Pesquisa da Ufes refuta hipótese de nova linhagem genética da tartaruga-de-couro

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Ghenis Carlos *

Análises realizadas no Laboratório de Genética e Evolução Molecular (LGEM) da Ufes, com o apoio do Núcleo de Biodiversidade Genética Luiz Paulo de Souza Pinto (Nubigen) – laboratório multiusuário da Ufes –, refutaram a hipótese de existência  de uma nova linhagem genética da tartaruga-de-couro  (Dermochelys coriacea). Uma das principais descobertas do estudo é a identificação de segmentos de DNA mitocondrial que migraram para o DNA nuclear (Numts) como um fator de confusão em análises genéticas anteriores de D. coriacea.

O trabalho na Ufes foi motivado pela informação de um grupo de pesquisa mexicano que propôs uma nova linhagem genética de tartarugas-de-couro com base em análise genética, história ambiental e conhecimento ecológico local, sugerindo a existência de duas possíveis espécies ou subespécies nas praias de Oaxaca, sul do México. 

Filhote de tartaruga-de-couro

Na Ufes, os pesquisadores avaliaram as evidências para essa linhagem proposta revisando a literatura taxonômica  – que trata da classificação e categorização dos seres vivos  – e dados genéticos adicionais. A análise capixaba indica que “as sequências divergentes, anteriormente associadas a uma nova linhagem de D. coriacea, são segmentos de DNA mitocondrial que migraram para o DNA nuclear (Numts) que podem ter sido amplificados erroneamente como DNA mitocondrial (mtDNA) verdadeiro”. 

“Diferenciar o mtDNA dos Numts é crucial para evitar interpretações errôneas em estudos genéticos. Os Numts, por serem fragmentos de mtDNA inseridos no genoma nuclear, podem ser confundidos com o mtDNA autêntico. Embora sejam muito parecidos, os Numts evoluem de forma diferente, pois os materiais genéticos do núcleo e da mitocôndria sofrem mutações em ritmos distintos. Essa diferença nas mutações é justamente o que permite identificar os Numts e distingui-los do mtDNA verdadeiro”, explica a coordenadora do estudo, a professora do Departamento de Ciências Biológicas da Ufes e pesquisadora do LGEM Sarah Vargas.

A pesquisa resultou na publicação de um artigo na revista internacional Scientific Reports, que integra o portfólio Nature, sendo o primeiro autor o pós-doutorando do LGEM Wesley Colombo.

Primer genético

Confundir o material genético do núcleo celular com o mitocondrial pode levar a interpretações equivocadas sobre a diversidade genética de espécies, comprometendo estratégias de conservação. Para resolver isso, os pesquisadores da Ufes desenvolveram um primer (iniciador genético) que identifica com precisão o mtDNA da tartaruga-de-couro, evitando a interpretação baseada nos Numts.

Primers são pequenas sequências de DNA usadas na técnica de PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), uma tecnologia que consiste na amplificação de uma região específica de DNA. O PCR ficou muito conhecido na pandemia de 2020 por ser uma técnica usada nos testes de covid-19. “Na prática, os primers funcionam como ‘marcadores’ que, preferencialmente, se ligam a pontos específicos do DNA para indicar onde a amplificação deve começar”, declara a bióloga responsável pelo Nubigen e coautora do artigo, Juliana Justino.

O primer desenvolvido é inovador porque foi criado para se ligar especificamente ao DNA mitocondrial da tartaruga-de-couro, evitando a amplificação de fragmentos semelhantes que estão no núcleo da célula. Isso garante a análise apenas do material mitocondrial verdadeiro.

Protocolo

Além do primer, a pesquisa capixaba propôs um protocolo geral para detectar Numts, que pode ser aplicado a qualquer espécie, reforçando a importância da precisão nos estudos genéticos. Uma análise precisa contribui para os esforços de conservação de espécies ameaçadas de extinção. Já a identificação incorreta de Numts como mtDNA pode levar a estimativas inflacionadas de diversidade genética e prioridades de conservação mal direcionadas, o que prejudica o enfrentamento de ameaças como a destruição de habitats.

“O protocolo foi desenvolvido justamente para evitar erros na interpretação de dados genéticos causados pelos Numts. E isso vai muito além das tartarugas-de-couro: ele pode ser aplicado a qualquer espécie, inclusive humanos, já que a presença desses fragmentos no DNA nuclear é comum em muitos organismos. A proposta é padronizar métodos que combinam técnicas laboratoriais e análises computacionais para garantir que apenas o DNA mitocondrial verdadeiro seja analisado. Isso é especialmente importante em pesquisas sobre diversidade genética, evolução e identificação de novas espécies, áreas em que a confusão com Numts pode levar a conclusões equivocadas”, explica Vargas.

A professora reforça: “o mais interessante é que esse estudo mostra como, na ciência, os detalhes fazem toda a diferença. Um pequeno fragmento de DNA no lugar errado pode levar a interpretações equivocadas, como pensar que surgiu uma nova espécie. Nosso trabalho vem justamente para evitar esse tipo de engano”.

Gigante marinho

A tartaruga-de-couro, a maior de todas as tartarugas marinhas, é uma espécie que pode ultrapassar dois metros de comprimento e pesar mais de 600 quilos. Apesar de seu tamanho imponente, essa gigante dos oceanos enfrenta sérias ameaças à sua sobrevivência. No Brasil, o único lugar em que o animal desova com regularidade é na região litorânea do norte do Espírito Santo, como as praias de Comboios e Povoação, no município de Linhares  – um fenômeno que atrai a atenção de ambientalistas e pesquisadores.

Financiamento

O estudo contou com o apoio financeiro da Fundação Renova, em cooperação com a Fundação Espírito-Santense de Tecnologia (Fest) e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes).

*Bolsista em projeto de comunicação

Edição: Sueli de Freitas

Imagens: Paula Rodrigues Guimarães

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