Ciência e tecnologia qualificam a produção de cacau

Fonte: Pixabay
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– Por Luiz Vital –

O Espírito Santo é o quarto maior produtor de cacau do país e conta com certificados e prêmios internacionais para o chocolate fabricado a partir da matéria-prima. Pesquisas realizadas na Ufes buscam otimizar o processo de produção, mantendo sua alta qualidade.

Assim como o inhame de São Bento de Urânia (no município de Alfredo Chaves), o socol de Venda Nova do Imigrante, a panela de barro produzida no bairro Goiabeiras (em Vitória) e o mármore extraído em Cachoeiro de Itapemirim, o cacau de Linhares, no norte do Estado, possui o Certificado de Indicação de Procedência Reconhecida (IP). Este importante selo de qualidade, atribuído pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), confere reputação à região que produz um bem ou serviço. Quarto produtor nacional, o Espírito Santo estende sua cacauicultura para outros 30 municípios. O município de Linhares, sozinho, é responsável por 90% da produção regional. E, para agregar mais valor ao cacau e elevar a sua produtividade, a indústria do chocolate aposta no desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica.

O IP foi concedido à Associação dos Cacauicultores de Linhares (Acal) em 2012. Para manter a certificação e a competitividade no mercado internacional, é necessário que sejam desenvolvidos processos de inovação tecnológica em todas as etapas do processo produtivo, especialmente na fase de secagem. Novos métodos, como a secagem de convecção artificial, buscam evitar riscos de contaminação física e microbiológica das amêndoas de cacau e proteger o fruto às variações climáticas, que podem interferir no processo.

Uma das recentes pesquisas desenvolvidas na Ufes, finalizada em 2018, estuda a utilização de equipamentos para a secagem artificial, buscando eficiência energética, de modo a otimizar estruturalmente os processos em termos de economia, além de possibilitar mais valor agregado ao produto, mantendo a sua qualidade. Outro estudo, concluído no ano anterior, desenvolve ferramentas para o melhoramento genético do fruto. E os efeitos começam a surgir: o cacau produzido em uma propriedade rural de Linhares foi escolhido, em 2017, como um dos 18 melhores do mundo no Salão do Chocolate, em Paris, e classificado com o certificado Cacau de Excelência.

Manjar dos deuses

De acordo com dados do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), a cacauicultura do Estado ocupa uma área cultivada de 23.672 hectares, com produção anual de cerca de 5,5 mil toneladas de amêndoas. A denominação científica que o cacau recebeu é Theobroma cacao, cuja tradução literal é “manjar dos deuses” ou “alimento dos deuses”.

Relatos históricos indicam que colonizadores espanhóis encontraram o fruto quando desembarcaram na América Central por volta de 1520 e o levaram para a Europa. Em em meados dos anos 1600 surgiu a primeira fábrica de chocolates na França. Daí em diante, o plantio do cacau se espalhou pelo mundo, sobretudo na América do Sul e na África.

O cacau é tradicionalmente cultivado em sistema denominado cabruca, que é uma técnica de cultivo sustentável em que a cultura da planta se intercala com estratos florestais, e por isso é chamada de planta ecológica. De acordo com a Organização Internacional do Cacau (ICCO), cerca de 90% da produção mundial ocorre em pequenas propriedades rurais e prioritariamente em áreas de preservação permanente. No Espírito Santo, a produção ocorre há cerca de 100 anos e se dá principalmente em áreas preservadas de Mata Atlântica.

As principais etapas do processamento são: colheita, quebra dos frutos, fermentação e secagem das amêndoas. No Brasil, o método de secagem mais tradicional é o espalhamento das amêndoas pelo chão, em piso de concreto, ou suspenso em bandejas expostas à luz solar.

A amêndoa do cacau é matéria-prima para a indústria do chocolate. O Brasil chegou a ocupar o segundo lugar do mundo na produção do fruto, entre as décadas de 1970 e 1980. Na década seguinte, a doença conhecida como vassoura de bruxa destruiu cerca de 60% das plantações. Em 2016, o Brasil ocupava o sexto lugar da produção de cacau no ranking da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Além do uso na fabricação de chocolate, do fruto também podem ser feitos sucos, manteiga de cacau, mel, geleias, álcool, vinagre, vinho e licores. O cacau pode ter aproveitamento total, já que as cascas servem para fabricar fertilizante orgânico ou ração animal.

Pesquisas apontam que suas sementes e a polpa são ricas em vitaminas e minerais, e excelentes antioxidantes. “Com o uso de novas técnicas obtidas em estudos, é possível a maior exploração do fruto, proporcionando a sua utilização em outras áreas da alimentação e de cosméticos”, diz a pesquisadora da Ufes Daniele Freisleben Lavanhole.

Em busca da qualidade genética

Estudos desenvolvidos por Daniele Lavanhole objetivam identificar as características dos frutos e sementes de cacaueiro. A pesquisa vai auxiliar os programas de melhoramento genético do fruto, na seleção de materiais com alta produtividade e com resistência a doenças. A pesquisa, desenvolvida no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Agricultura Tropical (PPGAT), do Centro Universitário Norte do Espírito Santo (Ceunes) da Ufes, tem como título “Análise de diversidade genética eecofisiologia de germinação de Theobroma cacao L”.
Para se obter um produto de qualidade que atenda as exigências do mercado, Daniele diz que é preciso dominar a técnica de escolher a variedade genética adequada, antes do plantio. “Quando se fala em cacau de qualidade, é preciso levar em consideração diferentes fatores, da escolha do genótipo até a sua colheita.” Ela explica que a seleção do genótipo deve se basear em sua produtividade e na sua resistência às principais doenças da lavoura cacaueira. “Outros fatores como poda, análise de solo, irrigação, época de colheita do fruto e beneficiamento das sementes também devem ser considerados”, acrescenta.

O estudo possibilitou à pesquisadora identificar exemplares com melhor desenvolvimento para a produção de mudas. “A escolha de materiais promissores, que são altamente produtivos, resistentes às principais doenças do cacaueiro e de fácil manejo, é fundamental para uma colheita rentável”, diz.

A pesquisa avalia, também, a interação do genótipo com temperaturas e períodos de secagem na germinação, e com o desenvolvimento pós-germinativo do cacaueiro, auxiliando a identificação de materiais que sejam mais adaptados às adversidades ambientais.

Processo germinativo

Os frutos dos diferentes genótipos de cacaueiro, de acordo com os estudos, possuem grande variabilidade morfológica e de coloração, dependendo do estágio de maturação. “A forma do fruto, o tamanho e a cor são importantes ferramentas para a identificação dos genótipos – composição genética do fruto – por serem de fácil constatação e visualização, com alta herdabilidade (coeficiente que mede a variabilidade e valor genético) e por sofrerem pouca variação ambiental”, ressalta.

Daniele Lavanhole salienta que o seu trabalho é uma ferramenta para os melhoristas genéticos. “Na pesquisa, eu apresentei os frutos e sementes com melhores atributos, e os genótipos com processos germinativos mais efi cazes para o desenvolvimento de mudas com qualidade genética superior”, destaca.

O processo germinativo do cacau, segundo a pesquisadora, é regulado por vários fatores ambientais como umidade, oxigênio, temperatura, luz e nutrientes. A germinação de sementes é o primeiro estágio do biociclo vegetal, que se inicia com a embebição de água pela semente e culmina com a protrusão radicular – movimento que provoca a pressão da raiz e faz a planta crescer.

Daniele explica que o processo de germinação pós-colheita, que ocorre devido ao elevado grau de umidade do fruto, não é favorável à produtividade. “As sementes de cacaueiro são classificadas como recalcitrantes, ou seja, possuem elevado teor de umidade, o que favorece a germinação ainda dentro do fruto. Isso tem se tornado um grande problema para os cacauicultores, porque sementes germinadas não podem ser utilizadas no beneficiamento do cacaueiro”, observa. Originário dos trópicos, o cacaueiro se adapta bem em regiões com temperaturas médias superiores a 21°C. Nos meses mais frios do ano pode ocorrer injúria nas sementes, resultando em um produto final de qualidade inferior. O cacau é uma planta que necessita de precipitações pluviométricas superiores a 1.300 milímetros anuais, caso contrário é necessária irrigação.

Produção capixaba

No Espírito Santo, o cacau é produzido principalmente em pequenas propriedades localizadas na região do Baixo Rio Doce, onde também há a presença de grandes cacauicultores. O clima tropical da região justifica a elevada produtividade, com clima considerado do tipo tropical, quente úmido, com chuvas no verão e inverno seco. O índice pluviométrico da região é de 1.193 mm/ano e a temperatura média é de 23,4ºC, com a máxima de 32ºC e a mínima de 19,6ºC, que são ideais.

Daniele, porém, aponta que há muito a ser melhorado. “Dentre os principais fatores que dificultam a produção no Estado estão as doenças, os plantios antigos e com baixa densidade de plantas por hectare, o manejo inadequado da cultura e o tipo de genótipo utilizado”. Para a pesquisadora, a escolha do genótipo é determinante desde a implantação da lavoura até o beneficiamento das sementes, incluindo a resistência a enfermidades.

Segundo ela, a realidade atual de muitas lavouras facilita o avanço de diversas doenças, entre elas a vassoura-de-bruxa, comprometendo a produtividade. “Ainda não existem produtos fitossanitários que sejam efi cientes no combate à doença. Os cacauicultores adotam medidas profiláticas como a retirada de galhos com a doença. Às vezes, retiram a planta inteira e, dependendo do grau de infestação, toda a lavoura é derrubada”, explica Daniele.

Os métodos tradicionais ainda utilizados em pequenas propriedades do Espírito Santo são adequados, segundo a pesquisadora. “Desde que sejam executados com todas as precauções necessárias, atendendo a todas as exigências para cada etapa do processo de produção, como colheita, transporte, fermentação, fermentação microbiana, fase alcoólica, fase acética, secagem, teste de corte e armazenamento, para que o produto tenha qualidade elevada”, assinala. Mas ela avalia que a adoção de novas tecnologias de produção melhorariam a relação custo-benefício para o agricultor.

Acervo pessoal
Graduada em Ciências Biológicas pela Ufes e mestre na área de Produção Vegetal também pela Universidade, Daniele Freisleben Lavanhole desenvolveu sua pesquisa no PPGAT do Ceunes/Ufes. O seu projeto foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e recebeu apoio da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).

Eficiência energética com qualidade

Outra pesquisa busca obter a eficiência energética na indústria do chocolate. Em seu mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Energia (PPGEn), do Centro Universitário Norte do Espírito Santo (Ceunes) da Ufes, Rodrigo Mazolini Imberti estudou a secagem artificial de amêndoas de cacau, com otimização estrutural do processo de beneficiamento para preservação da qualidade do fruto. Os experimentos buscaram obter a maior eficiência energética em um secador de amêndoas do tipo túnel de vento, mantendo qualidade do produto.
Após os experimentos, o pesquisador conseguiu quantificar os compostos fenólicos presentes nas amêndoas com atividade antioxidante satisfatória. Ele observou que, dos regimes de modulação de temperatura utilizados, a que apresentou maior eficiência é a variação da temperatura degrau abaixo – step down –, alcançando menor tempo de secagem e maior preservação de compostos fenólicos. “Utilizando o regime step down, foi possível obter melhor eficiência energética, apresentando menor tempo de secagem comparado com outros regimes para a mesma velocidade do ar de secagem”, explica Rodrigo Imberti.

Ele aponta que o trabalho desenvolvido na área de secagem pode ser ampliado para processos semelhantes com outros alimentos, e para outros secadores, porque aborda as modulações de temperatura – função degrau – com o tempo. Essas combinações resultam em eficiência energética e qualidade de amêndoas secas de cacau, proporcionando o melhor sabor e aroma dos produtos derivados do cacau, como o chocolate e outros.

Eficiência energética

Alternativas tecnológicas para processos de secagem mais econômicos e sustentáveis são testadas em fazendas do Estado. “Existem propriedades que utilizam a secagem com estufas em leitos suspensos, para se evitar o contato da amêndoa diretamente com o solo. Essa estufa pode ter a ventilação controlada e é uma forma que tem se mostrado bastante viável. No entanto, ela depende das condições climáticas”, explica o pesquisador. Outros secadores artificiais também contribuem para uma maior independência das condições climáticas e aumento da qualidade das amêndoas.

Nas fazendas cacaueiras visitadas no Espírito Santo e na Bahia, Imberti constata que nenhuma eliminou a secagem solar. Ele diz ser possível que os métodos tradicionais convivam com novas tecnologias, como secadores a lenha customizados que não deixam a fumaça entrar em contato com as amêndoas, ou secadores com aquecimento por meio de resistores elétricos, sem risco de contaminação das amêndoas. Em seus estudos, Imberti busca aumentar a qualidade do produto, com redução do consumo energético. Ele explica que geralmente, na busca por excelência, gasta-se mais energia.

Novos estudos podem melhorar a eficiência energética nas diferentes formas de secagem, de acordo com Imberti, como por exemplo o dimensionamento de um secador adequado que combine a energia elétrica com outras fontes térmicas, como a solar. Nos experimentos do pesquisador e em dados coletados por ele na literatura, foi observado que, no geral, a economia atinge o ponto mais alto no início da secagem, pois nessa fase há apenas a umidade é eliminada, é preciso fornecer mais energia para retirar a umidade interna das amêndoas de cacau, por meio do aumento da temperatura.

Transformações bioquímicas

Entre as vantagens dos secadores artificiais, o pesquisador destaca “a diminuição do tempo de secagem, que pode ser reduzido a algumas horas, porque há o controle da temperatura e da velocidade do ar secante”. Imberti aponta também que há secadores que usam o resfriamento para retirar a umidade do ar, e depois é feito o aquecimento, com um equipamento denominado “bomba de calor”. Apesar dos benefícios de controle desse secador, ele apresenta elevado consumo energético.

Já a secagem solar tradicional tem vantagens como a sua fácil implementação nas fazendas, por não demandar investimentos significativos, e por não necessitar de energia elétrica e de nenhum tipo de combustível. Por outro lado, “a qualidade das amêndoas pode ser comprometida, já que em dias de chuva há o risco de contaminação física, química e biológica”, analisa. Ele também destaca a necessidade elevada de mão de obra para a manutenção das amêndoas nas barcaças de cacau e nos processos de revirar, ensacar e despejar as amêndoas diariamente.

Para o pesquisador, as alterações das amêndoas de cacau podem impactar a qualidade do produto final. “Antes da etapa de secagem, geralmente, vem a de fermentação das amêndoas, em que ocorrem transformações bioquímicas significativas que conferem o sabor e aroma desejados para determinados produtos de cacau, principalmente o chocolate”, explica. “Essas transformações continuam na etapa de secagem, considerando que algumas formas de beneficiamento excluem a fase da fermentação, para conferir maior concentração de compostos fenólicos”, acrescenta.

Acervo pessoal
Rodrigo Imberti estudou métodos alternativos de secagem das amêndoas de cacau

Referência mundial

De acordo com Rodrigo Imberti, o beneficiamento do cacau começa após a colheita de frutos maduros e saudáveis e segue na ruptura dos frutos, que depois são conduzidos para o processo de fermentação. Em seguida, vem a secagem, pelo método tradicional ou artificial – em secadores elétricos, caldeiras a vapor ou estufa solar. Depois vem o armazenamento e, na sequência, a comercialização direta ou a produção de derivados de cacau na própria fazenda.

Nas fazendas de cacau, sobretudo em pequenas propriedades, prevalece o conhecimento empírico no beneficiamento do fruto. Imberti avalia que a indústria muitas vezes não acompanha os processos tradicionais nas pequenas propriedades. “Salvo em casos especiais em que são feitas parcerias com algumas fazendas cacaueiras. Geralmente, os produtores vendem suas amêndoas para cooperativas ou atravessadores, e esses, por sua vez, comercializam para as indústrias.”

Para o pesquisador, o cacau produzido no Espírito Santo tem se destacado entre os melhores do mundo devido à qualidade do seu produto. “Os prêmios nacionais e internacionais que tem recebido são muito representativos para o cacau capixaba, e significa que é preciso manter esse padrão e elevar sua qualidade para que se mantenha bem posicionado no mercado”, ressalta.

O trabalho final de mestrado de Rodrigo Mazolini Imberti, “Estudo da secagem artificial de amêndoas de cacau visando ao aproveitamento na indústria de chocolate – otimização estrutural do processo e eficiência energética”, foi desenvolvido com bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e apoio da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), que cedeu os frutos para os experimentos. Imberti foi orientado pelo professor Leonardo da Silva Arrieche e coorientado por Paulo Sergio da Silva Porto.

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