Projeto incentiva a prática do crochê para reduzir o estresse acadêmico

Extensionistas do projeto Linhas da Vida, que é coordenado pela professora Claudia Rossetti (de blusa rosa). Foto: Mikaella Mozer/Ufes
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– Por Mikaella Mozer –

A saúde mental de estudantes de ensino superior vem preocupando as universidades. Com foco nesse grupo, nasceu o projeto de extensão Linhas da Vida, que busca reduzir as tensões por meio da prática  do crochê

As dificuldades emocionais e a saúde mental têm sido motivo de preocupação no ambiente acadêmico. Entre os estudantes, 83% afirmaram ter vivido dificuldades emocionais e 63% sofreram de ansiedade em 2018, segundo pesquisa realizada pela Associação Nacional de Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andifes). Já o Projeto Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) aponta que o Brasil é o segundo país com maior índice de alunos na faixa etária dos 15 anos que ficam estressados durante as provas: 80,3% deles ficam nervosos ou ansiosos durante os exames e 56% ficam tensos com os estudos. Diante dessa realidade,  muitos centros de ensino superior têm pensado em meios de cuidar da saúde mental de sua comunidade.

Para ajudar a lidar com o estresse acadêmico, a professora de Psicologia  da Ufes Claudia Broetto Rossetti desenvolveu o projeto de extensão Linhas da Vida, que usa a prática do crochê para ajudar estudantes a lidar com a vida universitária. “O objetivo do projeto é fornecer foco e manejo positivo do estresse acadêmico, ou seja, aprender a lidar com ele de maneira saudável. Aprender a entrelaçar os fios é outra forma de lidar com as frustrações, a ter paciência. E no processo, as pessoas vão aprendendo a se enxergar”, afirma a professora, que pesquisa Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano.

O projeto

A iniciativa teve início no segundo semestre de 2019, com encontros ministrados em dupla, por seis integrantes. Eles são alunos de Psicologia, uma professora de Terapia Ocupacional e uma servidora da Proaeci, que é psicóloga. De acordo com a professora, não é necessário saber praticar o crochê para entrar no grupo.  “As turmas serão divididas nos níveis iniciante e avançado. Vamos aplicar as técnicas certas para cada conjunto de pessoas”, detalha Claudia Rossetti.

O projeto nasceu da percepção da professora, a partir dos seus estudos em Psicologia do Desenvolvimento, que estuda as mudanças progressivas no seres humanos em diversas áreas, como a afetivo-emocional, a físico-motora e a social. Suas pesquisas começaram focadas na infância e seguiram para jovens adultos. Isso se deu pela constatação  da necessidade de atenção a essa faixa etária, que em parte está dentro de universidades, enfrentando desafios que afetam o seu bem estar. “Na Ufes mesmo, temos muitos casos de jovens que precisam de apoio”, aponta.

As linhas sempre foram usadas como metáforas sobre relacionamentos, ligações e cortes. O uso delas no Linhas da Vida não é diferente: as técnicas ensinadas aos integrantes foram escolhidas para trabalhar o controle. A metodologia é baseada no livro Hook to Heal!, da psicóloga americana e escritora Kathryn Vercillo. Nele são ensinadas 100 técnicas, contendo oito passos em cada, de como transformar o crochê em arteterapia. “Em uma delas, caso o aluno perca o foco total enquanto produz, ele tem de desmanchar tudo para começar de novo. Isso leva a pessoa trabalhar a atenção e ver até onde consegue construir com foco. Outro exercício é o de fazer todo o produto e em seguida desmanchar. Esse mexe com a paciência”, exemplifica Claudia Rossetti.

 A expectativa é que a primeira turma, que começa em março, tenha em torno de 20 pessoas, entretanto, se a procura for grande, serão abertos outros grupos. Durante os encontros , os alunos terão um diário de bordo, no qual  anotarão como se sentem e seus progressos. Eles também terão atividades para casa, mantendo assim a recorrência na atividade.

No primeiro semestre, foram feitas duas oficinas-piloto. Uma das pessoas que participaram relatou que conseguiu transformar a sua ansiedade, antes dirigida à comida, por meio do crochê. 

O grupo não tem a intenção de mensurar os efeitos da atividade sobre a saúde dos participantes, mas sim ajudar a equilibrar o processo de passagem pela vida acadêmica. Por isso, não serão impostas obrigações aos alunos, o que poderia gerar mais estresse. “As aulas serão livres, quem quiser ir pode, se tiver vontade de parar pode também, só não queremos o sentimento de obrigação com os encontros”, afirma a professora. Ainda assim, Claudia Rossetti afirma que uma doutoranda estudará as funcionalidades do crochê como meio de apoio ao estresse. Ela também tem interesse em fazer um pós-doutorado mais à frente para se aprofundar no assunto.

A equipe pretende ainda resgatar a identificação de pessoas já ligadas à atividade do crochê, por ter um contato familiar ou alguma lembrança relacionada. A carga afetiva auxilia no processo de lidar com o estresse. 

Atitude política

Para a professora, o crochê, além proporcionar  vantagens terapêuticas, também é atitude política. “O uso de retalhos e de produtos reutilizáveis ajudam na manutenção do planeta. Um exemplo são as ecopads, discos de crochê para limpeza facial, que podem ser reutilizados, o que reduz a poluição. Isso ajuda também na diminuição do consumismo, um dos maiores problemas ecológicos”.

Alunas produziram enfeites de Natal e prendedores de cabelos durante os encontros. Foto: Mikaella Mozer

Apesar de o crochê ser associado a um papel tradicional das mulheres e às pessoas mais velhas, esse estigma vem sendo quebrado, segundo Claudia Rossetti. Um exemplo é a  jovem influenciadora digital Marie Castro, que incentiva em suas redes sociais o ato de crochetar, ensinando a fazer e a calcular o preço das mercadorias. Com isso, o crochê pode ser entendido também como uma fonte de renda para se manterem sozinhas e terem em si segurança financeira e emancipação.

Outro exemplo é o coletivo Clube do Bordado, fundado em 2013, que reúne mulheres para crochetar e discutir questões de gênero. Além de terem um refúgio da rotina estressante e de se sentirem acolhidas dentro de um grupo, elas usufruem do tempo da atividade discutindo assuntos importantes. O curso, que começou em São Paulo, já é oferecido em vários estados do país. A mesma lógica é seguida pelo Bordado Empoderado, fundado pela jornalista Bruna Antunes, e pelo Nectarina Bordados Subversivos. “Essas ações ajudam na manutenção mental  das mulheres com o sentimento de coletividade e de apoio. O trabalho manual traz diversos benefícios para a saúde mental”, pontua a professora.

Ao manusear as agulhas, ligando uma linha na outra, o cérebro é estimulado, gerando sensação de bem estar e relaxamento, explica Claudia Rossetti. “Essas sensações levam à autoestima, autoconfiança, criatividade e desenvolvimento de habilidades motoras. Você preenche as mãos e a mente”, completa.

O crochê também é um trabalho de desconexão. “Muitas pessoas fazem um ponto e já pegam o celular. O uso abusivo das redes sociais é um dos fatores que têm contribuído para os altos índices de estresse e ansiedade dos dias atuais”, indica a coordenadora do projeto de extensão. “Nessa atividade, há começo, meio e fim, algo de que as pessoas se desacostumaram pela correria do dia a dia. E isso afeta o emocional, o afetivo e o cognitivo ”, detalha.

Crianças

Em diversas escolas em outros países, os trabalhos manuais fazem parte do currículo escolar. Uma das extensionistas do projeto, Andreina Calle, é equatoriana  e aprendeu crochê na escola. Esse é considerado um dos melhores estímulos às crianças, por trabalhar com o desenvolvimento motor, emocional e mental já desde a infância. Contribui também no estímulo do pensamento e nas resoluções de questões.

As brincadeiras infantis nos últimos anos vêm tendo uma mudança, deixando de ser um contato pessoal com brinquedos para ser em  frente às telas de celulares. Claudia Rossetti explica que os problemas de ansiedade e outros distúrbios mais frequentes ultimamente vêm do abuso no uso de redes sociais e de tecnologias em geral. Ela ressalta a importância do estímulo a brincadeiras com o manejo das mãos, como a construção do próprio brinquedo ou mesmo o crochê.

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