PARA ONDE VAI O CAPITALISMO COM A CORONACRISE?

Fabrício Augusto de Oliveira

Embora a economia mundial já apresentasse evidentes sinais de que caminhava para uma nova situação de crise, semelhante à do subprime, já que a recuperação registrada na década passada parece ter se apoiado, como tudo indica, novamente na formação de bolhas financeiras, devido à política de juros reais negativos predominante principalmente nos Estados Unidos e na Europa, o fenômeno do coronavírus apenas acelerou essa tendência e deu uma face distinta para a crise que se instalou no mundo neste ano.

A mesma não pode ser confundida, assim, como uma crise endógena do capitalismo, uma crise cíclica, que recria as condições para uma nova etapa de desenvolvimento, nem como uma crise decorrente da desregulamentação financeira, como a do subprime, que cria artificialmente uma riqueza que não encontra correspondência no mundo da produção, embora tendencialmente estivesse caminhando para essa situação, mas como uma crise econômica associada a uma crise da saúde, cujos efeitos e consequências são diferentes das crises clássicas.

Enquanto as primeiras podem ser enfrentadas com o manejo das políticas fiscal e monetária, seja por meio do aumento dos gastos do governo e/ou redução de impostos para fortalecer a demanda agregada, estimulando o consumo e o investimento, seja pela injeção de liquidez na economia e/ou pela compra de ativos do sistema bancário para salvar as instituições que foram muito além do que recomenda o bom senso em termos de alavancagem, a crise atual, além de apresentar outros ingredientes, que não constam dos manuais de economia, promete produzir um maior estrago do que a do subprime.

Por se tratar de um vírus facilmente transmissível, capaz de contaminar parcela expressiva da população, e encontrar os sistemas de saúde, em geral, despreparados e sem contar com recursos – financeiros, materiais e humanos – para atender a demanda exacerbadamente ampliada por seus serviços de atendimento, tornou-se consenso, entre os especialistas da área, que apenas o isolamento social – amplo ou seletivo – poderá conter sua disseminação e dar condições ao sistema de estruturar-se para evitar uma catástrofe maior.

Ora, para que o isolamento se tornasse possível, foi necessário determinar, de uma maneira geral no mundo, a interrupção de muitas atividades produtivas, ao mesmo tempo que essa decisão afetou, consideravelmente, várias áreas da economia, como a dos transportes públicos, das companhias áreas, do turismo, e reduziu, expressivamente, o campo de atuação dos trabalhadores informais, que representam uma parcela apreciável da força de trabalho, principalmente nas economias emergentes e subdesenvolvidas.

Essa paralisação “forçada” de atividades econômicas, que não se verifica nas chamadas crises clássicas, e, mais grave, por tempo indeterminado, por não se saber a duração da pandemia e nem quando essa poderá ser vencida, corresponde à introdução de um tumor altamente maligno no organismo econômico que rapidamente destrói seus mecanismos de defesa e o conduz à deterioração progressiva, como indicam as projeções feitas pelo FMI para a economia mundial.

De acordo com essa instituição, em seu relatório Perspectiva Econômica Global, apoiada na hipótese de que o problema do vírus tenha desaparecido no segundo semestre deste ano, a economia mundial deverá encolher 3% em 2020, a maior retração desde a década de 1930, com a Europa, a região mais atingida pelo vírus, e a América Latina, liderando este encolhimento.

Para a Zona do Euro, a projeção é de estonteante queda de 7,5% e, no Reino Unido, de 6,5%. Para os Estados Unidos, o Fundo prevê uma contração de 5,9%. Já para a América Latina, a previsão é de uma queda de 5,2%, com Argentina e Brasil, amargando uma contração superior a 5%, e, o México, de 6,6%. Há, de acordo com o relatório, expectativa de que a China possa crescer 1,2%, bem abaixo dos 6% previstos na projeção feita em janeiro, com o gradual retorno de suas atividades à normalidade no segundo semestre, e a Índia, 1,9%. São números que retratam o poder de destruição do vírus, já que em janeiro, o FMI trabalhava com a hipótese de uma taxa de crescimento global de 3%, mas que podem piorar ainda mais no caso de sua maior resistência à adotada no mundo para derrotá-lo.

A dimensão da crise econômica anunciada e a necessidade de salvar vidas e também empresas asfixiadas financeiramente com a paralisação de suas atividades, tem levado os economistas, incluídos os da ala ortodoxa, a falarem a mesma linguagem e a apontarem o Estado, algo inconcebível para os últimos em períodos de normalidade do sistema econômico, como o único agente em condições de atuar para este objetivo e para evitar o colapso total da atividade econômica, dificultando a recuperação após o fim da crise.

Para isso, as restrições antes postas à sua atuação desapareceram por parte de seus mais ferrenhos opositores, que o encaram como a “encarnação do mal”, passando a ser-lhe concedida licença para gastar mesmo que aumentando consideravelmente seus níveis de endividamento, e até mesmo, caso necessário, emitindo moeda, tal como ensinou John Maynard Keynes, em sua obra prima de 1936, A teoria do juro, do emprego e da moeda, assim como defende, na atualidade, a Moderna Teoria da Moeda (MMT, sigla em inglês).

Por isso, mesmo com orçamentos depauperados, destroçados pelo esforço que realizaram para, primeiramente salvar a economia da crise do subprime e, posteriormente, da crise da dívida soberana europeia, aos Estados, de uma maneira geral, foi-lhes atribuída a responsabilidade, nessa crise, de abrir os cofres para evitar que o mundo caminhe para uma nova Grande Depressão, como a ocorrida na década de 1930, o que tem levado a uma explosão de seus níveis de endividamento muito além dos limites aceitáveis pelo pensamento neoliberal.

Projeções feitas também pelo FMI, baseadas nas medidas iniciais adotadas pelos governos para combater a crise, indicam que a dívida pública no mundo deve crescer 13 pontos percentuais e corresponder a 96,4% do PIB mundial no final de 2020. As economias mais avançadas, que são as mais afetadas pelo vírus, devem ver a relação dívida/PIB subir para 122,4%, enquanto a dos Estados Unidos, aumentar mais de 20 pontos percentuais, saltando de 109% para 131,1%. Números que representam mais que o dobro dos limites aceitáveis para o endividamento dos governos pela teoria econômica ortodoxa.

Para as economias emergentes, que inclui a China, a previsão é de que o crescimento da dívida seja menor, mas ainda assim apreciável, de 10 pontos percentuais, saltando de 53,2% para 62%, enquanto na América Latina este avanço pode se dar com menor força, indo de 70,5% para 78%. No Brasil, de acordo com a sua metodologia de cálculo da dívida, que difere da empregada pelo banco central brasileiro, de 89,5% para 98,2% do PIB. O FMI deixa claro que, no entanto, tais projeções podem piorar no caso de a epidemia se prolongar por mais tempo do que se imagina e exigir medidas adicionais dos governos, o que, tudo indica neste momento, seja o mais provável.

O fato é que a crise do coronavírus, da qual ainda não se sabe quando o mundo escapará, trouxe uma nova realidade para o sistema econômico com o fechamento “forçado” de empresas e interrupção de suas operações e faturamento, exigindo a ação dos governos para salvá-las da bancarrota, assim como para salvar vidas humanas, jogando dinheiro nos sistemas de saúde e garantindo sua renda para o consumo, mesmo tendo, para isso, de ver explodirem seus níveis de endividamento. Sabe-se, por tudo isso, que a recuperação será lenta e demorada por que a economia terá de ser reerguida sobre os escombros causados por essa crise, mas permanece a incógnita de qual pensamento prevalecerá, após seu término, que pode gerar melhores frutos para o futuro do capitalismo, para definir a melhor estratégia a ser seguida no tocante à solução dos problemas que foram com ela criados, incluindo o do aumento do endividamento dos Estados.

Se predominar a proposta que vem sendo defendida pelo pensamento neoliberal de que, superada a crise, deve-se promover severos ajustes nas contas públicas, a recessão não deixará tão cedo o cenário, com uma parcela expressiva da população empobrecida, sem emprego e renda, podendo-se desencadear conflitos sociais incontornáveis. Mas se, por outro lado, prevalecer o bom senso, como ocorreu na crise da década de 30 do século passado e após a Segunda Guerra, de que parte dessa dívida, que nada mais é que a riqueza financeira privada, deve ser desvalorizada ou paga com a cobrança de um imposto extraordinário sobre os ricos, então restará a esperança de que o sistema possa ser reconstruído, com maior justiça e solidariedade.

 

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