Rio Doce não está morto, mas tem contaminação crônica, afirma pesquisador

Estuário do Rio Doce. Foto: professor Angelo Bernardino / Ufes
Compartilhe:

– Por Sueli de Freitas –

O Rio Doce não está morto, mas tem contaminação crônica por metais resultante da lama de rejeitos da barragem da mineradora da Samarco em Mariana, que rompeu em novembro de 2015 e avançou sobre o rio. A afirmação é do professor do Departamento de Oceanografia Angelo Fraga Bernardino. Ele coordena a rede de pesquisa Solos e Bentos do Rio Doce – bento é um termo que se refere a organismos subaquáticos que vivem no fundo dos rios e mares.

Um artigo publicado na revista PeerJ aponta o resultado do monitoramento da vida no estuário do Rio Doce na região de Regência, no município de Linhares. O artigo refere-se à parte da pesquisa coordenada por Bernardino, que é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)  e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e vem monitorando o estuário desde 2015.

Pela primeira vez no Espírito Santo, e em desastres ambientais no Brasil, foi usada nessa pesquisa a técnica denominada “DNA ambiental” ou “eDNA”, que detectou 123 potenciais espécies de animais invertebrados subaquáticos que estão sob efeito crônico dos metais. “Ficamos surpresos em descobrir uma diversidade no estuário do Rio Doce que ninguém nunca descreveu. A má notícia é que essa contaminação tem um efeito nocivo nessas comunidades e interfere em como os organismos estão distribuídos no estuário. Vemos claramente que locais onde há maior concentração de metais no fundo possuem comunidades distintas de outras áreas com menor concentração, e isso evidencia o efeito desses rejeitos na ecologia e saúde daquele ecossistema”, afirma Bernardino.

Saiba mais sobre a técnica DNA ambiental

O professor explica que os metais-traço são aqueles que se apresentam em mínimas quantidades, sendo que já existiam na bacia do Rio Doce antes do desastre devido à atividade de mineração no local. Porém, as concentrações de  antes do acidente eram muito inferiores às encontradas após o desastre de Mariana. “O problema é a alta concentração desses metais depois que a lama da barragem chegou ao estuário. Em grandes quantidades e em condições ambientais específicas, tornam-se potencialmente biodisponíveis e tóxicos para a vida marinha e para a vida humana”, diz o professor.

Os pesquisadores iniciaram o monitoramento do estuário – que é o local onde o rio se encontra com o mar – antes de a lama de rejeitos da Samarco atingir a área, traçando a única linha base existente do estuário do Rio Doce disponível para a pesquisa. A área delimitada foi de dez quilômetros de rio a partir do encontro com o mar.

“Como há muitas cidades que despejam rejeitos industriais e domésticos na bacia, já havia um nível de metais-traço acima do de um estuário limpo, mas provavelmente com baixo risco à saúde. Quando os rejeitos chegaram a Regência, a onda de lama da barragem trouxe grandes quantidades de óxido de ferro que, por si só, não oferecia risco. Porém, o óxido de ferro é muito reativo e agregou os metais-traço tóxicos que, provavelmente, estavam disponíveis em toda a bacia do Rio Doce até chegar ao estuário. Ali, parte desse material se depositou e continua presente no fundo, aumentando o nível de alguns compostos em até 200 vezes, resultando em grande quantidade de chumbo, arsênio, alumínio, cobre e cromo em concentrações muito acima do que existiam. Agora temos uma condição diferente. Apesar de não estarem no rejeito que saiu da barragem, eles estavam no rejeito que chegou ao estuário. Então, o rejeito da Samarco foi, sim, responsável por contaminar a região estuarina”, explica o pesquisador.

Ele afirma que há risco de contaminação do pescado, pois os metais não ficam presos no sedimento, não aderem ao solo. “De maneira lenta e contínua, vão saindo para a coluna d’água, contaminam peixes, camarões e, possivelmente, o homem. Existem dados de outros grupos de pesquisa e também nossos de que parte desses metais-traço entram em peixes, em camarão e, portanto, oferecem risco à saúde humana lá em Regência”, afirma o professor.  Ele também informa que há uma pesquisa de doutorado sendo finalizada sobre bioacumulação de metais em pescado. “Já posso adiantar que sim, há indícios de que o pescado foi contaminado”, diz.

A pesquisa coordenada pelo professor Bernardino visa estudar os impactos do desastre da Samarco no estuário do Rio Doce. As coletas de amostras são semestrais, desde o final de 2015, dias após o rompimento da barragem e antes de a lama chegar à Regência. A Ufes é a instituição coordenadora do projeto, que conta também com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e tem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), Comissão de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Os dados publicados no artigo mais recente se referem a 2017. Dados anteriores que mostraram os impactos iniciais já foram publicados pela rede Solos e Bentos. Porém, no mês de agosto de 2017, houve um pico de concentração de metais no estuário, ainda maior que no momento da queda da barragem. Segundo o professor, os picos são sazonais. “Em épocas de seca, com menos água no leito do rio, os metais ficam mais acumulados no sedimento”, diz. 

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*