Soluções sustentáveis para as cidades

Jardins de chuva em São Paulo
Jardins de chuva ajudam na absorção da água e diminuem a ocorrência de alagamentos. Foto: Prefeitura SP
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– Luiz Vital e Nábila Corrêa – 

Pesquisas do Departamento de Arquitetura e Urbanismo propõem alternativas para minimizar impactos dos alagamentos nas cidades e desenvolver construções que contribuam com o meio ambiente

Como diminuir os problemas ambientais e urbanos usando os recursos naturais nas cidades? A busca de métodos para solucionar essas questões, inclusive por meio da construção e do funcionamento de edificações, está entre os objetivos das pesquisas e estudos desenvolvidos no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Ufes. Propostas do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) e do Laboratório de Planejamento e Projetos visam o equilíbrio socioambiental, a sustentabilidade e a economicidade na utilização dos recursos naturais, contribuindo para integrar o planejamento ambiental ao planejamento urbano e ao projeto arquitetônico.

Dentre esses estudos estão os do Grupo de Pesquisa Reabilitação Urbana e Ambiental, coordenado pela professora Daniella Bonatto, vinculada ao PPGAU, com trabalhos que mapeiam cidades do Espírito Santo em relação a regiões propensas a alagamentos e avaliam aspectos como a carência de áreas verdes e de arborização urbana. A partir desse levantamento, são apresentadas propostas de infraestrutura verde, de acordo com as características urbanas e ambientais de cada localidade, com o objetivo de melhorar o sistema de captação das águas das chuvas e reduzir os alagamentos.

As estratégias mais eficientes na retenção das águas pluviais pesquisadas pelo grupo são as que utilizam ou ampliam a arborização de vias públicas. “Quanto maior o porte e densidade da árvore, maior a capacidade de retenção da água da chuva, propiciada pela área da copa. Uma árvore de médio porte vai ter uma área de vegetação grande, de cerca de 12 metros quadrados (m2). Quanto mais próximas as árvores estiverem umas das outras, maior a eficiência, pois colaboram para a formação dos chamados corredores verdes”, explica a professora Daniella Bonatto.

Segundo a pesquisadora, os corredores verdes conectam os recursos vegetais localizados nas cidades aos existentes nas margens dos rios. “A prioridade seria conectar as áreas vegetadas ao redor dos cursos de água com as existentes nas cidades, em calçadas, canteiros centrais e faixas de estacionamento, além da vegetação existente em parques e áreas livres”, afirma. A vantagem da implantação de corredores em projetos de infraestrutura verde é sua multifuncionalidade: “Além de retardarem e diminuírem o volume de águas pluviais lançado na rede de drenagem tradicional, reduzindo alagamentos e ilhas de calor, os corredores também dão suporte às atividades de esporte e lazer e mantêm a biodiversidade, dentre outros benefícios”, explica.

A professora acrescenta que outros elementos podem ser incluídos nos projetos de infraestrutura verde, como canteiros pluviais e jardins de chuva. Já alternativas como paredes verdes em fachadas sem janelas nem acabamentos – as chamadas empenas cegas – são importantes em áreas urbanas sem disponibilidade de espaço para implantar arborização, como ocorre no Centro de Vitória: “Estudos mostraram a total viabilidade de implantação de estratégias de infraestrutura verde nessas áreas. Pesquisas do Grupo Reabilitação Urbana e Ambiental analisaram edificações no Centro, por meio de simulações por computador, propondo o uso de paredes verdes nas empenas cegas desses edifícios. O resultado das simulações mostrou melhora na temperatura e umidade do ar no nível do pedestre, minimizando o problema da ilha de calor existente”.

Alagamentos em Vila Velha

Urbana e Ambiental, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, foi a Microbacia de Guaranhuns, localizada no município de Vila Velha, na Grande Vitória. Segundo a professora Daniella Bonatto, essa cidade já tem potencial para alagamentos devido às características de relevo (que não permite o escoamento das águas da chuva para o mar, concentrando-as no córrego de Guaranhuns) e do lençol freático (reservatório subterrâneo que, no caso de Vila Velha, está muito próximo à superfície, e transborda facilmente com as chuvas).

A região da Bacia de Guaranhuns foi escolhida por sua importância para o abastecimento de água em Vila Velha, com vários bairros atrelados a seus cursos de água. Além disso, a localidade seria ainda mais propensa a alagamentos do que o restante da cidade: “Essa região está abaixo do nível do mar, então nunca deveria ter sido ocupada”, afirma Daniella. A professora acrescenta ainda que a desobediência à legislação ambiental, que determina o mínimo de 30 metros de preservação de áreas vegetadas ao longo de cada uma das margens dos rios, é uma das causas de tragédias socioambientais na região, como a enchente do Canal do Guaranhuns, em 2013.

A estratégia de aplicação da infraestrutura verde para evitar os alagamentos na microbacia começaria a partir da renaturalização de suas margens, que são pouco vegetadas devido à ocupação humana. A proposta foi desenvolvida durante o mestrado de Eduarda de Berrêdo, pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. “Posteriormente seria feita a conexão da vegetação dessas margens com as áreas verdes residuais, existentes em espaços livres e praças, e com a arborização existente nas ruas”, explica Daniella Bonatto, orientadora desse estudo.

Para ela, a melhor forma de implantação de corredores verdes é utilizar o espaço público, onde a prefeitura pode intervir sem desapropriar. “A situação existente na localidade estudada é de calçadas muito estreitas ou ausentes e uma rua toda livre em que passa carro à vontade”, afirma. A alternativa seria então retirar uma faixa de estacionamento, existente dos dois lados da pista, e ampliar as calçadas para fazer o trabalho de arborização: “em cada quadra eu tenho uma fileira de calçada comprida que, com a inserção da arborização viária e jardins de chuva, comporia um corredor verde. O ideal é que eu pudesse ter uma árvore muito próxima da outra, para que suas copas pudessem reter a água da chuva de maneira mais eficiente”, explica.

Segundo a professora, além de evitar perda de vidas humanas e prejuízos materiais, a redução dos alagamentos na Região de Guaranhuns também envolve a preocupação com a saúde pública. “Em Vila Velha, a maior parte da rede de esgoto é conectada com a rede de drenagem. Quando chove muito, essa rede transborda. Temos então um problema de saúde pública gravíssimo. É necessário impedir a todo custo que essa água escoe”, alerta.

A importância da parceria com o Poder Público na aplicação desses estudos foi reiterada por Daniella Bonatto, ao apontar a cidade paulista de São Carlos como exemplo. Ela explicou que, nessa cidade, existem muitos cursos d’água, margens ocupadas e topografia acentuada com desníveis que causavam alagamentos nas avenidas marginais, localizadas em fundo de vale. Lá foi implantado um projeto de infraestrutura verde, com consultoria das universidades locais: “Em São Carlos, havia um curso de água que estava tamponado, escondido. Foi feita então a renaturalização das margens, o que também pode ser feito em casos como o de Vila Velha. A recuperação é muito rápida, a vegetação cresce muito rapidamente. Houve um amplo plano de macrodrenagem, que envolvia técnicas de infraestrutura verde, permitindo a redução de episódios de alagamento”.

Daniella enfatiza também que a infraestrutura verde tem potencial para a reabilitação tanto urbana, quanto ambiental: “As margens renaturalizadas em São Carlos, por exemplo, puderam receber equipamentos de lazer, como bancos e pista de caminhada. A implantação de corredores verdes é um excelente caminho a ser seguido por prefeituras e uma experiência que vem se ampliando no mundo e, mais recentemente, no Brasil”, conclui a pesquisadora.

Obras públicas sustentáveis

A pesquisa para o projeto do Cpid foi realizada sob a coordenação técnica do professor Paulo Sérgio de Paula Vargas e administrativa da professora Cristina Engel de Alvarez, ambos do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, e contou com bolsistas de graduação e pós-graduação. A construção do Cpid foi executada pelo Instituto de Obras Públicas do Espírito Santo (Iopes).  Fonte: Divulgação/ Governo do Espírito Santo

No Espírito Santo, um exemplo bem-sucedido de parceria entre Universidade e Governo Estadual para aplicação de pesquisas relacionadas à sustentabilidade foi a implantação do Centro de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento Eliezer Batista da Silva (Cpid), inaugurado em julho deste ano, em Cariacica, na Grande Vitória. O prédio do Cpid – que tem o objetivo de oferecer aos pesquisadores condições de desenvolver estudos e projetos em áreas estratégicas para o desenvolvimento do Espírito Santo – foi construído a partir de inovações desenvolvidas no Laboratório de Planejamento e Projetos (LPP) da Ufes. Os pesquisadores vinculados ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo utilizaram conceitos inovadores para o melhor aproveitamento de recursos naturais na construção e no funcionamento de obras públicas.

Segundo o professor Paulo Vargas, um dos coordenadores do LPP, na construção dos 3.664 m² do prédio foi utilizado o conceito de “obra seca”, que é a substituição de materiais tradicionais de construção – como concreto, tijolo cerâmico e argamassa – por outros que podem ser reciclados ou reutilizados, como aço, madeira, placas de OSB (sigla em inglês para Painel de Tiras de Madeira Orientadas), chapas cimentícias, gesso e isopor. “Esse sistema propõe uma obra mais limpa, com menos desperdício, mais rápida e sustentável”, afirma o pesquisador.

Vargas assinala que o conceito “retrofit” também foi utilizado na obra, com o aproveitamento de uma antiga casa de estilo modernista. Ela foi recuperada e transformada em recepção e portal de acesso ao prédio, que é feito por meio de uma torre e passarela suspensa. Quanto à manutenção do prédio do Centro de Pesquisas estadual, os recursos naturais terão papel de destaque. As águas da chuva serão armazenadas em reservatórios com capacidade de 80 mil litros e usadas para irrigar a área verde do Cpid. Há também a previsão de instalação de um sistema fotovoltaico para guardar energia solar.

O projeto arquitetônico do Centro de Pesquisas também considerou o melhor aproveitamento da luz natural, permitindo economia no consumo de energia elétrica, incluindo fachadas com o uso de brises – telas parecidas com grandes venezianas que funcionam como quebra sol, mantendo a ventilação, preservando os equipamentos e possibilitando economia e conforto.

Projetos de pesquisa

A meta do Cpid é consolidar uma infraestrutura física necessária à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico no Estado, com foco em áreas como Engenharia Ambiental, Tecnologia de Equipamentos, Tecnologia Industrial Básica e Tecnologia de Informação. No novo centro, funcionam os laboratórios de Desenvolvimento de Pesquisas na Área de Tecnologia de Equipamentos (Elem), coordenado pelo professor Marcelo Eduardo Vieira Segatto, do Departamento de Engenharia Elétrica; e de Técnicas Avançadas de Diagnóstico e Controle Aplicados a Processos Industriais (IndControl), coordenado pelo professor Celso José Munaro, do mesmo departamento. Outros quatro laboratórios são: Ensaios Não Destrutivos (Labenden), do professor Marcelo Camargo Severo de Macedo, do Departamento de Engenharia Mecânica; Caracterização Física, Química e Microbiológica (Lacar), coordenado pelo professor Sérvio Túlio Alves Cassini, do Departamento de Engenharia Ambiental; Análise Ambiental (NAA), pelo professor Neyval Costa Reis Junior, do Departamento de Engenharia Ambiental; Informações sobre Água e Desenvolvimento Regional (Niades), do professor Edmilson Costa Teixeira, do mesmo departamento.

Outro laboratório é o de Planejamento e Análise do Desempenho para Redes Multimídia e Aplicação no Contexto de Cidades digitais (Cidig), do professor Maxwell Monteiro, do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). O Cpid é resultado de parceria entre Ufes; Ifes; Empresa Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC); Governo do Estado, por meio da Secretaria da Ciência, Tecnologia, Inovação, Educação Profissional (Secti); Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema).

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