Política de planejamento familiar é analisada a partir de caso de esterilização compulsória

Para pesquisadora, o fato simboliza uma série de desrespeitos recorrentes à legislação. Foto: Vinicius Marinho/ Fiocruz
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– Por Vitor Guerra* –

Um artigo publicado por uma pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Política Social (PPGPS) questiona a execução da política de planejamento familiar no caso da esterilização compulsória de Janaína Quirino. A mulher foi submetida à laqueadura sem seu consentimento, realizada com base em uma decisão judicial, durante o parto, na rede municipal de saúde de Mococa (SP), em 2017. Corre na justiça um pedido de indenização de R$ 1 milhão.

O artigo Compulsory female sterilisation in Brazil: reproductive rights for whom? (em português, Esterilização compulsória feminina no Brasil: direitos reprodutivos para quem?), da doutoranda do PPGPS Leila Menandro, é fruto de sua pesquisa de doutorado-sanduíche no Centro de Relações Sociais da Universidade de Coventry, com orientação da professora Hazel Barrett. Publicado na revista Critical and Radical Social Work, o texto aborda os direitos reprodutivos e a Lei do Planejamento Familiar (LPF) no Brasil (nº 9.263/1996).

“No Brasil, o que instituiu o Planejamento Familiar foi a Constituição de 1988. A Lei do Planejamento Familiar tramitou por cinco anos e foi necessária muita pressão dos movimentos sociais, em especial o movimento feminista, para que fosse aprovada”, explica a pesquisadora, destacando a reação dos segmentos conservadores, contrários aos direitos das mulheres.

A pesquisa em conjunto é parte da parceria da Ufes com a Universidade de Coventry, com apoio do Programa Institucional de Internacionalização da Ufes (PrInt), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Com a publicação em língua inglesa, a pesquisadora espera chamar a atenção de mais leitores acerca da violência de gênero e do desrespeito aos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil. 

O caso

No artigo, Menandro e Barrett analisam o caso a partir de três notícias jornalísticas publicadas à época da esterilização coercitiva de Janaína Quirino. Para Menandro, o fato é emblemático porque reproduz uma série de excessos do Judiciário brasileiro e desrespeito à Constituição Federal de 1988 e à LPF. 

“O que chama a atenção, dentre os diversos absurdos que aconteceram ao longo do processo, é o fato de um promotor do Ministério Público solicitar uma laqueadura tubária e o juiz aceitar”, avalia Menandro. A LPF, no artigo 10º, determina que a esterilização em pessoas incapazes precisa de autorização judicial. “Janaína não era incapaz, ela respondia por si. Foram vários absurdos em todo o processo e tem o agravante de que a esterilização foi realizada no momento do parto, outra ilegalidade de acordo com a lei 9.263/1996”, completa.

A pesquisadora aponta, ainda, um debate moral, que envolve também questões de gênero e classe pelo fato de Janaína Quirino ser uma mulher pobre. “Colocaram Janaína como um sujeito que, mesmo respondendo por si, não teve seus direitos respeitados. O caso dela foi individualizado nas matérias dos jornais, mas temos de tratá-lo como uma questão que afeta muito mais mulheres no Brasil. Precisamos estar atentas de que a desigualdade social no país propicia a existência de um abismo entre as pessoas de classes sociais diferentes. Além da desigualdade social, as mulheres ainda sofrem com a desigualdade de gênero. Neste caso, a negação de um direito reprodutivo se configura como uma violência”, complementa Menandro. 

Direitos reprodutivos tensionados

A pesquisadora ressalta, ainda, que os direitos reprodutivos das mulheres são sempre tensionados no país e citou como exemplos a demora na aprovação das leis que dispõem sobre esses direitos, como a LPF e o projeto de lei que trata do atendimento ao abortamento nos casos previstos em lei, cuja tramitação no Congresso se iniciou  em 1991 e está parada desde 1997. Menandro cita, ainda, outras decisões que vão na direção contrária da proteção de mulheres, como a retirada da expressão “violência obstétrica” dos documentos oficiais.

A necessidade de evoluir nesse campo, segundo a pesquisadora, deve envolver o reconhecimento do direito das mulheres de controlar o seu próprio corpo e uma ampliação da compreensão da lei de planejamento familiar para além dos métodos de contracepção. “Infelizmente a gente vê a LPF reduzida à contracepção. Na verdade, o planejamento familiar, tal como é preconizado na Constituição de 1988 e na Lei 9.263/1996, envolve os vários elementos relacionados à formação de uma família (assuma ela qualquer formato), tais como o direito à moradia, ao trabalho, à renda, à saúde pública de qualidade, e o Estado é responsável por garantir isso.”

* Bolsista em projeto de Comunicação

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