Zika Vírus: pesquisa analisa as políticas públicas desenvolvidas durante a epidemia

Mosquito Aedes Aegypti é o transmissor do zika vírus. Foto: Pixabay
Compartilhe:

–Por Hélio Marchioni–

Em 2015, o Brasil vivenciou um crescimento explosivo dos casos de microcefalia, principalmente nos estados da Bahia, de Pernambuco e do Rio Grande do Norte. Em Pernambuco, o aumento foi de 500%. Pesquisas apresentadas em novembro daquele ano apontaram que o zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, era o causador das malformações congênitas no cérebro. De lá pra cá, as pesquisas sobre esse vírus, até então pouco conhecido, foram ampliadas, e a Ufes se tornou uma das referências nessa área.

Propagandas de combate ao mosquito só enfocam a responsabilidade das pessoas no combate, aponta a professora Ethel Maciel. Foto: Divulgação Fiocruz

A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) apoia 17 pesquisas sobre o zika na América Latina e no Caribe, sendo seis brasileiras. Entre elas, está uma pesquisa da Ufes que pretende identificar soluções no enfrentamento ao vírus responsável por causar distúrbios cerebrais congênitos, quando mulheres grávidas são infectadas.

É o projeto “Políticas públicas de saúde em situações de emergência: a epidemia de zika vírus”, coordenado pela professora do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Ethel Maciel, que também é vice reitora da Universidade. Além da Ufes, foram contempladas pesquisas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), além de dois projetos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Cada iniciativa receberá US$ 20 mil do programa de pequenas doações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A pesquisa realizada na Ufes busca entender como o poder público se organizou para que as crianças com microcefalia tenham acesso aos serviços de saúde. O estudo indica uma “grande culpabilização das mães”, segundo a professora Ethel. “Se você olhar todas as propagandas de combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue e do zika vírus, você vê um foco muito grande na responsabilização das pessoas pela proliferação do mosquito e da doença. Não se fala do fracasso de todas as políticas públicas brasileiras, nos últimos 40 anos, com relação ao combate ao mosquito. Tal visão foi incorporada nessa epidemia de zika, culpando as mulheres pelo fato de não usarem repelente ou de não estarem protegidas com roupas adequadas”, relata a professora. Ela lembra ainda que os repelentes para as gestantes demoraram a chegar às unidades de saúde.

Empobrecimento

Outra pesquisa nessa área foi desenvolvida pela professora do Departamento de Enfermagem da Ufes Paula Freitas. Em sua tese de doutorado em Saúde Coletiva, orientada pela professora Ethel Maciel, Paula acompanhou, entre os anos de 2016 e 2017, 25 das 39 mães cujos filhos foram diagnosticados com microcefalia no Espírito Santo. Grande parte dessas mulheres saiu da pobreza para a extrema pobreza. Isso porque tais crianças demandam atenção integral e tratamento diferenciado, o que motivou muitas mães a deixar o emprego ou provocou sua demissão.

Pesquisa da professora Paula Freitas indica que mães de crianças com microcefalia foram abandonadas ao receber o diagnóstico. Reprodução/Todo Cuidado do Mundo

O estudo identifica ainda que 70% das participantes foram abandonadas pelos maridos no momento do diagnóstico do distúrbio ou após o nascimento da criança. Além disso, essas mães também são vítimas de outras formas de desamparo, inclusive do poder público. “Metade delas não recebeu o Benefício de Prestação Continuada, um direito que deve ser pago pelo Governo Federal. Tudo isso empurra essas mulheres para uma situação de extrema pobreza”, detalha a professora Paula.

Além disso, a pesquisadora aponta as dificuldades das mães na busca do tratamento adequado para seus filhos. Muitas vezes, é necessário recorrer a associações que ofereçam o serviço. “Essas crianças precisam ser corretamente estimuladas na idade de ouro, que vai de 0 a 3 anos, e isso não acontece. Como não existe uma rede de atendimento público, as mães procuram ajuda na Apae e na Pestalozzi, mas não é suficiente”, lamenta a professora, segundo a qual algumas mulheres acabam abandonando o tratamento.

Também se constata na pesquisa que o vírus é responsável por diversos outros problemas neurológicos. “A síndrome congênita do zika vírus, como é chamada atualmente, não causa somente microcefalia, mas hidrocefalia e outros distúrbios neurológicos, como dificuldade de aprendizagem. Muitas crianças têm a síndrome congênita do zika e ninguém sabe ainda. Elas podem ter alteração na visão, na fala ou algum problema cognitivo que vai refletir na fase escolar. É preciso que se tenha um olhar muito atento para as crianças nascidas em 2015 e 2016”, alerta a professora.

Gestão pública

Diante da epidemia do zika vírus, Paula também analisou as políticas públicas de combate ao mosquito Aedes aegypti, que também transmite a dengue e a febre chikungunya: “As formas de combate ao mosquito são caras e ineficientes. Fumacê e larvicida não resolvem o problema. Temos que ter coleta de lixo, moradia adequada e educação. A gente faz a mesma coisa há 60 anos e sabe que isso não funciona”.

Coleta de lixo, moradia adequada e educação são parte da solução do combate ao mosquito Aedes aegypti, afirma professora. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em sua tese de doutorado, intitulada “As políticas públicas de saúde em situações de emergência: o surto do zika vírus”, a professora Paula ouviu, além das mães de crianças com a síndrome congênita do vírus, gestores em saúde pública nos municípios da região metropolitana de Vitória. A pesquisa foi publicada em fevereiro deste ano na Revista Panamericana de Saúde Pública.

A transmissão local vetorial do zika foi confirmada em 38 países e territórios na região das Américas desde 2015, segundo a Opas. Daquele ano até 2018, foram notificados 16.348 casos suspeitos de alterações no crescimento e desenvolvimento de crianças no Brasil, possivelmente relacionados à infecção pelo vírus e a outras etiologias infecciosas. Somente no Espírito Santo, em 2016, o primeiro ano contabilizado desde o início, foram confirmados 2.942 casos de infecção pelo vírus. Em 2018, o número caiu para 511. Um estudo realizado pela Fiocruz de Pernambuco, apresentado em 2018, aponta que, em dez anos, os gastos motivados pela síndrome congênita podem chegar a R$ 800 milhões no país.

“Apesar de a epidemia de zika vírus ter saído das páginas dos jornais e de ter havido uma diminuição dos casos, essas crianças com microcefalia vão permanecer necessitando do sistema de saúde durante toda a vida delas. Mesmo ´invisibilizadas´, elas continuam precisando de uma rede de cuidados que não foi desenhada para atendê-las e, em sua grande maioria, dependem do Sistema Único de Saúde”, destaca a professora Ethel.

A experiência das mães

A tese de doutorado da professora Paula Freitas foi a base para a produção do documentário “Todo Cuidado do Mundo”, que conta a história de quatro mulheres que tiveram filhos com a Síndrome Congênita do Zika Vírus e desenvolveram microcefalia. Dirigido por Úrsula Dart e Hugo Reis, o filme de 25 minutos foi produzido pela Pai Grande Filmes e lançado no final de 2018. A realização é resultado de uma parceria entre a Fiocruz e a Ufes (incluindo a VideoSaúde Regional Ufes/ES e o Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva) e pode ser assistida no YouTube da VideoSaúde Regional.

Confira alguns trechos:

 “A doutora falou comigo: ‘a sua filha não vai andar, a sua filha não vai enxergar, a sua filha não vai fazer nada, ela vai ser um vegetal’. Depois eu voltei no hospital com minha filha e disse para a doutora que fez meu parto: ‘a senhora se lembra de mim? Essa aqui é minha filha, aquela que a senhora afirmou pra mim, me limpando na hora do parto, que ela nunca ia enxergar. Eu tinha acabado de ganhar a Izadora, e não deveria se falar isso.’”

-Josileide de Andrade

Josileide é mãe de Izadora. Reprodução/ Todo Cuidado do Mundo

“Foi uma fase bem difícil, agora que a gente está tentando superar um pouco. É bastante difícil lidar com uma criança como a Sthéfany. Tem que ter todo o cuidado do mundo. Ela entende o que a gente fala e quer se movimentar. Eu e minhas outras filhas procuramos mostrar para ela que ela não é diferente das outras meninas. Ajudem aquelas mães que passam pelo que eu passo, porque é difícil, é complicado.”

-Sabrina Ribeiro

Sabrina, mãe de Sthéfany. Reprodução/ Todo Cuidado do Mundo

“É preciso de estímulo para as coisas básicas: pegar alguma coisa, comer, se comunicar, para enxergar, para olhar, para chamar a atenção deles para alguma coisa. Isso precisa ser diário e intenso. E é o que eles não têm. Na minha casa, tudo na minha vida, tudo à minha volta é pra estimular a Helena. Se o governo oferecesse um tratamento digno de reabilitação já seria o máximo. Hoje a gente é atendido pelo SUS [Sistema Único de Saúde] com terapias convencionais. Desde que a Helena nasceu, eu participo de um grupo de mães onde a gente compartilha experiências e conhece outros métodos, isso é muito importante.”

-Glaucilene Farias

Glaucilene é mãe de Helena. Reprodução/ Todo Cuidado do Mundo

“Quando eu não consigo resolver no posto, vou à Secretaria de Saúde. Quando eles falam que não podem atender, vou à Defensoria Pública. E se precisar chamar a TV, eu chamo. Não tenho mais medo. Na Defensoria, eu consegui as fraldas. Depois que o Daniel nasceu, renovou as minhas energias. Me deu mais fôlego para correr atrás do direito dele.”

-Alessandra Catarino

Alessandra, mãe de Daniel. Reprodução/ Todo Cuidado do Mundo

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*