Estudo indica adaptações em moradias para reduzir o calor

Venezianas de madeira auxiliam no sombreamento da moradia e na ventilação constante. Foto: Ilustração/Jéssica Macedo
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– Por Sueli de Freitas –

Pesquisadora aponta soluções que podem ser aplicadas em construções e em reformas e, com isso, diminuir o uso de ar condicionado e de ventiladores

O aquecimento global tem impacto direto no aumento do consumo de energia residencial, sendo necessária a revisão do modelo habitacional mais adotado no Brasil, que não leva em conta as particularidades climáticas de cada região na definição de materiais utilizados nas obras e do padrão de portas e janelas. Para as edificações já concluídas, são necessárias adaptações para diminuir o calor no ambiente interno, reduzindo também a necessidade de uso de ventilação ou refrigeração artificial.

Essas conclusões e propostas estão na dissertação de mestrado Avaliação de Desempenho Térmico em Edificações Multifamiliares Considerando as Mudanças Climáticas Futuras, de autoria da arquiteta Jéssica Machado, sob orientação da professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Ufes Edna Rodrigues.

“As nossas construções, atualmente, não consideram o conforto do usuário nem a economia de energia; não há uma preocupação com a sustentabilidade das edificações de um modo geral. Por outro lado, as pesquisas mostram que a temperatura do planeta está aumentando, e nós consumimos cada vez mais energia, utilizando equipamentos  mecânicos para melhorar o condicionamento do ambiente interno. No entanto, temos outras formas de construção, que podem proporcionar conforto para o usuário com menor impacto para o meio ambiente”, afirma Jéssica Machado.

A pesquisa foi realizada em quatro capitais brasileiras de maneira a abranger diferentes zonas climáticas do Brasil: Manaus, devido à sua proximidade com a linha do Equador, considerada uma das cidades mais quentes do país, e por estimar um aumento de até 9ºC nas temperaturas médias mensais do ar até o ano de 2100; Brasília, por sua relevância como capital federal e por apresentar condições climáticas diversas devido à distância em relação ao litoral, com projeção de acréscimo de até 4ºC na temperatura média do ar; Vitória, escolhida por ser a capital onde a pesquisa foi sediada e por estar localizada na zona costeira brasileira, indicada com alta exposição à elevação do nível do mar e apresentando projeções de aumento na temperatura do ar em até 4ºC; Porto Alegre, por ser a capital situada na extrema latitude sul do país, e poderá sofrer, até 2100, um aumento de 4ºC na temperatura média do ar.

Inicialmente, a pesquisadora utilizou o quarto e o quinto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que apontam previsões de aumento da temperatura do globo terrestre, para levantar os dados atuais e projeções futuras. “A partir daí, eu foquei numa escala voltada para o Brasil, usando pesquisas do professor José Marengo, que traz uma série de publicações sobre as alterações climáticas e suas consequências para o país”, informa.

Com a aplicação de uma ferramenta computacional, foram gerados arquivos climáticos futuros, referentes aos anos de 2020, 2050 e 2080 para cada uma das cidades analisadas.

Em outra fase da pesquisa, foi estudado o modelo de construção adotado no Brasil para uma residência multifamiliar hipotética, representativa do padrão médio dos edifícios no país. A conclusão foi que os materiais empregados nas construções não trazem economia de energia, nem conforto térmico natural. “Não se pensa mais na proteção solar para as aberturas, no posicionamento da edificação em relação à ventilação predominante e à insolação, nas particularidades climáticas de cada região. É como se uma mesma tipologia projetual fosse replicada para todas as regiões do país, com semelhante formatação e uso dos mesmos materiais”, explica Jéssica Machado.

Adaptações

Considerando que a vida útil das habitações é, em média, de 50 anos, a pesquisa traz algumas propostas de adaptações para as edificações já construídas, de forma a minimizar o desconforto térmico e gerar redução no consumo de energia tanto atualmente, como no futuro.  

“Em vez de utilizar uma janela comum de alumínio e vidro, que encontramos em qualquer edifício aqui por perto, propusemos um modelo (foto) que permite o controle da entrada de ventilação através de sistemas de abertura multifuncionais, segmentado em duas partes: a inferior correspondente a um peitoril ventilado, e a superior a uma janela do tipo guilhotina, que pode abrir de baixo para cima, permitindo a ventilação de conforto na altura do ocupante, ou abrir de cima para baixo, e ter o que chamamos de ventilação higiênica, quando o vento entra apenas pela parte superior”, explica a pesquisadora.

Além disso, foram utilizadas venezianas de madeira sobre a área envidraçada das janelas, auxiliando no sombreamento de forma a impedir a entrada de radiação solar direta no espaço e permitindo a permeabilidade da ventilação constante, evitando assim o ganho de calor no ambiente interno. “Propusemos, por fim, um sistema de fachada ventilada, como se fosse uma casca afastada dez centímetros da alvenaria de vedação do edifício. Esse sistema permite o sombreamento e o fluxo de ventilação entre essa estrutura e a vedação do edifício de forma a dissipar o calor”, acrescenta.

Protótipo da fachada ventilada proposta pela pesquisadora. Imagem: Jéssica Macedo

Usando um programa computacional, foram feitas simulações cruzando os dados de temperatura de hoje e a projetada para 2080 com o modelo usual de construção e o modelo com as alterações propostas. As pequenas mudanças proporcionaram melhoria na temperatura interna dos ambientes na ordem de 4,7ºC, considerando os parâmetros climáticos de hoje na cidade de Vitória. Em 2080, o ganho em relação à redução da temperatura interna seria de 5,6ºC. “Isso indica que vamos precisar imediatamente pensar nessas e em outras medidas para nos adaptar às mudanças climáticas a que a Terra estará sujeita”, relata a pesquisadora.

Ela destaca também que, mesmo com essa redução de temperatura interna nos dias de hoje a partir das mudanças propostas, o conforto do ocupante na habitação não foi completamente garantido sem a utilização de equipamentos de refrigeração. “São necessárias, ainda, outras soluções arquitetônicas para buscar, ao mesmo tempo, conforto e eficiência energética”.

TEMPERATURAS MÉDIAS INTERNAS – ESTAÇÃO MAIS QUENTE

CIDADESEDIFÍCIO ATUALEDIFÍCIO COM ALTERAÇÕES
ESTAÇÃO
MÉDIA ATUALMÉDIA 2080MÉDIA ATUALMÉDIA 2080
MANAUS33,25°C41,52°C29,61°C38,41°CPRIMAVERA
BRASÍLIA27,14°C32,37°C23,85°C28,77°CPRIMAVERA
VITÓRIA30,98°C33,72°C26,22°C28,05°CVERÃO
P. ALEGRE29,87°C33,24°C26,66°C29,93°CVERÃO

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