–Por Laís Santana–
No Centro de Educação da Ufes, dois grupos estudam a inclusão no ambiente escolar. Para especialista, o ingresso na escola desde a educação infantil é fundamental para conhecer as particularidades do aluno com necessidades especiais.
A Constituição de 1988 assegura ao brasileiro o direito à educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade. No que se refere ao nível de ensino da educação infantil, é ofertado o atendimento em creches e pré-escolas às crianças de até 5 anos, incluindo aquelas com necessidades educacionais especiais. A atual organização do atendimento a este público foi regulamentada em 2008, com a publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-EI), e por meio de normas legais promulgados posteriormente, como a Resolução no 4/2009 e o Decreto no 7.611/2011.
Um dos desdobramentos da referida política foi a criação das salas de recursos multifuncionais, para complementar ou suplementar a formação dos alunos. O atendimento realizado nesse espaço é oferecido no turno oposto ao da matrícula regular do estudante, e funciona com o trabalho colaborativo entre o professor de educação especial e o professor regente nas escolas. Mesmo assim, percebem-se muitas lacunas, sobretudo no quesito da inclusão: ainda é um desafio operacionalizar o atendimento educacional especializado, a fim de garantir o acesso, a permanência e a apropriação dos conhecimentos por parte desses alunos.
Dois grupos de pesquisa do Centro de Educação da Ufes se ocupam de analisar e problematizar a organização da educação brasileira para o público da educação especial: são o Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Especial (Neesp) e o Grupo de Pesquisa em Infância, Cultura, Inclusão e Subjetividade (Grupicis, com foco na interface entre educação especial e educação infantil), fundados em 1996 e 2010, respectivamente. Tanto o Neesp quanto o Grupicis são coordenados pela professora Sonia Lopes Victor, que também leciona no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE).
As pesquisas na área de educação especial na Ufes iniciaram-se em 1992, por meio da formação do Grupo Emergente em Educação Especial, com participação de docentes dos campi de Goiabeiras, Maruípe e Alegre. No ano seguinte, foi criado o Laboratório de Estudos em Educação Especial, um projeto experimental que visava atender a alunos do sistema público estadual de ensino com possível diagnóstico de deficiência intelectual.
“Percebemos que, se os estudantes do projeto conseguissem aprender e se apropriar do conhecimento regular por meio dessa complementação, eles tinham mais chance de retornar à situação de ensino comum”, lembra a professora Sonia. A coordenadora explica ainda que os estudos atuais priorizam um diagnóstico social da deficiência intelectual, e não mais biológico. “Se a escola observar e atender as demandas [de quem tem comprometimento intelectual], o aluno tem muito mais condições de se desenvolver e aprender do que se a instituição reconhecer o comprometimento e não investigar. Esse era o objetivo do Laboratório à época, o de reintegrar o aluno ao sistema regular e ensino numa sala de aula comum.”
Tal entendimento foi adotado na Declaração de Salamanca, da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1994, e, no Brasil, passou a compor a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) em 1996. Nessa esteira, o projeto do Laboratório passou a desenvolver ações permanentes de ensino, pesquisa e extensão e foi incluído no Neesp a partir de março de 1996. Com essa nova perspectiva de inclusão escolar, as pesquisas deixaram de focar a adaptação dos alunos na escola e passaram a enfatizar a adequação das escolas brasileiras e a formação de professores regentes para a educação especial.
A partir do trabalho interdisciplinar do Neesp e do Grupicis, foi possível construir novos conceitos para alunos da rede pública com necessidades educacionais especiais. As iniciativas contam com a participação de outros grupos credenciados ao Neesp, formados por professores do ensino superior da Ufes e do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) federal, além de alunos da graduação e da pós-graduação, bem como profissionais voluntários da educação básica.
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Pesquisas
Atualmente, o Grupicis estuda o acesso, a permanência e a apropriação do conhecimento dos estudantes com necessidades especiais na educação infantil. Os pesquisadores discutem a superação do modelo clínico nos processos educacionais, as inovações de práticas médicas, a estimulação precoce na educação especial (para potencializar o desenvolvimento neuropsicomotor) e a necessidade de expansão do atendimento educacional especializado a crianças de 0 a 3 anos, uma faixa etária ainda pouco atendida. Além disso, o estudo também problematiza a situação de crianças que, a princípio, não possuem deficiência intelectual, mas são classificadas nessa condição visando ao atendimento de suas demandas de aprendizado.
Desde 2010, pesquisadores da Ufes integram o Observatório Nacional de Educação Especial (One-esp), que desenvolve estudos integrados sobre políticas públicas e discute as práticas direcionadas à inclusão escolar na realidade brasileira, com a participação de pesquisadores de 16 estados. Um dos temas investigados é a implantação da sala de recursos multifuncionais nas escolas brasileiras desde 2011.
“Aqui no Espírito Santo, tivemos dois grupos de pesquisa envolvidos nesta investigação com 11 municípios. Tivemos diversos encontros com professores de escolas com educação especial para entender nossa realidade na educação comum”, conta Sonia. O estudo permeou três eixos: o atendimento educacional especializado, que é representado pelas salas de recursos multifuncionais; a questão da avaliação desse público; e, por fim, a formação de professores. Atualmente, o Observatório sistematiza o conjunto de dados apurados em todo o Brasil.
O problema sistemático
O motivo pelo qual crianças atendidas pela educação especial não cultivaram o costume de permanecer no processo de escolarização nas décadas passadas tem raízes históricas mais profundas. Esse público não era incentivado a continuar os estudos, os quais ficavam a cargo de instituições especializadas. “Quando se tem um modelo médico de deficiência como base para compreender quem é essa pessoa, entende-se que ela é um sujeito que não vai contribuir para sociedade, se considerarmos a teoria do capital humano. Consequentemente, conclui-se que não compensaria investir na educação desses sujeitos”, analisa a professora Sonia.
Ela explica que, porém, existe uma contradição nesse processo. “Essas pessoas ficaram muito tempo segregadas. Tal modelo educacional era oneroso porque fortalecia a dependência delas com o Estado.” A coordenadora avalia que a aplicação do modelo de inclusão também demonstra o interesse do poder público em torná-los uma comunidade ativa. “Ao inserir a pessoa na corrente comum da vida, ela irá ingressar no sistema educacional com atendimento escolar e, por fim, diminuir os valores da educação segregada.”
“Mas também houve outros esforços da sociedade civil”, completa Sonia. “Os movimentos sociais, o avanço das tecnologias, das ciências e das políticas públicas foram além dessa contradição que o sistema antigo nos colocou”. A evolução do entendimento sobre o estudante com deficiência e seu aprendizado alavancou o surgimento de legislações e normas muito significativas para entender esse processo de formação humana. Diversas ações foram sendo estabelecidas pelo Estado, ao longo desse período, a fim de garantir a matrícula, a permanência, a aprendizagem e a reintegração desse público na escola comum e em outros âmbitos da sociedade.
Resultados: a responsabilidade social
As pesquisas do Neesp e do Grupicis apontam que o antigo sistema, sob o prisma de integração, afastava o estudante de uma situação regular de ensino. Os alunos da educação especial eram privados da convivência em salas comuns, nos horários de aulas regulares, para se recolherem em serviços exclusivos do atendimento especializado nas salas de recursos multifuncionais instaladas desde 2008.
De acordo com a professora Sonia, os preceitos da integração, em vez da inclusão, valorizam as práticas clínicas, como a estimulação precoce, em detrimento das práticas pedagógicas.
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“Quando o modelo se volta para a questão biológica, o aluno é responsabilizado pela não aprendizagem. Mas quando a sociedade compreende que tem um papel de inserção social a ser cumprido, será dada uma rota de condição de vida completamente diferente a esse sujeito”, explica. Para ela, o ingresso da criança na educação infantil desde cedo é imprescindível para reconhecer as demandas e particularidades do aluno com necessidades especiais. “As políticas públicas têm de favorecer o atendimento das demandas desde a educação infantil”, defende.
Esse foi o caso de Davi, autista não verbal e aluno do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Professora Cida Barreto. “Ele entende tudo, mas não fala”, explica a mãe de Davi, Letícia Alcure. “Meu filho tem dificuldade na coordenação motora fina. É muito difícil de ensinar ou de ter a atenção dele, mas a escola tem se esforçado muito para que ele se encaixe em todas as atividades”. A mãe lembra que, devido a experiências ruins em outro Centro, precisou deixar Davi um ano longe da sala de aula.
“Este CMEI foi um divisor na vida do Davi, e na minha também. Ele se adaptou muito rápido, e esse processo é mérito da escola”, relata Letícia. Ela conta que, desde o primeiro dia no CMEI, o filho era acompanhado por um profissional nas aulas, e esta presença foi imprescindível para fazê-lo se sentir mais confiante na classe regular. “A tia Vivi, que ficou como Davi durante o ano passado, foi muito importante para que ele tivesse confiança. Meu filho se apoia em alguém para se sentir mais seguro”.
O atual governo brasileiro, entenda-se Presidente e ministro da educação, com a nova Portaria da Educação ” inclusiva”, objetivam retroceder á cultura integradora dos alunos com necessidades educacionais especiais . Seminários, debates e posicionamentos contrários ao atual pensamento do MEC, precisam ser explicitados e dados visibilidade