Artigo: Pesca artesanal e desafios para a gestão costeira no Espírito Santo

Pose do grupo PET-Prodbio em frente à praia
Integrantes do Programa de Educação Tutorial (PET) ProdBio, que envolve os cursos de Engenharia de Produção e Ciências Biológicas de São Mateus, com pescadores artesanais em Conceição da Barra. Foto: Acervo pessoal
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– Artigo de Marielce de Cássia Ribeiro Tosta*¹ e Mônica Maria Pereira Tognella*² –

O Espírito Santo, quando se trata da pesca, pode ser dividido nas regiões Norte e Sul. O Norte se caracteriza por apresentar praias longas e pelas barras de grandes rios, como o Doce e o Cricaré, associados às falésias da Formação Barreiras. As comunidades pesqueiras são distantes umas das outras e das sedes dos municípios. As comunidades do Sul são servidas de boas estradas, infraestrutura mais adequada, frota maior e mais tecnológica e estão mais próximas aos mercados consumidores (Vitória e Rio de Janeiro).

O litoral do Estado apresenta grande potencialidade para atividade da pesca artesanal, mas pode-se apontar diversos problemas estruturais e socioeconômicos que merecem ser discutidos. Muitas das comunidades que dependem da produção e comercialização dos produtos da pesca marítima, como meio fundamental de renda e alimentação, estão submetidas a situações de pobreza, riscos sociais e ambientais que tendem, a longo prazo, a comprometer o desempenho integral da cadeia produtiva.

A pesca depende da integridade ambiental e compete com outras atividades que atuam de forma antagônica

O primeiro problema a ser ressaltado é a falta de estatística da atividade pesqueira marítima, que vem se mostrando extremamente falha em razão da inexistência de uma sistematização da coleta e processamento de dados em séries temporais, além da pequena abrangência das comunidades controladas, sendo este aspecto mais acentuado para a pesca em pequena escala. A pesca depende da integridade ambiental dos locais onde é praticada e compete com outras atividades econômicas que também se apropriam do mesmo espaço muitas vezes de forma antagônica. Entre elas: turismo, complexos portuários e atividades da cadeia de petróleo e gás. Apesar das atividades turísticas possibilitarem a geração de emprego e renda, elas não ocorrem de forma ordenada e têm causado problemas ambientais nos espaços costeiros por interferir nas dinâmicas das áreas estuarinas, praias e arrecifes. Entre estes problemas pode-se citar: o aterro de manguezais para construção de empreendimentos, desmatamentos de diversas ordens, construções irregulares na beira-mar, lançamentos de efluentes e perturbações nos cursos d’água.

As atividades portuárias e aquelas da cadeia do petróleo são responsáveis pelos maiores conflitos com os pescadores e estão associados, entre eles, à proibição da atividade próximo ao  empreendimento; à falta de incentivo e acompanhamento de representantes dos empreendimentos junto aos pescadores; à falta de sinalização; ao aumento do custo e do tempo da pesca; ao vazamento de contaminantes que podem prejudicar a pesca e inviabilizar o consumo dos peixes devido à presença de metais pesados biocumulativos; aos resíduos que podem reduzir o teor de oxigênio na água possibilitando aparecimento de odor característico e destruir a vegetação das margens e, ainda, reduzir a penetração da luz solar, dificultando a fotossíntese; à iluminação das plataformas e embarcações petrolíferas que atrapalham a migração dos peixes na costa; aos ruídos e vibrações que afugentam e atordoam espécies aquáticas sensíveis; e à introdução de organismos marinhos exóticos por meio das águas de lastro.

A administração desses conflitos é possível por meio de processos de diálogo e negociação entre as partes. A gestão ambiental compartilhada dessas áreas poderia contribuir para a melhoria da qualidade ambiental e expandir os potenciais de desenvolvimento sustentável atingindo todos os setores envolvidos. No entanto, no Espírito Santo falta organização da classe de pescadores, e esta desestruturação impede que a comunidade desenvolva plenamente programas e projetos adequados, o que torna enfraquecido o poder de reivindicação e de participação nas decisões de uso do espaço costeiro.

Questões de infraestrutura e tecnologia afetam o setor

Além das questões ambientais, o setor esbarra em questões de infraestrutura e de tecnologia. Quanto aos locais de desembarque e armazenamento, há consenso entre as regiões Sul e Norte de ausência de infraestrutura, sendo este problema maior nas comunidades da região Norte. Na opinião dos pescadores, a falta de infraestrutura dos barcos, o mau condicionamento a bordo e ainda o tempo decorrido entre a captura e o momento do desembarque podem interferir no aspecto e odor do mesmo influenciando na qualidade do produto capturado. Quanto à fabricação das embarcações, pode-se dizer que os artesãos navais do Estado possuem grande gama de conhecimentos tácitos, técnicas e habilidades transmitidas em gerações. Os mestres em carpintaria naval são respeitados nas comunidades pesqueiras e expressam orgulho pela profissão, pelos feitos individuais de cada artesão e pelas próprias capacidades. Em entrevistas e observações junto aos artesãos da região Norte, pode-se notar:

      • Dificuldade em manter ou aumentar a rentabilidade econômica da atividade, pelo aumento de custos da matéria-prima e equipamentos e pela redução da rentabilidade da atividade pesqueira econsequente redução do valor da embarcação;
      • Dificuldade de aquisição de madeira na qualidade e custos desejados, pela dependência de poucos fornecedores locais;
      • Tempo elevado em operações excessivamente trabalhosas pela ausência de máquinas estacionárias de porte adequado;
      • Baixa disponibilidade de fornecedores de peças, componentes e serviços especializados em aplicações marítimas, sendo comum o uso de fornecedores de outros setores, como mecânicas de caminhões, por exemplo;
      • Ausência de procedimentos de dimensionamento de subsistemas pelos artesãos, sendo comum a indicação pelo fornecedor do equipamento sem análises pormenorizadas.

Para finalizar, cabe ressaltar que as comunidades têm na figura feminina fonte de referência e liderança, entretanto, as mulheres ainda ficam confinadas às atividades pesqueiras de menor esforço físico ou que possuam menor dependência do ciclo de maré.

Mulheres são fonte de referência e liderança nas comunidades

No Estado, as mulheres são em menor número e poucas realizam atividades de gestão e liderança junto às organizações políticas. Participam da atividade por tradição familiar. Muitas são filhas de pescadores, casaram com pescadores e atuam na pesca como uma forma de ampliar os recursos financeiros da família.

Sob o ponto de vista da regularidade profissional, nem todas possuem carteira de trabalho vinculada à pesca, ou sequer registro em carteira, o que dificulta o acesso às questões trabalhistas e sociais. Elas também têm baixa escolaridade ou nenhuma, dificultando a execução de outras atividades para complementar a renda. Assim sendo, deve-se estimular a regulamentação da mulher na atividade pesqueira para que esta atividade não seja vista só como uma fonte complementar de renda, mas também de trabalho que deve ser valorizado junto com as atividades domésticas exercidas pelas mulheres. Incentivos governamentais para cursos que possam agregar valor ao produto pesqueiro são necessários e dariam maior visibilidade ao papel feminino na pesca.

*¹ – Tutora do Grupo PET ProdBio, curso de Engenharia de Produção, Programa de Pós-Graduação em Energia.

*² – Colaboradora do Grupo PET ProdBio, curso de Ciências Biológicas, Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Ambiental, bolsista Fapes Pesquisador Capixaba.

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