Excesso de manganês em peixes do Rio Doce ameaça saúde humana, mostra estudo

Imagem do Rio Doce cheio de lama
Chegada da lama à cidade capixaba de Regência, uma das que sofreram as consequências da tragédia no Estado Foto: Arquivo/ Jorge Medina/ Ufes
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– Por Sueli de Freitas – 

Em artigo publicado recentemente na revista Environment International, pesquisadores revelam alta concentração de manganês em solos e água no estuário do Rio Doce, em Regência (ES), com consequentes elevados teores do metal em duas espécies de peixes: o bagre amarelo (Cathoropus spixii) e o peixe-gato marinho (Genidens genidens). Esses peixes são alimentos comuns entre os moradores da região, o que coloca em risco a saúde dos consumidores.

“Em grandes concentrações no organismo humano, o manganês pode comprometer o sistema nervoso central e levar a doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer”, afirma o professor do Departamento de Oceanografia da Ufes Ângelo Bernardino, coordenador da Rede de Solos e Bentos Rio Doce e um dos autores do artigo. Segundo ele, um outro estudo da Rede, que é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CNPq), está analisando os riscos da presença de metais para a saúde humana através de múltiplas fontes de contaminação na região de Regência.

No artigo, os autores tratam da grande quantidade de manganês resultante da tragédia ambiental ocorrida em 2015 na barragem de Fundão, da mineradora Samarco, no município de Mariana (MG), quando foram liberados 43 milhões de metros cúbicos de rejeitos ricos em ferro no Rio Doce, uma das maiores bacias hidrográficas do país. Os rejeitos percorreram 688 km rio abaixo e atingiram o estuário e o oceano 16 dias após o rompimento da barragem. “O desastre representou uma das maiores falhas de barragem de rejeitos já registradas e o maior desastre ambiental da história da mineração no Brasil, também matando 19 pessoas e causando extensos danos ecológicos, econômicos, sociais e culturais”, lembram os pesquisadores.

Segundo Bernardino, com o tempo, o manganês foi se dissociando dos rejeitos de ferro e se diluindo na água do estuário. Ele conta que amostras dos peixes e da água foram coletadas e analisadas sete dias após a chegada dos rejeitos, em 2015, e novamente dois anos após o rompimento da barragem. Em 2017, foi constatado um aumento de 880% do manganês dissolvido na água.

Pesquisador analisa presença de manganês na água do Rio Doce. Foto: Prof. Angelo Bernardino/Ufes

Potencial de contaminação

O manganês é um elemento abundante nos ecossistemas terrestres e costeiros e um micronutriente essencial nos processos metabólicos de plantas e animais. Em situações normais, não é considerado um elemento potencialmente tóxico devido ao seu baixo teor tanto no solo quanto na água. “Aqui, avaliamos o potencial de contaminação do estuário do Rio Doce após o colapso da maior barragem de rejeitos de mina do mundo, resultando potencialmente em exposição crônica à vida aquática local e de humanos”, afirmam os pesquisadores no artigo.

O estudo mostrou que o alto conteúdo de manganês no fígado dos peixes é indicativo de exposição crônica ou aguda, dada a função do órgão no armazenamento, redistribuição e metabolismo de contaminantes. O metal também foi encontrado no tecido muscular dos peixes, o que representa um alto risco para a saúde humana da comunidade local porque os músculos são consumidos por humanos, como já demonstrado em trabalhos anteriores da Rede.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o consumo de alimentos é a principal via de exposição ao manganês para humanos, com a concentração média em fontes de proteínas básicas como carne bovina, aves e peixes.

Os pesquisadores alertam que a liberação contínua de manganês dos solos estuarinos levará ao seu acúmulo em outras espécies de peixes, caranguejos, plantas e ostras, todas importantes fontes de alimento para as pessoas da região. “Uma ingestão constante de alimentos com altas concentrações de manganês a longo prazo pode expor a população local a efeitos adversos à saúde humana como distúrbio neurodegenerativo, toxicidades cardiovasculares e danos ao fígado”, dizem no artigo.

Recuperação do estuário

Segundo o professor Bernardino, alguns estudos estão sendo efetuados no sentido de recuperar o estuário. “Nosso grupo está avaliando duas formas. Uma delas é o tratamento de solos com sulfato, o que pode fazer com que os metais se prendam ao ferro nos solos e não contaminem a fauna. A outra alternativa é o uso da taboa, uma planta herbácea que tem grande capacidade de acúmulo de metais”, afirma.

Texto: Sueli de Freitas
Imagem: Angelo Bernardino
Edição: Thereza Marinho

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