–Por Cássia Rocha–
Equipe do Departamento de Engenharia de Alimentos da Ufes realiza pesquisa para determinar o quanto se pode reduzir de sódio sem alterar a aceitação sensorial dos alimentos
O sódio é um metal natural essencial ao corpo humano e sua principal função é equilibrar a quantidade de água no organismo. Quando aliado ao potássio, a dupla participa de contrações musculares e do fornecimento de energia para o indivíduo. Apesar das vantagens, é preciso atentar-se à quantidade. O consumo excessivo de sódio acarreta vários problemas de saúde, dentre eles inchaço e aumento da pressão arterial, impulsionando o risco de doenças cardiovasculares, como o acidente vascular cerebral (AVC) e o ataque cardíaco. O sal tradicional de cozinha contém cerca de 39% de sódio e é a principal fonte deste elemento na alimentação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a ingestão diária de sódio não ultrapasse 2 gramas (g) para indivíduos adultos, o que equivale a 5g de sal. No entanto, segundo o relatório “Cenário do consumo de sódio no Brasil”, estudo da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) elaborado com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2013, aproximadamente metade dos brasileiros que considera ter um consumo de sal médio ingere em torno de 12g de sal por dia, isso é, mais que o dobro do recomendado.
Cientes desse fato, associações, sindicatos e indústrias do setor se comprometeram com o Ministério da Saúde, em abril de 2011, a cumprir metas para a redução de sódio em diversos alimentos industrializados. Mas ainda enfrentam o desafio de evitar a perda de aceitação sensorial que decorre da redução de sal, o que poderia levar à diminuição nas vendas.
Diante desse cenário, a equipe do Laboratório de Análise Sensorial do Departamento de Engenharia de Alimentos da Ufes está executando uma pesquisa, aprovada e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), relativa ao biscoito tipo salgado, o qual consta da lista de alimentos com meta para redução de sódio. O trabalho tem como um dos objetivos determinar o quanto se pode diminuir de sódio sem resultar em alteração sensorial ou em rejeição do biscoito.
O projeto é coordenado pelo professor Tarcísio Lima Filho, do Departamento de Engenharia de Alimentos, no campus de Alegre. Em 2015, o professor propôs e validou a Metodologia dos Limiares Hedônicos (MLH), para análise sensorial. O procedimento consiste em servir aos consumidores amostras do alimento com teor de sódio convencional (utilizado pela indústria) e outras com teor reduzido. Os participantes devem provar e informar o quanto gostaram ou desgostaram das amostras.
De acordo com Lima Filho, os resultados são analisados a partir de testes estatísticos, os quais permitem determinar dois novos limiares afetivos: o Limiar de Aceitação Comprometida (LAC), que indica a intensidade de concentração de sódio em que começa a ocorrer a alteração da aceitação sensorial do produto; e o Limiar de Rejeição Hedônica (LRH), referente à intensidade em que se inicia a rejeição sensorial do produto, ou seja, indica o ponto de transição entre a aceitação e a rejeição do alimento.
A MLH já foi aplicada a diversos produtos desde sua criação. No desenvolvimento da Metodologia, a determinação dos limiares foi realizada para concentração de sacarose em néctar e de sódio em hambúrguer, e atualmente está sendo empregada no estudo para redução de sódio do biscoito salgado. Para o professor, “o LAC indica o quanto a indústria pode reduzir o uso de ingredientes prejudiciais à saúde (como sódio, sacarose e gordura) sem afetar a aceitação sensorial do produto. Assim, de posse do LAC, as indústrias de biscoito poderão ofertar alimentos mais saudáveis sem receio de perder mercado, uma vez que a qualidade sensorial do produto não será afetada”.
No estudo em curso, o objeto de teste é o biscoito salgado tipo aperitivo, no entanto, a Metodologia dos Limiares Hedônicos pode ser utilizada para promover a redução de sódio, sacarose e gordura em outros alimentos. “Com uma maior oferta de alimentos de menor teor de sódio e boa aceitação sensorial, o consumo de sódio pela população tende a diminuir, resultando numa menor incidência de doenças cardiovasculares”, enfatiza o pesquisador.
A Metodologia dos Limiares Hedônicos pode ser utilizada em outras aplicações. Na indústria e na ciência de alimentos, busca-se alterar ao máximo certo aspecto do alimento sem alterar sua aceitação sensorial. Por exemplo, “fortificar os alimentos com compostos que trazem benefícios à saúde (como ferro, fibras, ômega 3 e 6, entre outros); aplicar tratamento térmico mais severo, visando o aumento da vida de prateleira do produto; e reduzir certo ingrediente mais dispendioso na formulação do alimento”, aponta Lima Filho.
“A MLH não se limita apenas às indústrias de alimentos, podendo ser utilizada também pelas indústrias cosméticas e farmacêuticas, entretanto, para tais aplicações, novos estudos se mostram necessários”, completa o pesquisador, uma vez que a Metodologia ainda não foi empregada nessas áreas.
Antes da proposta da MLH, o método mais utilizado era a determinação do limiar de detecção, definido como a intensidade em que começa a ocorrer alteração sensorial perceptível pelo indivíduo. No entanto, essas primeiras alterações detectadas pelo consumidor podem não ser o bastante para alterar a aceitação sensorial do alimento. “Normalmente, somente em uma intensidade superior ao limiar de detecção ocorre alteração da aceitação do alimento pelo consumidor. A Metodologia dos Limiares Hedônicos foi proposta para permitir a determinação dessa intensidade em que começa a ocorrer alteração da aceitação sensorial dos alimentos. Até então, nenhuma metodologia de análise sensorial permitia determinar esse ponto”, completa o pesquisador.
De acordo com Lima Filho, o projeto de pesquisa com o biscoito ainda está em execução e ainda não foi possível determinar a porcentagem de sódio que poderá ser reduzida sem afetar a aceitação sensorial desse alimento. “No entanto, já realizei estudo com redução de sódio em hambúrguer e verifiquei que, nesse produto, reduções acima de 27,33% de sódio comprometem a aceitação sensorial. Qualquer redução no teor de sódio menor do que essa, não ocorre alteração sensorial do hambúrguer. Essa é uma informação de grande interesse da indústria e de elevado benefício para os consumidores”, conta.
Participam da pesquisa duas mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da Ufes e dois bolsistas de iniciação científica, estudantes de Engenharia de Alimentos. O estudo tem ajudado a difundir as aplicações da Metodologia dos Limiares Hedônicos e os riscos de se consumir altas concentrações de sódio na dieta. O professor ressalta ainda que a equipe está aberta a parcerias com empresas do setor. “Como as informações fornecidas pela Metodologia dos Limiares Hedônicos são de grande interesse da indústria, estamos abertos para realização de pesquisas em parceria. Assim, pretendemos que os benefícios cheguem para a indústrias e para o consumidor final: todos saem ganhado. Além de aproximar ainda mais a Universidade do mercado e da comunidade”.
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