Do mundo da biotecnologia para o dia a dia do cidadão

Sementes de mamão - Foto: Elisa Coradini/Ufes
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– Por Camila Fregona –

Produção de etanol a partir da casca de coco, melhoramento de sementes e melhoria da qualidade da cachaça são algumas das pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Biotecnologia Aplicada ao Agronegócio, que já conta com um prêmio internacional e 18 patentes. A coordenadora do laboratório é a professora Patrícia Fernandes, que também é presidente da Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) da Ufes e membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Apesar de parecer uma invenção do mundo moderno, a biotecnologia tem origem nos primórdios da civilização. Por seu conceito amplo, a biotecnologia é associada ao uso de organismos vivos, ou parte deles, para produzir bens ao ser humano e ao meio ambiente. Dessa forma, percebe-se que o uso de leveduras para a fermentação de pães e bebidas já é um processo biotecnológico de longa data.

No século XX, a biotecnologia moderna ganhou destaque com a alteração genética dos organismos. Em 1928, por exemplo, foi descoberto o fungo Penicillium, que mais tarde deu origem a um antibiótico amplamente utilizado na medicina. Já o primeiro transgênico comercializado no mundo foi a insulina produzida por bactérias – deixando para trás a necessidade de extrair insulina a partir do pâncreas de bovinos ou suínos. E assim são inúmeros exemplos de biotecnologia que hoje estão no nosso dia a dia.

No Laboratório de Biotecnologia Aplicada ao Agronegócio, do Centro de Ciências da Saúde (CCS), localizado no campus de Maruípe (Vitória), muitas pesquisas são desenvolvidas na área. Algumas delas partem do uso das leveduras, como a Saccharomyces cerevisiae. “Ela é considerada ‘a melhor amiga do homem’, já que atua na fermentação de alimentos e bebidas (destiladas ou não), e também na produção de etanol. Foi o primeiro organismo eucarionte a ter o seu genoma completamente sequenciado, então, já conhecemos sua estrutura e grande parte do que ele produz. É um micro-organismo que transforma o açúcar comum em álcool, por exemplo”, explica a pesquisadora Patricia Fernandes, coordenadora do laboratório.

Uma das pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Biotecnologia é ligada ao incremento da produção de cachaça capixaba com base na melhoria do processo fermentação do álcool. Em outras palavras, o laboratório estuda esse micro-organismo para que ele possa fermentar melhor e resultar em um produto de qualidade superior. “No processo da cachaça, nós isolamos diferentes leveduras, para caracterizar cada uma delas e mostrar qual seria melhor para cada ambiente do estado do Espírito Santo, além de mostrar como deveria ser feita a prática da fermentação (concentração de levedura, forma de processamento etc). E continuamos esses estudos com a modificação genética da levedura baseada no melhoramento clássico, que consiste em replicar e observar algumas alterações espontâneas. Isso significa que não fazemos transgênicos, já que não transferimos um gene de um organismo diferente para a levedura”, ressalta.

Ainda na linha do álcool, mas agora combustível, outra vertente de pesquisa importante do laboratório é sobre a produção de etanol, tanto de primeira geração (a partir da conversão direta do caldo de cana) quanto de segunda geração (conversão de celulose e, principalmente, resíduos da agroindústria em etanol).

Pesquisa propõe uso da casca de coco como fonte de energia – Foto: Elisa Coradini/Ufes

Premiada internacionalmente e já patenteada, a pesquisa sobre o uso da casca de coco verde para a produção de etanol de segunda geração é uma referência do Laboratório de Biotecnologia, pois transforma o que seria um passivo ambiental em uma fonte de energia. De acordo com Patricia Fernandes, essa não é uma tecnologia fácil, mas excelentes resultados já foram obtidos, principalmente com o uso da alta pressão hidrostática – um processo que utiliza a pressão em níveis bem altos (similares à pressão nas maiores profundezas do oceano) para diferentes fins, como alterar a estrutura de um elemento ou, no caso de alimentos, descontaminá-los.

“Esse processo também favorece a transformação das fibras da casca de coco, porque faz com que elas fiquem mais soltas. Além disso, a alta pressão torna mais eficaz a ação das enzimas que vão clivar (cortar) a fibra da celulose em açúcar (que a levedura é capaz de fermentar). Então, nós temos bons resultados em escala de laboratório e agora estamos passando a fazer em maiores volumes, em escala pré-industrial”, adianta a pesquisadora.

Melhoria de sementes

A alta pressão hidrostática é utilizada ainda para acelerar a germinação de sementes, área de pesquisa em que o Laboratório de Biotecnologia Aplicada ao Agronegócio também possui patente. Outro campo de estudos são as pesquisas para melhorar a resistência de plantas a doenças e, neste caso, o foco está no mamão papaya, produto de grande destaque na agricultura capixaba. As lavouras de mamão são afetadas por doenças muito severas, como a provocada pelo vírus da meleira, e até então a solução encontrada pelos produtores era a retirada e o descarte da planta infectada para evitar a contaminação de toda a lavoura.

Os pesquisadores do Laboratório de Biotecnologia da Ufes têm estudado a forma como o vírus age e como a planta responde àquela infecção para assim alterar geneticamente a planta a fim de que ela resista à doença. Para isso, os pesquisadores têm utilizado novas tecnologias de transformação genética, como o CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) – uma ferramenta que tem revolucionado a biotecnologia, pois permite a edição dos genes. “Não existe nada exógeno, nenhum gen de outro organismo. É só mesmo o próprio genoma do mamão papaya que é reorganizado de forma a trazer esse grande benefício. Temos feito muitos estudos de transcriptômica e proteômica comparando a planta saudável, a doente e a que possui o vírus, mas não ficou doente. Então, a partir desses estudos, estamos identificando quais fatores da própria planta podem fazer com que ela se torne resistente ao vírus”, conta.

Biossegurança

Ao se falar em biotecnologia, um tema que vem à tona é a biossegurança. A pesquisadora Patricia Fernandes – que, além de presidente da Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) da Ufes, é membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – lembra que muitos estudos são feitos antes de qualquer produto geneticamente modificado chegar até o consumidor.

“É importante que as pessoas entendam que quando se desenvolve um novo organismo ele não vai para o mercado sem nenhum tipo de estudo de segurança. No Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, da qual faço parte, avalia os estudos laboratoriais, passando pelos estudos controlados no ambiente, até a liberação comercial”, explica. “São plantas, vacinas, micro-organismos que produzem compostos importantes no diagnóstico de doenças tanto de humanos, quanto de animais e de plantas. Então, a biotecnologia – da forma como utilizamos esse termo atualmente –trouxe mudanças fenomenais para a saúde e também tem facilitando o dia a dia do ser humano”, complementa.

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