Estudo aponta que novo coronavírus circulou por até quatro semanas sem ser detectado

Estudo aponta a circulação do novo coronavírus por até 4 semanas sem ser detectado
Apesar do inicio da expansão do vírus ter sido aproximado em vários países, a disseminação em cada um seguiu a própria dinâmica devido a fatores locais. Imagem: Pixabay
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– Por Comunicação/Instituto Oswaldo Cruz –

Uma pesquisa liderada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), com a participação da Ufes, aponta que a circulação do novo coronavírus (SARS-CoV-2) foi iniciada até quatro semanas antes dos primeiros casos serem registrados em países da Europa e das Américas. O estudo, que utiliza uma metodologia estatística de inferência a partir dos registros de óbitos, indica que, enquanto os países monitoravam os viajantes e confirmavam os primeiros casos importados da COVID-19, a transmissão comunitária da doença já estava em curso.

Segundo o trabalho, publicado na revista ‘Memórias do Instituto Oswaldo Cruz'(link is external), o novo coronavírus começou a se espalhar no Brasil por volta da primeira semana de fevereiro. Ou seja, mais de 20 dias antes do primeiro caso ser diagnosticado em um viajante que retornou da Itália para São Paulo, em 26 de fevereiro, e quase 40 dias antes das primeiras confirmações oficiais de transmissão comunitária, em 13 de março. Na Europa, a circulação da doença começou aproximadamente em meados de janeiro, na Itália, e entre final de janeiro e início de fevereiro, na Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Espanha e Reino Unido. O começo de fevereiro também foi o período de início da disseminação na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, de acordo com o estudo.

A pesquisa é a primeira a apontar o período de início da transmissão comunitária no Brasil e reforça evidências preliminares de pesquisas conduzidas na Europa a partir de análises genéticas. Corrobora ainda achados de estudos realizados nos Estados Unidos, que indicaram começo da propagação viral na cidade de Nova Iorque entre 29 de janeiro e 26 de fevereiro.

Assim como no Brasil, na Itália, Holanda e Estados Unidos, a disseminação comunitária já estava ocorrendo havia duas a quatro semanas quando os primeiros casos importados do SARS-CoV-2 foram identificados pela confirmação de testes laboratoriais entre viajantes. Nos demais países, os primeiros registros oficiais da infecção em viajantes ocorreram poucos dias antes ou depois do início da transmissão local estimada na pesquisa.

Os autores destacam que, em todos os países analisados, a circulação da COVID-19 começou antes que fossem implementadas medidas de controle, como restrição de viagens aéreas e distanciamento social. “Esse período bastante longo de transmissão comunitária oculta chama a atenção para o grande desafio de rastrear a disseminação do novo coronavírus e indica que as medidas de controle devem ser adotadas, pelo menos, assim que os primeiros casos importados forem detectados em uma nova região geográfica”, afirma o pesquisador do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC/Fiocruz, Gonzalo Bello, coordenador da pesquisa.

Apesar de vários países terem o início da transmissão comunitária em momentos muito próximos, a expansão da epidemia em cada localidade parece ter seguido uma dinâmica própria. “Muito provavelmente, a dinâmica de expansão da epidemia foi definida por fatores locais, como características ambientais de temperatura, precipitação e poluição do ar, densidade e demografia da população”, acrescenta o pesquisador do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz-Bahia), Tiago Graf.

Além de ajudar a esclarecer o início de transmissão local do SARS-CoV-2 nos países estudados, os autores destacam que os resultados obtidos reforçam a importância da implementação de ações permanentes de vigilância molecular, uma vez que o novo coronavírus pode voltar a circular e causar surtos ao longo dos próximos anos.

O estudo foi realizado pelo Laboratório de AIDS e Imunologia Molecular do IOC/Fiocruz em parceria com Fiocruz-Bahia, Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Universidade da República (Udelar), no Uruguai. Os resultados foram publicados na seção ‘Fast Track’ da revista científica ‘Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’, que permite a divulgação acelerada de pesquisas relacionadas à pandemia.

Experiência

Toda a equipe envolvida no trabalho tem larga experiência em pesquisas aplicadas ao entendimento do início de surtos e epidemias, tendo realizado estudos com técnicas baseadas em análise genética para HIV, hepatites, dengue, Zika e febre amarela, entre outros agravos.

Para este tipo de investigação, é fundamental contar com um volume representativo de genomas dos vírus encontrados em amostras de pacientes. “Porém, o curto tempo desde o início da epidemia combinado com a quantidade limitada de genomas de SARS-CoV-2 disponível torna muito difícil a aplicação da genômica molecular para inferir o início da transmissão local na maioria dos países”, comenta o pesquisador do Departamento de Biologia do Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde (CCENS) da Ufes Edson Delatorre.

Por isso, para estimar o período de início da transmissão viral comunitária do novo coronavírus, os pesquisadores desenvolveram um novo método. Os cientistas partiram de um dos traços mais trágicos e marcantes da COVID-19: o crescimento exponencial do número de mortes nas primeiras semanas de surto. Uma vez que a carência de testes de diagnóstico e o grande percentual de infecções assintomáticas dificultam a contagem de casos da doença, os registros de óbito são considerados a informação mais confiável sobre o progresso da epidemia, podendo ser utilizados como um rastreador “atrasado”, que permite observar o curso da doença de forma retrospectiva.

Considerando que o tempo médio entre a infecção e o óbito é de cerca de três semanas e a taxa de mortalidade da doença é de aproximadamente 1%, os cientistas aplicaram um método estatístico para inferir o momento de início da epidemia a partir do número acumulado de mortes nas primeiras semanas de surto em cada país. “Observando os dois países onde já existe grande número de genomas sequenciados – China e Estados Unidos –, constatamos que a estimativa obtida a partir do número de mortes foi semelhante à obtida a partir da análise genética, validando a nova abordagem”, afirma a pesquisadora da Udelar Daiana Mir.

Cenário no Brasil

No Brasil, outras evidências, obtidas a partir de metodologias diferentes, apoiam a estimativa de que a transmissão local da COVID-19 começou no início de fevereiro, coincidindo com a expansão da epidemia na América do Norte e Europa. De acordo com o InfoGripe, sistema da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que monitora as hospitalizações de pacientes com sintomas respiratórios agudos graves (SRAG), o número de internações encontra-se acima do observado em 2019 desde meados de fevereiro de 2020. Além disso, análises moleculares retrospectivas de amostras de SRAG detectaram um caso de infecção por SARS-CoV-2 no Brasil na quarta semana epidemiológica, entre 19 e 25 de janeiro. O aumento sustentado no número de infecções foi observado a partir da sexta semana epidemiológica, entre 2 e 8 de fevereiro, conforme apresentado no MonitoraCovid-19(link is external), sistema do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICIT/Fiocruz).

“Esses dados epidemiológicos confirmam a introdução do SARS-CoV-2 no Brasil desde o fim de janeiro e claramente sustentam nossos resultados, que apontam que o vírus estava circulando na população brasileira desde o início de fevereiro”, pontua Gonzalo.

Edição:  Thereza Marinho

Publicado no Portal da Ufes em 12 de maio de 2020

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