“O que deve vencer sempre é a competência”, diz professora Cristina Engel

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“A mulher está sentada na última fileira da enorme plateia, buscando algo em sua bolsa. Mesmo sentada, é perceptível se tratar de uma mulher alta, de postura elegante, longas pernas e grandes olhos. Concentrada na busca, não percebe um homem aproximar-se e sentar-se ao seu lado, com um copo na mão.

Na sala ao lado acontece um coquetel e todos estão sendo chamados a entrar na sala de conferências. Ele logo inicia uma conversa, já com adjetivos pejorativos e preconceituosos em relação à palestrante que em breve subiria ao palco e que ele, certamente, não conhece. Ela percebe que o homem está levemente alterado e procura afastá-lo, porém sem sucesso.

Sentindo-se totalmente à vontade, o homem, então lhe faz elogios inconvenientes, ao mesmo tempo que continua tecendo comentários preconceituosos sobre a autoridade que iria proferir a palestra, utilizando termos como ‘essa mulherzinha’, ‘o que ela teria a nos ensinar?’ e comentários ainda mais ofensivas como ‘ela deve ter um caso com um militar importante para estar aqui’.

Ao sinal de espanto da interlocutora, o homem ainda pergunta: ‘desculpe-me, é sua conhecida? Seria parente sua?’. O momento constrangedor é interrompido pelo mestre de cerimônias que inicia o evento, chamando a atenção de todos e anunciando a ilustre convidada. Como de praxe, o anfitrião tece uma série de comentários elogiosos, descrevendo os títulos, as publicações, os prêmios e as homenagens recebidas pela convidada. O homem faz uma expressão de deboche, como se estivesse falsamente impressionado. Ao fim da descrição, o mestre de cerimônias pede que a convidada suba ao palco. Para espanto do inconveniente espectador, a mulher pega o passador de slides que buscava na bolsa, levanta-se e comenta: ‘Não, a Dra. Cristina não é minha parente: ela sou eu’. Dirige-se ao palco em passos firmes, sendo aplaudida por uma plateia lotada e entusiasmada. Ao chegar ao palco, vira-se para a audiência e percebe, satisfeita, que o desagradável homem sumiu.”

Essa é uma história verdadeira descrita pela professora Cristina Engel de Alvarez, do Departamento de Arquitetura da Ufes. Confira abaixo outros desafios vivenciados pela pesquisadora.

As pesquisas a respeito de condicionantes para edificações em ambientes extremos ajudaram a professora Cristina Engel de Alvarez no projeto de construção e reconstrução da Estação Antártica Comandante Ferraz

 

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Tipos de preconceito

“Acredito que é importante ‘classificar’ as formas de ação preconceituosa, ou seja, aquelas que acontecem de forma direta, em que é facilmente perceptível quem é o agressor e a agredida; e a indireta, que muitas vezes é tão ou mais ofensivo que a direta. Acho que é esse preconceito sutil o que mais me atinge ou atingiu ao longo da carreira. Por exemplo, é mais comum do que se imagina aquela cena em que um homem e uma mulher – de mesmo nível hierárquico e de formação – vistoriam uma obra, e o encarregado se dirige somente ao homem, pressupondo que mulher não entende do assunto.

Muitas vezes, essa mesma situação acontece em reuniões de trabalho em ambientes caracteristicamente masculinos – como no meio militar, por exemplo – em que os aspectos levantados por uma mulher são tratados como de menor importância. Se a mulher for jovem e, eventualmente, de boa aparência, a situação pode ficar ainda pior, com sorrisinhos e gestos recheados de malícia, porém que parecem, num olhar externo, ações de gentileza.

Existem ainda os preconceitos que se confundem com crenças. Como tenho que embarcar em navios – civis e militares – para desenvolver algumas das minhas atividades de pesquisa, não foram poucas as vezes que ouvi que ‘mulher a bordo dá azar’ fazendo com que as viagens ficassem, de fato, bastante desagradáveis.

Porém, há também um outro lado nessa história de viagens, em que a condição da mulher embarcada, muitas vezes, gera uma situação privilegiada, seja nas acomodações, seja em situações de emergência. E ainda falando de navios, não se pode também deixar de mencionar o preconceito da mulher com outra mulher. Foram muitos os ‘olhares enviesados” que recebi nos portos, quando esposas ou namoradas de oficiais embarcados me olhavam com desdém. Nas minhas primeiras expedições à Antártida, depois de passar 30 ou 40 dias fora de casa, essa ‘recepção’ era bastante dolorida…

Já passei por várias situações curiosas também, como a história contada no início. Acho que foi nesse momento que percebi que minha luta teria de ser, sempre, permeada de alguma inteligência e recheada de bom humor!

Também já senti o preconceito por ser mulher e latino-americana em alguns eventos internacionais e acredito, embora seja somente uma percepção, que alguns avaliadores de grandes projetos, quando se deparam com propostas tendo como coordenadores homens europeus ou mulheres latino-americanas, tendem para a primeira opção.”

Equipe

“A maior parte da minha equipe, atualmente, é composta por mulheres, mas provavelmente porque as mulheres, atualmente, também são o maior universo no âmbito da Arquitetura. O tema é lidado com bom humor na equipe, quase sempre envolvendo também os rapazes. Não há tratamento diferenciado, seja para um lado seja para outro.”

Cargos de chefia

“Tenho 30 anos de carreira como pesquisadora e, nesse tempo, não foram poucos os enfrentamentos. Com a maturidade, também aprendi a ter orgulho de ser mulher e sei que não preciso me esconder atrás do estereótipo que se espera da denominada ‘mulher cientista’ para demonstrar capacidade. Sou vaidosa, sorrio com facilidade e adoro ganhar flores! Isso em nada me diminui como a pesquisadora que sou.

É indiscutível que existe o preconceito em relação à condição da mulher, especialmente em cargos de chefia ou coordenação. Acho que o preconceito velado, aquele que mencionei no início, é o pior deles, pois não há legislação ou instrumentos semelhantes que permitam o seu efetivo controle.

No entanto, confesso que cada pequena vitória sobre essas atitudes foi exaustivamente comemorada e percebi que, com alguma inteligência, também era possível fazer com que esse tipo de ação fosse anulada ou até mesmo revertida a meu favor. Acredito que, no final das contas, o que tem vencido e o que deve vencer sempre é a competência.”

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