– Por Jorge Medina e Lidia Neves –
Núcleo de Estudos Literários e Musicológicos se dedica a pesquisar as intersecções entre esses dois campos artísticos
A literatura e a música são manifestações artísticas que acompanham o ser humano desde os primórdios. Provocam sensações, emoções, revoltas, denúncias, compaixão e efeitos estéticos que ajudam a entender melhor as pessoas, o mundo e a nós mesmos. São manifestações que mexem com o imaginário coletivo da sociedade.
Os grandes compositores – como Beethoven, Mozart, Noel Rosa e Caetano Veloso – e escritores – a exemplo de Dostoiévski, José Saramago, Camões e Clarice Lispector – deixaram obras que emocionam e ficarão eternizadas ao longo dos séculos.
A música e a literatura sempre estiveram correlacionadas com a história da humanidade. O texto literário adapta-se perfeitamente à música e vice-versa. Um exemplo dessa interação se encontra na canção Monte Castelo, do grupo Legião Urbana, na voz de Renato Russo, que incorpora trechos do poema de Luís Vaz de Camões Amor é fogo que arde sem se ver. O teatro é outro exemplo que, além de ser literatura, também se conecta com a música para compor e enriquecer.
Pensando nessa união artística, a professora Viviana Mónica Vermes, do Centro de Artes, fundou em 2006 o Núcleo de Estudos Literários e Musicológicos (NELM), coordenado por ela. O núcleo pesquisa as diversas maneiras por meio das quais a música e a literatura se sobrepõem e se alimentam reciprocamente. “Os objetos de estudo no Núcleo variam: podem ser obras musicais ou literárias ou aspectos ligados aos circuitos e práticas. Variam também as perspectivas de análise, compreendendo a musicologia, os estudos literários, a história e a comunicação social”, explica Mónica Vermes, que é professora do Detam e dos programas de pós-graduação em Letras e em Comunicação e Territorialidades.
A pesquisadora aponta que um dos temas centrais de sua investigação é a relação entre o erudito e o popular. “Entendo que pensar a música e a história da música brasileira a partir dessa dicotomia é empobrecedor, pois tende a desprezar peculiaridades, trânsitos e zonas de fronteira que são especialmente característicos no caso da música brasileira”, relata.
Um dos estudos de destaque no Núcleo que exemplifica essa abordagem é o Música nos teatros cariocas: repertório, recepção e práticas culturais, com análise concentrada no período entre 1890 e 1920. Para o projeto, a professora Mónica recebeu financiamento pelo edital universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de 2012, e posteriormente foi contemplada com uma bolsa de apoio à pesquisa da Fundação Biblioteca Nacional em 2016.
Na pesquisa, foi realizado um levantamento sistemático do que ocorria a cada dia, em cada teatro do Rio de Janeiro, entre 1890 e 1920. “Os dados elucidam, por exemplo, sobre o processo dinâmico de uma peça em cartaz: não se tratava sempre da mesma apresentação, mas, à medida que a temporada se estendia, eram incluídas novas cenas, novos cenários, nova música. É interessante também pois esclarece o teor da música realizada nas peças: quando se tratava de peças estrangeiras, muito frequentemente a parte musical era adaptada, incluindo peças de compositores ou compositoras locais, como Chiquinha Gonzaga”, explica a professora, que pretende usar a coleção de dados levantados para futuras pesquisas.
Como desdobramento da iniciativa anterior, o Núcleo também estuda os Circuitos musicais e conflitos culturais no Rio de Janeiro da Belle Époque (1890-1920), projeto que contou com bolsa de produtividade em pesquisa, também do CNPq, em 2017. “Os dados coletados nesse projeto nos permitem observar o dia a dia de parte significativa da vida musical carioca: o trânsito de músicos, os repertórios e o público entre os diferentes espaços e registros. Um exemplo são os músicos que podiam tocar numa orquestra arregimentada para apresentar um concerto sinfônico, nas orquestras dos teatros – onde se praticavam gêneros teatrais-musicais de entretenimento – e nas rodas de choro. Tal fato mostra como essas categorias não podem ser pensadas de forma estanque”, detalha Mónica.
Com o passar do tempo, o grupo aumentou por meio da incorporação de pesquisadores de seis universidades brasileiras e da realização de intercâmbios com instituições estrangeiras. O Núcleo integra a Rede de Crítica Musical (Music Criticism Network), articulação internacional de pesquisadores na área. A Rede organiza conferências e congressos internacionais, publica livros e pesquisas, edita revista especializada, entre outras ações.
Em 2018, o congresso internacional organizado pela Rede aconteceu em São Paulo com o tema Intercâmbios Norte-Sul: colaborações, tensões, hibridações. No congresso, a professora Mónica ministrou a palestra A crítica musical como fonte para o estudo da vida musical no Rio de Janeiro da Belle Époque (1890-1900). No Colóquio Por uma História das Relações Culturais das Américas, realizado em Lyon, na França, apresentou o trabalho Abul de Nepomuceno em Buenos Aires: a ópera como lugar de encontro. Já na 17ª Conferência Internacional Association Répertoire International d’Iconographie Musicale, em Atenas, na Grécia, participou com a pesquisa Novas Imagens para uma Nova Cidade: música e dança nas capas da Fon-Fon (Rio de Janeiro, 1907-1920). E na Conferência Internacional Music Criticism 1950-2000, em Barcelona, na Espanha, a professora apresentou o estudo sobre a crítica musical no jornal Folha de São Paulo, na década de 1990.
Outra ação é a ampliação das atividades conjuntas com o Uruguai: a pesquisadora integra o Grupo de Investigación y Desarrollo Música y Sociedad (GIDMUS), da Universidad de la República. A professora participa de um projeto apoiado pelo Programa Artes Performáticas, Corporeidades e Teatralidade, que analisa manifestações populares e acadêmicas naquele país. “Contribuímos com informações sobre práticas e repertórios do Rio de Janeiro, como um contraponto ao que ocorria no Uruguai. Um dos objetivos é conhecer e publicar os trânsitos e diálogos musicais e teatrais entre os países do Cone Sul”, conta Mónica. “Já temos um projeto de pesquisa em comum com esse grupo e o trabalho deve se intensificar ainda mais a partir deste ano”.
Ainda em relação à parceria com o GIDMUS, a professora Mónica edita duas edições do Journal of Music Criticism, em conjunto com a professora Marita Fornaro, que coordena o grupo de pesquisa uruguaio. As duas pesquisadoras organizam juntas a mesa-redonda “Migração, Fronteiras, Territorialidades: cinco estudos de caso sobre as músicas populares latinoamericanas contemporâneas”, na 45ª Conferência Internacional do ICTM – International Council for the Study of Traditional Music, neste ano, em Bangkok, Tailândia.
Áreas de atuação
O Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) existe desde 1994, com mestrado, e passou a ter doutorado em 2010 e pós-doutorado em 2012. Tem a finalidade de formar pessoal qualificado para o exercício de atividades profissionais de ensino e pesquisa em Letras. Tem como área de concentração os Estudos Literários e organiza-se em duas linhas de pesquisa: Literatura: Alteridade e Sociedade e Poéticas da Antiguidade à Contemporaneidade – da qual participa a professora Mónica Vermes.
Já o Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades (PósCom) teve início em 2014 e tem como área de concentração os estudos da comunicação na produção das territorialidades, bem como das práticas processos, produtos midiáticos em ambientes particulares. O conceito de territorialidades inclui processos que constituem os espaços geográficos clássicos, bem como unicidades formadas a partir de interfaces socioeconômicas, políticas, culturais e simbólicas, inclusive as comunicacionais. A professora Mónica Vermes atua na linha de pesquisa Estéticas e Linguagens Comunicacionais, que compõe o PósCom juntamente a de Comunicação e Poder.
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