– Por Luiz Vital –
Ao completar 65 anos de trajetória, a Ufes se consolida como importante instituição de ensino superior do país. Nesta entrevista, o reitor, Reinaldo Centoducatte, salienta o protagonismo da Universidade ao oferecer educação superior de qualidade, com excelência na produção de ciência e tecnologia e no desenvolvimento de projetos de extensão direcionados para as comunidades. Aborda o ensino de graduação e de pós graduação, a pesquisa e diferentes projetos acadêmicos, ressalta os significativos indicadores de desempenho da instituição, resgata as complexidades do processo de criação da Universidade e a sua evolução acadêmica, explica a crise orçamentária imposta nos últimos anos e faz uma veemente defesa da universidade pública.
REVISTA UNIVERSIDADE – Reitor, por que é importante comemorar os 65 anos da Ufes?
REINALDO CENTODUCATTE – Porque a Ufes é uma instituição de ensino superior fundamental e estratégica para o desenvolvimento do Espírito Santo e do Brasil. É uma universidade consolidada, com excelentes indicadores de desempenho, com forte presença regional, nacional e internacional, e que atua com o protagonismo que a sociedade espera. Também porque, ao longo de sua trajetória, proporcionou formação acadêmica qualificada para várias gerações nas mais diferentes áreas do conhecimento. A Ufes está em processo permanente de avanços na pesquisa científica e tecnológica, na inovação e no desenvolvimento de suas potencialidades extensionistas, que estão associadas às demandas sociais. A Universidade ainda impulsiona processos culturais que valorizam a produção regional e está sempre em busca da transformação e da modernização da gestão administrativa. Por isso são importantes as comemorações dos seus 65 anos.
Quais são os números que hoje expressam as potencialidades da Ufes?
Os indicadores reafirmam a imensa capacidade de desenvolvimento da Ufes. Mostram a sua abrangência regional com quatro campi universitários: dois em Vitória; um no sul do estado, em Alegre; e um no norte capixaba, em São Mateus, com importantes unidades acadêmicas nos municípios de Jerônimo Monteiro, São José do Calçado e Aracruz. São cerca de 1.800 professores, 2 mil técnicos em educação, 20 mil estudantes na graduação presencial e mil na modalidade a distância, além de 3.500 na pós-graduação. São ofertados 103 cursos de graduação presencial e dez a distância, além de 93 cursos de pós-graduação. Os dados demonstram a importância da Universidade e revelam o elevado patamar que ela alcançou.
“A Ufes atua com o protagonismo que a sociedade espera”
A história mostra que o processo de criação da Universidade foi complexo, em um momento de dificuldades para o estado e o país.
De fato, a ideia de criação de uma universidade no Espírito Santo foi concebida num período histórico complexo – econômica e politicamente –, o que não impediu os capixabas de proporem esse desafio. Era um momento de crise do modelo produtor e exportador de café, sobre o qual a economia local estava quase exclusivamente baseada.
Como é que a proposta de universidade se inseriu nesse cenário?
O projeto era visto pelo então governador Jones dos Santos Neves e outras lideranças locais como uma nova possibilidade de desenvolvimento do estado, com busca de alternativas inovadoras de modelos econômicos. A intenção demonstrava uma estratégia empreendedora muito moderna para aqueles tempos, ainda que o Espírito Santo tivesse incapacidade financeira para manter a educação superior, que possui custos necessariamente elevados, mas que evidentemente são compensados pelos resultados econômicos e sociais que proporcionam. Naquela época, os jovens com condições financeiras saíam do estado para estudar em centros maiores, onde já havia universidades. Os outros interessados enfrentavam um rigoroso funil para alcançar o acesso à educação superior. Nesse cenário, a sociedade capixaba persistiu na vontade de construir a sua universidade pública.
Havia uma crise nacional.
Sim, o país passava por uma crise muito acentuada. A economia estava desorganizada e a crise política se agravara com o suicídio do presidente Getúlio Vargas, episódio que ocorreu três meses após a criação da universidade capixaba.
Como a Universidade conseguiu atravessar esse momento?
Depois de quatro ou cinco anos, com o projeto de universidade estadual quase estagnado, os educadores de então, preocupados com a falência iminente da proposta, criaram um movimento que apontava para a federalização da Universidade, contando com a mobilização da sociedade e o engajamento de lideranças políticas.
“A Ufes impulsiona processos culturais que valorizam a produção regional”
E como ocorreu o processo de federalização?
O que a história nos mostra é que, em 1959, o presidente da República Juscelino Kubistchek visitou o estado e foi abordado com a proposta de federalização da Universidade. Ele prometeu empenho e, de fato, no final do ano seguinte, enviou mensagem ao Congresso Nacional formalizando o pedido de aprovação da federalização. Em janeiro de 1961, o projeto foi, enfim, aprovado. A Ufes, então integrada ao Sistema Federal de Educação Superior, passou por transformações e, nos primeiros anos, foram operacionalizados os investimentos iniciais, que culminaram com a criação do campus universitário de Goiabeiras, em Vitória, em 1966.
A partir daí muitos momentos importantes, certamente, marcaram a trajetória da Ufes.
Sem dúvida. Claro que um percurso de 65 anos traz muitos momentos marcantes, e cada qual, ao seu tempo, tem o seu valor. A incorporação, na década de 1970, da Escola Superior de Agronomia, em Alegre, que era de âmbito estadual, é um exemplo, porque marca o início da interiorização da Ufes. No começo da década de 1990, a Universidade direcionou novas ações para o norte, com a oferta de cursos de graduação, e, em 2005, criou um centro de ensino em São Mateus. São momentos que marcaram a democratização do acesso à educação superior nos municípios do interior capixaba.
São muitos exemplos marcantes e históricos.
Sim, outro exemplo é o ensino superior na modalidade a distância (EAD). No início dos anos 2000, a Ufes tornou-se uma das universidades pioneiras no país ao consolidar um projeto de EAD que se tornou modelo para outras instituições brasileiras de ensino. No seu início, a Ufes formou em Pedagogia cerca de 6 mil professores das séries iniciais para atuação na rede pública de todos os municípios capixabas, contemplando profissionais de educação que até então não tinham possibilidade de formação acadêmica.
Mais recentemente veio o projeto de inclusão social.
Exatamente. Também nesse caso a Ufes foi uma das pioneiras no país. O processo de inclusão social na Universidade começou a ser debatido, inclusive com audiências públicas, no final da década passada e implantado em 2008, quando ainda nem havia a lei federal que estabeleceu a reserva de vagas. A iniciativa foi sendo aperfeiçoada e ampliada, e hoje está consolidada, o que possibilitou o ingresso de segmentos da população antes totalmente excluídos do ensino superior público e resultou em grande transformação no perfil socioeconômico da Universidade.
“A inclusão social na Ufes começou quando nem havia lei federal estabelecendo a reserva de vagas”
O ensino de graduação acompanhou o histórico de evolução da Ufes?
A expansão da Universidade nos anos 2000 alavancou o ensino de graduação na Ufes. Para se ter ideia, em 2002, a Ufes mantinha 47 cursos e ofertava 2.745 vagas, e fechou 2010 com 74 cursos e 3.995 v agas. Agora, em 2019, ofertamos 103 cursos e pouco mais de 5 mil vagas, evidenciando uma consistente evolução.
A pós-graduação também seguiu o mesmo movimento?
Sim. O primeiro mestrado aberto pela Ufes foi o de Educação, em 1978, e isso é muito marcante porque constitui o início da pós-graduação na Universidade. Na primeira década dos anos 2000, a Ufes acelerou a implantação de novos programas. Por exemplo, em 2002, mantínhamos três doutorados e 16 mestrados e, em 2010, esses números aumentaram para oito e 34, respectivamente. Em 2019, passamos a oferecer 31 cursos de doutorado e 62 de mestrado, com cerca de 4 mil estudantes. Foi esse avanço virtuoso da pós-graduação que impulsionou, inclusive, a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação Profissional, no começo deste milênio.
Falando dos tempos atuais e de uma temática preocupante, como está a realidade financeira da Ufes?
A sociedade capixaba tem acompanhado a realidade e os indicadores financeiros da Ufes, por meio do formato transparente que adotamos nos últimos anos. Estamos enfrentando um forte revés orçamentário desde 2014, com a imposição de cortes financeiros sucessivos. A partir de então, temos adotado um amplo programa de ajustes e de redução de despesas. Em 2019, o Ministério da Educação anunciou um bloqueio da ordem de 30% no orçamento das instituições federais de ensino superior, incluindo a Ufes. No nosso caso particular, o bloqueio gera impactos negativos de cerca de R$ 33 milhões, o que representa 33% do orçamento total inicialmente previsto, da ordem de R$ 99,4 milhões, incluindo recursos de custeio e capital. Esse montante é para manutenção e investimento, e a medida impacta as despesas com consumo de água, energia elétrica, contratos de prestação de serviços de limpeza e segurança, entre outros. O bloqueio do orçamento de capital e de emendas parlamentares afeta os investimentos em obras e em aquisição de equipamentos, repercutindo nas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Acredito que, se o país prosseguir nesse cenário sombrio e que está se agravando, a tendência é a geração de déficit orçamentário que comprometerá gravemente o funcionamento das universidades antes mesmo de 2020, porque existem despesas que são obrigatórias. Estamos buscando modelos de gestão com foco na economicidade, de modo a manter a Ufes em pleno funcionamento, mas o fato é que há uma crise real e muito grave que atinge o conjunto das universidades federais.
Então, há riscos iminentes quanto ao futuro das universidades públicas?
Sem dúvida, e isso é muito preocupante. Há um emaranhado de situações que põe em risco as universidades federais, e que deixa a sociedade insegura em relação ao futuro da educação superior no país. Veja o desmantelamento dos órgãos de fomento à pesquisa, os bloqueios financeiros às instituições de ensino, os cortes de bolsas para pesquisa, as limitações para a assistência estudantil, a ausência de um projeto moderno e democrático para a educação brasileira, e diferentes ações que implicam precarização do ensino por meio de cortes orçamentários.
E qual poderia ser uma perspectiva mais otimista?
O importante é que a sociedade brasileira tem demonstrado, em larga escala, estar na defesa da universidade pública, por entender a sua importância estratégica para o desenvolvimento do país, em todos os níveis. Não ter essa compreensão é estar na contramão dos avanços alcançados ao longo dos anos. As universidades públicas constituem o eixo principal de um sistema eficiente e de qualidade na formação de recursos humanos, de produção de conhecimento, de desenvolvimento científico e tecnológico, de prestação de importantes serviços à sociedade e de promoção da cidadania. A Ufes e o conjunto das universidades públicas são conquistas fundamentais que precisam ser mantidas.
A Universidade deveria buscar mais parcerias com a inicitiva privada para consgeuir captar recursos que possam financiar a pesquisa, por exemplo. Além disso, a criação de fundo para contribuição de ex-alunos, muito comum nos EUA e agora realidade na USP, poderia ajuda também nessa questão. Mas não apenas catar recurso, também se abrir a iniciativas de desenvolvimento de gestão, como terceirizar serviços que podem ser melhor adminitrados por entidades especializadas, algo proposto, inclusive, pelo Future-se. Existem alternativas. Mas infelizmente a politização de esquerda, que escolhe enfrentamento ideológico trava que muitas dessas parcerias aconteçam.