– Por Lorraine Paixão –
Há 40 anos, o Espírito Santo tornava-se pai da mais nova casa de fomento de arte: a Galeria de Arte Espaço Universitário, a Gaeu. Era 1978, período de transição da ditadura para a democracia. Por aqueles dias, os jovens brasileiros que moravam pelos grandes centros urbanos caminhavam pelas ruas com menos medo e mais resistência.
Naquele ano, caía por terra o Ato Institucional número 5, o mais duro de todos os 17 decretos emitidos durante a ditadura militar. Com sua queda e a esperança de uma abertura política, o movimento estudantil e dos trabalhadores operários ganhavam corpo e organizavam passeatas por todos os cantos pedindo a volta dos exilados políticos, a volta da democracia e o fim dos anos de chumbo. No mesmo ano nascia também o Movimento Negro Unificado (MNU), liderado por grandes ícones da luta antirracista, como Abdias do Nascimento, Lélia Gonzáles e Hélio Santos.
Os últimos anos da década de 1970 são narrados como um período esperançoso para os brasileiros. Foi um momento decisivo na linha do tempo da história do Brasil. Além do despertar político que vivia o país naquele período, também acontecia um despertar cultural. Uma abertura para a circulação de produtos culturais, tanto estrangeiros, quanto nacionais. Aquela década ficou marcada pela disco music. John Travolta era o grande astro hollywoodiano da época. Causou alvoroço estrelando os filmes “Nos Embalos de Sábado à Noite” (1977) e “Greese: Nos Tempos da Brilhantina” (1978). Inspirou dramaturgos brasileiros e desenhou a moda daqueles anos, como as famosas meias de lurex. Pelas ondas sonoras, era possível escutar o samba rock de Jorge Ben, sendo “Amante Amado” um dos grandes destaques do álbum “A banda do Zé Pretinho” (1978).
Aproveitando a música disco, que tomava conta das rádios e televisões na época, Tim Maia pedia sossego e um quilo do bom em seu álbum lançado também em 1978, “Tim Maia Disco Club”. O ano de 1978 é lembrado como um período de abertura e foi exatamente naquele ano que começavam os primeiros passos que iriam instaurar um dos mais importantes polos culturais da Ufes e do Espírito Santo – a Galeria de Arte Espaço Universitário (Gaeu).
Nasce uma galeria
Localizada ao lado da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo, a Gaeu nasce de uma demanda da Universidade: abrigar, em outubro de 1978, o III Salão Nacional Universitário de Artes Plásticas, evento anual de difusão das produções artísticas dos estudantes de artes. Diante da demanda, e do fato de na época, a Galeria de Arte e Pesquisa (GAP), anterior à Gaeu, estar localizada no Centro de Vitória, foi criado, a partir das parcerias entre a Sub-Reitoria Comunitária da Ufes, o que seria hoje a Pró-Reitoria de Extensão, e a Fundação Nacional de Arte (Funarte), o Espaço Universitário para receber o Salão Nacional.
“A Gaeu foi criada para abranger um salão de arte que iria ocorrer dentro da Universidade e precisava de um espaço maior. Naquela época, a GAP funcionava no centro da cidade e o evento precisava acontecer dentro da Ufes”, relembra a professora do Departamento de Linguagens, Cultura e Educação e coordenadora do Grupo de Pesquisa de Processos Educativos em Arte (Gepel/CNPq), Moema Martins Rebouças, que na época era estudante do curso de Licenciatura em Desenho e Plástica da Ufes e artista plástica.
“A Gaeu nasce dentro da Sub-Reitoria Comunitária, e por isso já tinha um perfil de falar com a comunidade interna e externa da Universidade. Já veio com a missão de expandir, de estabelecer um diálogo”, acrescenta a artista plástica, pesquisadora e então coordenadora da Galeria de Arte Espaço Universitário, Neusa Mendes, que no ano de nascimento da galeria era também uma estudante. Segundo as artistas e pesquisadoras entrevistadas pela revista, naquela época, os capixabas viviam um período de efervescência cultural, devido à reabertura política.
“Eu era estudante do curso de Licenciatura em Desenho e Plástica. Naquela época, embora fosse um período de ditadura, era um período de transição e nós tínhamos na Universidade uma abertura muito boa”, conta Moema. “No Centro de Artes, conseguimos fazer eleição direta para o diretor do centro e elegemos Freda Cavalcanti Jardim. Havia um movimento dos próprios diretórios estudantis, que se organizavam e que nos motivava, e uma iniciativa que nos unia, que era o Movimento Bolsa Arte”.
O Movimento Bolsa Arte era uma proposta nacional do Governo Federal para estudantes de artes que recebiam subsídios para a produção e desenvolvimento de projetos artísticos. Muitos desses universitários conseguiram concretizar seus projetos, que viraram posteriormente grandes obras. “Isso abriu espaço para uma produção muito grande de estudantes artistas naquela época, como Neusa Mendes, Nelma Pezim, César Cola e tantos outros. Temos um número expressivo de estudantes da época que eram bolsistas e depois vieram a integrar o corpo de servidores da própria Universidade, ou como professor ou como técnico-administrativo. As lembranças que temos daquela época são de efervescência cultural e artística dentro da Ufes”, acrescenta Moema.
“A Universidade sempre foi o propulsor, o fomento. As principais linguagens eram nas áreas de teatro. Existiam muitos festivais de teatro, de música. Era um momento muito ativo da Instituição”, recorda Neusa Mendes.
O dia que se transformou em 40 anos
Após a acolhida e realização do III Salão Nacional Universitário de Artes Plásticas no Espaço Universitário, o que seria temporário já dura há quatro décadas. A partir do evento, foi constatada a necessidade de um espaço, um lugar de arte para atender os estudantes e jovens artistas que emergiam na maré cultural decorrente da reabertura política do país.
Mesmo com a existência da Galeria de Arte e Pesquisa, viu-se que era importante ter outro espaço de promoção de artes dentro da Universidade. Como relata Neusa: “Após o Salão, a Gaeu consolidou-se como espaço de exposições temporárias, promovendo a produção de artistas locais, nacionais e internacionais, mantendo intercâmbio para exposições com museus e entidades do gênero por meio de parcerias para a circulação de acervos.”
A primeira exposição a ser acolhida pela Gaeu, após o Salão, aconteceu em 20 de novembro de 1978. Com o nome “Exposição Programa Bolsa Arte”, a exibição contou com os trabalhos das estudantes e artistas Beatriz Hees, Tereza Bressan, Denise Pimenta, Fernanda Modenesi, Kátia Persiano, Maria Menezes, Maria Mattos, Maria Baião Seba, Simone Guimarães, Sônia Ramos e Neusa Mendes.
“A GAP era um espaço que oportunizava ao Centro de Artes ter acesso a uma arte nacional com o convite de artistas nacionais para cá. A ênfase na época era de trazer artistas de fora”, destaca Moema. “A criação da Galeria de Arte Espaço Universitário foi motivo de comemoração para os estudantes da época. Sua criação significava, para nós, ter um espaço mais democrático. Na Gaeu, tínhamos uma possibilidade maior de expor. Com isso, muita gente teve mais motivos para dar início aos seus trabalhos artísticos, já que haveria um espaço onde esses trabalhos poderiam tornar-se visíveis”, arremata.
Com a institucionalização da Galeria de Arte Espaço Universitário, surgia outra demanda: um gestor. A primeira gestora a administrar o espaço foi Estela de Nader, que a coordenou até 1979. Em seguida, a administração foi para as mãos da artista e pesquisadora Neusa Mendes, que desde então tornou-se parte da história da Galeria. Neusa a administrou de 1979 a 2001, retomando as atividades em 2012 até maio deste ano. De 2001 a 2011, a administração ficou nas mãos de Rosana Paste.
Com o retorno de Neusa Mendes à galeria, novas decisões foram tomadas e alguns desafios surgiram. “Trouxemos os professores e alunos que passaram por aqui e já se aposentaram e que continuam sua produção, se mantêm em ateliês produzindo, mas que as pessoas não conhecem. Em 2012, tomamos a política de voltarmos nosso olhar para o espaço da galeria e fizemos uma revisita ao acervo”, diz Neusa.
Com a nova política de gestão, algumas medidas emergenciais foram adotadas, como a reorganização do acervo mantido desde 1976. “Organizamos o acervo que data de 1976, com obras vindas da GAP. Junto com um museólogo, que é do quadro técnico-administrativo da Ufes, readequamos o acervo, criamos um inventário, reorganizamos, catalogamos. A história da galeria é a história do acervo”, completa.
As obras do acervo são doações dos próprios artistas que passaram pela galeria. A cada nova exposição, uma nova obra entra para a história do acervo. Atualmente, o acervo da Gaeu é composto por documentos textuais, iconográficos, sonoros e audiovisuais. Ao todo, conta com 1.718 obras. A partir de 2012, alguns artistas revisitaram o espaço e complementaram sua trajetória artística com mais doações. Houve, então, um crescimento enorme no número de obras de acervo; só naquele ano foram mais de 600 doações”, destaca.
Espaço para pesquisas
Com mais de mil obras acolhidas, a galeria começa a ficar pequena. “O número de doações cresceu muito, o espaço físico não comporta mais todas as obras de forma ideal. Se houver essa ampliação, o acervo poderá ser maior e mais visível”, observa o museólogo responsável por organizar e manter as obras do acervo, Pedro Ibsen.
O propósito da galeria hoje é tornar públicas as obras em seu acervo. Segundo a então coordenadora da Gaeu, há uma demanda de pesquisadores que procuram o pequeno altar das obras para realizarem suas investigações e estudos. “Estamos em um período de amadurecimento, trabalhando na formatação tanto do acervo, do banco de dados das obras, quanto dos arquivos para disponibilizarmos para pesquisa. O acervo da galeria deve ser ferramenta voltada para a formação de pessoas, para o uso de suas obras por críticos, curadores, pesquisadores. Ela é espaço de fomento e revelação da produção artística contemporânea”, diz.
Além das exposições promovidas e da preservação, valorização e manutenção do acervo artístico, a Gaeu mantém alguns projetos educativos, como a visita monitorada voltada para a formação de público apreciador de arte. Vinculada à Secretaria de Cultura, a Gaeu tem uma média anual de 10 mil visitantes. O papel da galeria é ser espaço de fomento e revelação da produção artística contemporânea. Essa missão abarca dois lados: dentro e fora da Universidade, em diálogo com as comunidades interna e externa”, enfatiza Neusa.
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