O QUE ESPERAR DE 2021?

Fabrício Augusto de Oliveira

Um dos maiores desafios colocados pela crise do coronavírus no período pós-pandemia, tanto para os economistas como para os governantes, será o de definir as melhores políticas que devem ser seguidas para reerguer a economia e recuperar a capacidade do sistema econômico de recriar os empregos que foram varridos com o aniquilamento de empresas provocado pela paralisação de muitas atividades econômicas. Não será uma tarefa fácil. Isso porque, além do inevitável gradualismo com que deve se dar a retomada, à medida que a ameaça do vírus levará um bom tempo para ser afastada, impedindo a normalização completa de muitas atividades, muito capital terá sido queimado, empresas, principalmente as de pequeno e médio porte, fechadas, o investimento privado altamente enfraquecido, sem poder contar com incentivo diante de uma demanda agregada também desfalecida, dado o elevado nível de desemprego, da queda do nível de renda e com as finanças dos Estados no mundo, em geral, destroçadas e, também grave, com um considerável aumento da pobreza e da desigualdade.

Apesar do otimismo de muitas instituições que projetam uma forte recuperação da atividade econômica em 2021, não são pequenos os riscos de que o mundo poderá permanecer numa zona de baixo crescimento e muitos países mesmo em recessão mais prolongada, dependendo das políticas que forem eleitas para a retirada da economia deste atoleiro, num quadro em que todos os motores do crescimento se encontram seriamente danificados e desligados.

O FMI, por exemplo, projeta uma taxa de crescimento da economia mundial de 5,8% em 2021, com as economias avançadas crescendo 4,5%, a União Europeia 4,8%, a Zona do Euro 4,7% e as economias emergentes 6,6%. Países como os Estados Unidos, para o qual se prevê uma expansão de 4,7% no ano, Alemanha, de 5,1%, França, de 4,5%, Itália, de 4,8%, Espanha, de 4,3%, Reino Unido, de 4%, Japão, de 3%, China, de 9,2%, Índia, de 7,4%, e até mesmo o Brasil, de 2,9%, aparecem, com essas estatísticas, nessas projeções, para confirmar este otimismo, sugerindo que, já neste ano, ter-se-á saído do inferno da recessão de 2020 e recuperado boa parte das perdas provocadas pela crise do coronavírus. Mais otimista, ainda, a Comissão Europeia, prevê uma expansão da Zona do Euro de 6,3% em 2021, e expansão de 6,5% para o PIB da Itália, 7,4% para o da França, 7% para a Espanha, e 5,9% para a Alemanha, sob a hipótese de que o confinamento será flexibilizado gradualmente a partir de maio.

Essas projeções parecem ignorar, contudo, os estragos provocados pelo tsunami da pandemia sobre a economia, o emprego, o nível de renda e sobre o próprio capital, amparadas na hipótese que o retorno à normalidade econômica após a pandemia religará automaticamente todos os motores da vida econômica. Não é bem assim.  Ao contrário das crises cíclicas clássicas em que injeções de liquidez, acompanhadas de estímulos à demanda agregada reinjetam forças no sistema econômico, propiciando sua redecolagem, a crise atual, diante da paralisação quase completa de muitas atividades econômicas, deve produzir, como resultado, uma carnificina de muitas empresas, com faturamento em baixa, lucros em declínio e elevada capacidade ociosa, principalmente nos segmentos das de pequeno e médio porte, além de outras de grande porte mais afetadas, como as aéreas, por exemplo, que não terão condições de responder rapidamente à retomada até mesmo por falta de capital que, em alguma medida, deve ter simplesmente evaporado. Nessa situação, não se pode contar, como essas projeções sugerem, que o investimento privado esteja em condições de dar respostas rápidas à retomada num cenário dominado por grandes incertezas, escassez de capital, elevada capacidade ociosa e demanda enfraquecida.

O consumo, por outro lado, deve demorar a se reerguer depois dessa catástrofe. Primeiro, porque o desemprego deve aumentar consideravelmente no mundo em decorrência da crise. Os pedidos de seguro-desemprego nos Estados Unidos, que ultrapassaram os 30.000 até o final de abril, indicam que o mesmo poderá superar a casa dos 20% da força de trabalho no país, nível equivalente ou superior ao projetado para países da Zona do Euro, como Espanha (19%), Grécia (20%) ou menor, mas elevado, como na França (10%), Itália (12%) próximos ao da crise do subprime e da dívida soberana europeia que levaram anos para serem reduzidos.

Em segundo lugar, porque a renda dos trabalhadores sofreu uma brutal redução na crise, principalmente a dos trabalhadores informais que simplesmente viram cessar seus ganhos com o isolamento. No caso dos trabalhadores formais que conseguiram manter seus empregos, houve, em muitos casos, reduções de seus salários que foram compensados, parcialmente, por alguma complementação dada pelos governos, enquanto os que foram demitidos passaram a receber o seguro-desemprego, via de regra com um valor inferior ao salário. Em se tratando dos informais, estes tiveram de se contentar, onde isso ocorreu, com algum auxílio prestado pelo governo, para continuar apenas sobrevivendo.

É provável que essa situação deve ter minguado as poupanças dos que as possuíam e aumentado os níveis de endividamento e de inadimplência das famílias, como se constata em muitos pesquisas veiculadas, ampliando as incertezas sobre o futuro e diminuindo sua intenção de gastar, tendência que só pode ser revertida com a volta da confiança na economia. Pesquisa realizada no Brasil pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), encomendada ao Instituto FSB Pesquisa, confirma que 50% dos brasileiros tiveram perda total ou parcial de renda, o que levou a um expressivo aumento de seus níveis de endividamento e, por esse motivo, à maior prudência na intenção de retornar ao mesmo patamar de compras que fazia antes da crise, mesmo com a normalização da situação.

Não bastasse isso, o tranco dado na atividade produtiva, afetando o nível de ocupação principalmente dos trabalhadores informais e limitando a política de transferência de renda dos Estados para as classes mais vulneráveis, deve empurrar uma parcela não pequena da população para a condição de pobreza e de extrema pobreza. A Cepal projeta, para a América Latina e Caribe, um aumento de 30 milhões de pessoas que passariam, com a crise, a integrar estes contingentes na região. No Brasil, onde, segundo o IBGE, de acordo com os dados do módulo Rendimento de Todas as Fontes, da PNAD contínua, divulgada no dia 06 de maio, metade dos brasileiros sobrevivia, em 2019, com apenas R$ 438 mensais (R$ 15 por dia), a situação deve se agravar ainda mais, limitando até mesmo o consumo de produtos mais essenciais.

Os cenários desenhados para o comércio exterior são também desalentadores para amparar o otimismo de uma recuperação em níveis tão elevados em 2021, como apontam essas pesquisas. Em função das hipóteses assumidas sobre o tamanho da recessão mundial, que afeta a demanda e o preço dos produtos comercializados, do período previsto de isolamento e das restrições impostas aos meios de transportes em cada país por causa da crise, estima-se uma retração que varia entre 15% e mais de 30%, um nível superior a que se registrou na crise do subprime, prevendo-se uma recuperação de 7% a 12% em 2021, insuficiente para recuperar as perdas do ano anterior. Ou seja, não se vislumbra, nessas condições, contribuição importante deste componente da demanda agregada para sustentar as projeções otimistas sobre o crescimento em 2021, notadamente para os países exportadores de commodities, cujos preços, já baixos, desabaram na crise por falta de demanda.

Restaria, assim, apenas o Estado como agente em condições de dar o impulso necessário para reerguer a economia, por meio do aumento de seus gastos, financiados pela emissão de moeda ou de títulos da dívida pública, mas seus orçamentos se encontram destroçados, comprometidos com elevados déficits e níveis de endividamento muito além do que recomenda o pensamento ortodoxo, em virtude dos esforços realizados para salvar a economia desde a crise do subprime e, agora, do coronavírus,

Esse, o dilema colocado no momento para a teoria econômica, o que é simplesmente ignorado nas projeções de crescimento para 2021 feitas por essas instituições: como essas se baseiam em hipóteses equivocadas, considerando que as ondas da crise vão gradualmente se enfraquecendo e acionando automaticamente os motores do crescimento, basta deixar a economia seguir seu curso natural para a superação da crise, tratada apenas como um ponto fora da curva e não como um fenômeno novo, diferente de outras crises, que danificou toda a aparelhagem de funcionamento idealizado do sistema econômico.

Se prevalecer a proposta do pensamento ortodoxo de que no pós-epidemia o Estado deve voltar a preocupar-se em implementar sérias medidas de ajuste fiscal para reduzir seus níveis de endividamento, o que tem sido defendido também no Brasil pela equipe econômica do governo Bolsonaro, dificilmente essas projeções otimistas sobre o crescimento mundial em 2021  se materializarão, sendo mais provável que o mundo continue prisioneiro do baixo crescimento ou até mesmo da recessão em vários países por um bom tempo, já que não se removerão as forças a ele contrárias. Se, por outro lado, continuar concedendo-se ao Estado a liberdade para atuar nessa situação, mesmo aumentando ainda mais seu endividamento, como recomendaria Keynes e defende a Moderna Teoria da Moeda, aumentam as chances do mundo sair mais rapidamente dessa crise, adiando a definição para o futuro de como essa conta será paga. Mas essa é outra questão.

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