não é um motor perpétuo da acumulação de capital.
Quando o endividamento começa a pesar no balanço das empresas, indicando declínio da acumulação de capital, novas dívidas não são concedidas pelo sistema financeiro, afetando a continuidade do processo produtivo, das gestões de caixa das firmas e a rolagem das dívidas antigas. O que conduz à abertura de renegociação dos prazos das dívidas e, nos piores casos, à quebra das empresas insolventes. De uma forma ou de outra, o sistema de crédito reduz sua concessão de novas dívidas, podendo até cessá-la por completo, no caso em que a quebra das empresas começa a afetar outras. Tal situação aparece nos saldos menores do crédito destinado à pessoa jurídica.
Movimento semelhante é observado quando a dívida das famílias pesa no seu orçamento. Entretanto, como suas remunerações dependem das decisões de alocação das empresas – privadas ou estatais – e das entidades governamentais, a maneira como o declínio da acumulação de capital afeta os trabalhadores de cada um dos setores é definidor da sua capacidade de continuar tomando crédito. No caso daqueles que possuem estabilidade, tomam crédito para manterem seu padrão de vida – ou mesmo ampliá-lo – para aqueles que são demitidos, o crédito declina ou é uma saída para manterem a sua subsistência até a posição de inadimplência. Além disso, a permanência de patamares baixos dessa acumulação pode forçar as pessoas desempregadas à tomarem crédito em busca de alguma solução dessa situação insalubre.
A partir dessa leitura da relação entre acumulação de capital e sistema de crédito – por certo um tanto esquemática – podemos observar o que ocorreu na economia brasileira de janeiro até agosto de 2018. Nesse período, cresceu em 2,1% o saldo total de crédito. Entretanto, o crédito para pessoa jurídica declinou em 0,5%, enquanto o crédito para pessoa física subiu 4,3%.
Observando o crédito para pessoa física com recursos livres, nota-se um crescimento de 4,4%, enquanto o crédito com recursos direcionados cresceu 2,4%. Dentro do crédito com recursos livres para pessoa física, destaca-se o aumento do saldo do crédito pessoal, que cresceu 6,2%, do crédito para aquisição de veículos, que ampliou em 7,5%, e do cartão de crédito, que cresceu 4,4%. A soma do saldo de crédito dessas modalidades respondeu, em agosto de 2018, por 58% do crédito com recursos livres para pessoas físicas. No recurso direcionado, destaca-se o crescimento do crédito rural, de 3,4%, e do crédito para o financiamento imobiliário, de 2,5%; sendo que essas duas modalidades responderam, em agosto de 2018, por 93% do saldo do crédito
direcionado à pessoa física.
Os números mencionados ilustram tanto o crescimento dos componentes do crédito vinculados ao consumo, quanto o declínio do crédito destinado ao setor que ocupa capacidade e investe. Aliás, desde dezembro de 2016, tanto o salto do crédito destinado à pessoa jurídica passou a estar num patamar menor do que o crédito destinado à pessoal física, quanto ambos reforçaram suas distintas trajetórias: enquanto o primeiro declinou desde dezembro de 2015 – e estabilizou a partir de janeiro de 2018 – o segundo manteve sua trajetória de crescimento desde 2013. O que esses dados sugerem, portanto, é que o crescimento dos componentes do crédito vinculados ao consumo não foram capazes de reverter a claudicante acumulação de capital no Brasil. Assim, revertê-las exige ampliar tanto a capacidade utilizada quanto o investimento. Contudo, na atual posição do
Brasil na divisão internacional do trabalho, fazê-lo pode significar ampliar ainda mais as mazelas sociais e ambientais que acometem nossa sociedade.