2019: A ECONOMIA À ESPERA DA DEFINIÇÃO DA NOVA POLÍTICA ECONÔMICA

Por Prof. Dr. Fabrício Augusto de Oliveira

O governo Temer encerra, de forma melancólica, em 2018, o seu mandato de dois anos e meio. Em todo esse período não conseguiu abrir uma fresta de luz na economia para reacender a esperança da população brasileira de que dias melhores estão a caminho. Neste ano de 2018, o PIB não deve crescer mais de 1,4%, de acordo com as projeções mais otimistas de alguns institutos, enquanto o número de desempregados deve ficar em torno de 12 milhões, número que aumenta para mais de 20 milhões se forem incluídos, nesse contingente, os trabalhadores subocupados e os que vivem de bico. Não são resultados favoráveis para um país que viu a economia ser dizimada em 2015 e 2016, com queda de mais de 7% do PIB, e que, apesar da anêmica recuperação iniciada nos dois anos seguintes, vem mantendo, desde 2016, uma taxa de desemprego superior a 10%.

Tendo se colocado desde o início de seu governo como senhor das reformas necessárias para o país voltar a crescer, Temer até acreditou que, se alcançado esse objetivo, teria condições de se eleger para um novo mandato presidencial em 2018. Para isso, trouxe para o seu governo Henrique Meirelles, como ministro da Fazenda, apostando que o mesmo seria capaz de fazer o Brasil decolar com políticas de cunho ortodoxo. No final, conseguiu aprovar apenas duas reformas prejudiciais para a economia e a sociedade – a do teto dos gastos primários e a trabalhista -, colher vários processos judiciais por enquanto suspensos, que devem ser retomados com o fim de seu mandato, e amargar resultados na economia muito distantes do que prometeu à população. Não sem razão, seus índices de popularidade nunca atingiram a casa dos dois dígitos.

Apesar da propaganda oficial que procura vender à população sobre a competência de seu governo na “arrumação da economia”, o legado que Temer deixa para o novo presidente eleito, Jair Bolsonaro, deixa claro as muitas dificuldades que este enfrentará nos próximos anos para sanear a economia e abrir os caminhos para o crescimento. A dimensão dos problemas da economia não permite qualquer otimismo sobre a “nova era” que se abrirá para o país, como vem sendo anunciado pelo futuro presidente com a sua chegada ao poder, como se possuísse a varinha de condão que lhe permitirá remover suas mazelas. O mais complicado e que deve merecer uma atenção especial de sua equipe econômica diz respeito ao desequilíbrio das contas públicas que os economistas filiados à ortodoxia vêm, desde 2015 – leia-se, mais especificamente, Joaquim Levy e Henrique
Meirelles – infrutiferamente tentando resolver.

Em 2014, a dívida líquida do setor público (DLSP) fechou o ano no nível correspondente a 33,1% do PIB, enquanto a dívida bruta do governo geral (DBGG) atingia 57,2%. Mesmo com a política sob o comando da ortodoxia, que priorizou o ajuste fiscal como a principal meta da política econômica, quatro anos depois, com o setor público continuando a amargar consecutivos déficits primários, essa situação piorou consideravelmente: em setembro de 2018, a dívida líquida já atingia 52,2% do PIB e a dívida bruta 77,2%, 20 pontos percentuais acima do nível de 2014. Em consequência dessa progressiva deterioração, o Brasil começou a partir deste ano, a cair no ranking dos países classificados com grau de investimento nas agências internacionais de avaliação de risco – Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch – até perder completamente essa posição e passar a integrar o grupo de países com grau especulativo, de risco mais elevado para a concessão de empréstimos. Com os déficits primários devem continuar mantidas as condições atuais da economia e do orçamento público, pode-se facilmente concluir estarem bloqueados os caminhos para a retomada de um processo de crescimento mais consistente, caso não seja encontrada uma solução para a questão fiscal, mantendo-a na trajetória de progressivo endividamento do setor público e de desconfiança crescente sobre sua capacidade de solvência.

Não há clareza até o momento sobre a forma como o novo governo irá lidar com essa questão. Desencontros de posições entre o presidente eleito e o ministro da Fazenda por ele indicado sobre várias temas que a afetam, caso do alcance da reforma da previdência, da reforma tributária, da criação ou não da CPMF, da amplitude e extensão do programa de privatização, entre outros, só têm aumentado as incertezas sobre as medidas que afinal poderão ser adotadas para esse objetivo. A única certeza atual é a de que, além do predomínio da agenda conservadora do novo governo no campo político, a economia continuará sendo também guiada pelo pensamento conservador, dada a filiação e posições do ministro indicado para a Fazenda, Paulo Guedes, ao mesmo, mantendo-se sem um projeto de desenvolvimento enquanto as condições fiscais não forem, minimamente, resolvidas. A rigor, o mesmo caminho que vem sendo trilhado desde 2015 por Joaquim Levy e Henrique Meirelles sem a obtenção de bons resultados.

Para a ortodoxia, o equilíbrio fiscal é uma precondição para o crescimento econômico e, enquanto a questão das contas públicas não tiver sido equacionada, qualquer ensaio na sua direção estará fadado ao fracasso, o que ajuda a explicar a inexistência de um projeto de desenvolvimento do novo governo e a ênfase que vem sendo dada à questão fiscal, envolvendo principalmente a reforma previdenciária. O grande problema para viabilizar um ajuste dessa dimensão é que os remédios propostos por essa escola para sua solução tendem, no entanto, a ser de conteúdo anticrescimento, o que o torna ainda mais difícil de ser bem-sucedidos, dada a corrosão que tais medidas provocam na arrecadação. E, mais grave, a
penalizar mais as camadas de mais baixa renda, enquanto os setores mais privilegiados do sistema continuam infensos ao seu ônus, enfraquecendo as forças que alimentam a demanda agregada.

Não tem sido, pelo menos até o momento, diferente com as ideias divulgadas pela equipe econômica do novo governo. Uma reforma tributária progressiva, por exemplo, que deslocasse a tributação indireta para a direta, injetando oxigênio na atividade produtiva e, consequentemente, no crescimento, bem como gerando ganhos, em termos de arrecadação, benéficos para o próprio ajuste, não tem figurado no cardápio das propostas divulgadas pelo futuro ministro da economia, cuja ênfase tem sido dada à necessidade de realização da reforma previdenciária e de corte dos gastos públicos primários.

Com esse propósito, Guedes tem sinalizado que pode mexer também no vespeiro do sistema de incentivos e de renúncias fiscais que beneficiam o capital, o qual drena recursos da ordem de R$ 300 bilhões do orçamento do governo, o que seria bastante positivo para o ajuste pretendido. Resta saber se sua proposta encontrará apoio em um Congresso especialista em aprovar projetos que aumentam os gastos do governo, como aconteceu com o recente reajuste dos salários do STF e, por seus efeitos em cascata, de todo o judiciário e dos cargos mais altos da República, como se ao Estado fosse permitido gastar sem limite, e em se opor a projetos que visam diminuir despesas, caso da reforma da previdência e da retirada
destes incentivos tributários, que prejudicam setores econômicos que apoiaram a eleição do novo presidente.

A fórmula que tem sido por ele exposta para zerar o déficit primário do governo central ainda em 2019 não pode ser levada muito a sério. Mesmo obtendo receitas extraordinárias equivalente a pouco mais de R$ 100 bilhões com os leilões de concessões das áreas de cessão onerosa da Petrobrás e com a privatização da Eletrobrás, receitas que não mais se repetirão nos anos seguintes, ainda assim faltariam recursos para cobrir o buraco das contas públicas projetado em R$ 139 bilhões. Afora isso, sua proposta de reforma da previdência, com a criação de um polêmico e controvertido regime de capitalização para os novos funcionários públicos, não contribui, no curto prazo, para mitigar o atual desequilíbrio previdenciário. Como sua proposta de reforma tributária, além de limitada para transformar o sistema em um instrumento de apoio ao crescimento e de ajuste das contas públicas, tem esbarrado em resistências por parte do futuro presidente, pelo menos no que diz respeito à recriação da CPMF, não se pode dizer que haja clareza sobre como essa questão será tratada de forma confiável.

O fato é que em pouco tempo a desastrada política econômica de Dilma Rousseff e Michel Temer lançou a economia brasileira no inferno da recessão e do endividamento público a tal ponto que se estreitaram consideravelmente as alternativas para a superação e saída dessa crise. Apesar do otimismo que vem sendo demonstrado pelo mercado financeiro com a eleição de Bolsonaro e a indicação de Paulo Guedes para o comando da economia, essa lua de mel pode logo terminar à medida que o novo governo, até mesmo pela falta de clareza e de propostas consistentes para retirar o país deste buraco, não conseguir dar respostas convincentes para essa situação. Por enquanto, a trupe Bolsonaro tem sido exemplar em sugerir a aprovação de medidas para minar os alicerces da democracia e enfraquecer os direitos das minorias, o que representará um bom teste para se avaliar se realmente as instituições democráticas funcionam no país. Resta ver se também na economia, a mesma energia será canalizada para resolver os problemas do país. No quadro atual, o novo governo permanece uma incógnita neste campo, por falta de programa e de propostas claras e consistentes. O que deve continuar mantendo nebuloso o cenário econômico para 2019.

Por enquanto, as projeções do crescimento econômico para este ano não passam de 2,5% na hipótese de que as reformas defendidas pela equipe econômica do futuro governo sejam realizadas. Caso essas desandem, o que pode acontecer principalmente com a previdenciária, dadas as dificuldades de sua aprovação, como parece não haver um plano B para ser acionado, não são nada pequenos os riscos de que o país dê um novo mergulho de volta à recessão.

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