Pesquisadora aponta desafios dos Direitos Humanos nos 70 anos da Declaração Universal

Grades da entrada da Penitenciária Feminina de Cariacica
Documentário C(Elas), dirigido pela professora Gabriela Santos Alves (Comunicação), abordou a maternidade na Penitenciária Feminina de Cariacica. Foto: Reprodução / C (Elas)
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– Por Ana Paula Vieira e Lidia Neves –

Segundo a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ufes, professora Brunela Vieira de Vincenzi, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é considerada um marco histórico na luta pelos direitos humanos pois positivou normas que não estavam escritas. “As Constituições do México, de Weimar, já previam isso; havia algumas normas na Inglaterra, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa, a Constituição norte-americana, mas tudo muito esparso”, explicou.

A professora ressalta que o documento é chamado “universal” pois ampliou o alcance dos direitos para o mundo inteiro. Para ela, a Declaração tem um conteúdo genérico e mínimo, mas que promove a garantia de uma coleção de direitos humanos. O contexto pós Segunda Guerra Mundial envolvia a necessidade de impedir que a barbárie acontecesse novamente: “A gente vê que era uma resposta da sociedade, principalmente ao que ocorreu nos campos de concentração, o extermínio dos judeus, ciganos, homossexuais; e uma esperança muito grande de que aquilo não se repetisse”, analisou a professora.

Do ponto de vista do Direito, Brunela explica que atualmente a Declaração é aceita como um documento vinculante, incorporado pela maioria dos países. Mas inicialmente, os 50 países membros da ONU que a aprovaram não tinham obrigação de cumpri-la. Paulatinamente, o texto da Declaração foi se tornando quase um capítulo das constituições pós-guerra. “Nós aqui no Brasil incluímos integralmente no artigo 5º da Constituição em 1988.”

Professora de Direito Brunela Vicenzi e fundo com livros
A violência doméstica, a questão penitenciária e o direito ao ambiente sustentável ainda são desafios, segundo a professora. Foto: Lidia Neves/Ufes

Desafios

A partir da Constituição, novas leis relativas a esses direitos foram criadas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, o Estatuto dos Refugiados, a Lei Maria da Penha e o novo Código Civil. Mas o Brasil ainda tem desafios a enfrentar. “A regularização fundiária e da posse de propriedades nas comunidades é um grande problema do Brasil. Há muita gente em favelas e comunidades sem direito à posse ou à propriedade”, diz a professora, que também destaca as discussões sobre gênero: “Tem uma previsão de igualdade entre homens e mulheres, mas não tem uma norma mandando pagar salários iguais. E a igualdade deve ser em todos os níveis, como a representatividade no parlamento, por exemplo”.

No Espírito Santo, Brunela considera que os problemas mais graves de violações de direitos humanos são a violência doméstica, a questão penitenciária e o direito ao ambiente sustentável. Em 2017, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo expediu 8,5 mil medidas protetivas para mulheres vítimas de agresões. No primeiro semestre deste ano, foram 4,2 mil. A professora lembra do caso Araceli, a menina que foi raptada, violentada e morta em Vitória em 1973, e que motivou a criação do Dia de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. O processo foi arquivado pela Justiça e ninguém foi punido.

Em relação à situação prisional, Brunela cita o caso emblemático que ficou conhecido como “masmorras capixabas”, episódio denunciado pelo então presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Sérgio Salomão Shecaira, após visita ao estado em 2009. Shecaira relatou a superlotação de cadeias, com casos de detentos presos em contêineres sem banheiros. Seu relatório resultou no pedido de intervenção federal no estado e também motivou uma denúncia à ONU e acusação na Corte Interamericana. “O Espírito Santo é condenado [na Corte] e, depois de quase 10 anos, nós temos outras acusações em andamento contra o Estado por violações de direitos humanos no sistema socioeducativo”, analisa Brunela.

Quanto ao direito ao ambiente ecológico sustentável, a professora reflete sobre a questão da poluição no Estado. “Há um conflito evidente entre o desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas. E nós temos o direito a uma vida digna, com saúde. A água potável, por exemplo, é um direito humano”, lembra Brunela.

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Direitos humanos na Universidade

Na Ufes, projetos de pesquisa e extensão têm abordado questões relativas aos direitos humanos. Um exemplo recente foi a criação da Rede Ufes-Rio Doce, a partir da tragédia de Mariana, cidade mineira atingida pelo rompimento de uma barragem da Mineradora Samarco, ocorrida em 5 de novembro de 2015. A partir das primeiras notícias sobre o caso, vários pesquisadores da Universidade se reuniram para em um espaço permanente de intercâmbio de estudos, discussões e ações relativas à reparação e à compensação dos estragos sociais, ambientais, culturais e econômicos provocados pelo rompimento da barragem.

Outra ação encampada pela Ufes é a parceria firmada com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), que trouxe a instalação da Cátedra Sérgio Vieira de Mello. O objetivo é promover e difundir o Direito Internacional Humanitário, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e, em especial, o Direito Internacional dos Refugiados que se encontrem sob a proteção internacional do Governo do Brasil, bem como desenvolver atividades que objetivem a incorporação da temática do refúgio na agenda acadêmica da instituição. O tema também foi incorporado pela extensão neste projeto e em outros.

Além das iniciativas acadêmicas, o Gabinete da Reitoria da Ufes criou, em 2015, a Comissão Permanente de Direitos Humanos da instituição, que tem a missão de promover e garantir esses direitos na Universidade. A professora Brunela explica que a ideia é “ter um local permanente de reflexão sobre o tema da violação de direitos humanos dentro da universidade. Um lugar para refletir sobre violações pela instituição, dentro da instituição ou entre pessoas da instituição”. Ela também esclarece que o espaço não é um centro de denúncia, papel exercido pela Ouvidoria, mas é um lugar destinado a pensar medidas preventivas e de informação.

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