Estudo aponta impacto das mudanças climáticas em uma das lagoas mais profundas do ES

Estação meteorológica montada na lagoa Terra Alta para estudar as mudanças climáticas. Imagem: Laboratório de Limnologia e Planejamento Ambiental/Ufes
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– Por Mikaella Mozer 

O Espírito Santo possui a lagoa mais profunda do Brasil. A constatação foi feita durante o projeto Avaliação da capacidade de suporte para a piscicultura em tanques-rede nos lagos de Linhares, em dezembro de 2010. O estudo foi realizado por meio do Acordo de Cooperação entre a Ufes, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Seama), o Instituto Estadual do Meio Ambiente  (Iema), a Secretaria da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), a Associação dos Aquicultores de Linhares (AquaLin) e a Universidade de Vila Velha.

Em conseqüência dessa pesquisa, ocorreram novas investigações nas lagoas no Baixo Rio Doce (BRD). Nessa região, que compreende as cidades de Colatina, Linhares, Marilândia, entre outras, o Laboratório de Limnologia e Planejamento Ambiental (LimnoLab) do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Ufes, desenvolveu pesquisas limnológicas. Esses estudos investigam os ecossistemas aquáticos continentais, sobretudo os lagos, e avaliam a correlação e a dependência entre os organismos aquáticos e o seu ambiente, abrangendo aspectos físicos, químicos e biológicos.

Na análise da Cooperação, verificou-se que as lagoas são consideradas profundas para o padrão nacional, que varia de 1,5 a 5 metros, em média. Dentre as avaliadas pelo laboratório, Palmas, Nova, Palminhas e Terra Alta são as que possuem as maiores profundidades máxima e média. Elas têm, respectivamente, 50,7 e 21,4 metros, 33,9 e 17,2 metros, 31,6 e 12,5 metros e 22,1 e 9,9 metros.

Para o levantamento hidrográfico das lagoas, os pesquisadores usam o ecobatímetro, um equipamento que determina a profundidade em diferentes locais da lagoa em função do tempo que os sinais de ultrassom levam para retornar à superfície após reflexão pelo fundo da lagoa. O equipamento é formado por um transdutor, que envia os sinais, e pelo GPS, que mapeia as posições geográficas. Na lagoa Nova, foram medidos cerca de 49 mil pontos de profundidade.

No estudo foram recolhidos dados batimétricos para determinar a profundidade das lagoas.
O mapa batimétrico utilizou da técnica do degradê para representar os dados. Os tons de verde apontam locais menos profundos, já os azuis indicam maior profundidade. Imagem: Laboratório de Limnologia e Planejamento Ambiental.

Impactos do clima

Após esse primeiro estudo, foi montada uma estação meteorológica sobre uma plataforma flutuante no lago Terra Alta, a fim de monitorar e investigar possíveis ligações entre o clima e os lagos, dentro do projeto de pós-doutorado do biólogo Fábio Garcia, intitulado Estabelecimento de condições de referência para a avaliação da qualidade ambiental de lagos costeiros da bacia do Baixo Rio Doce, ES, com vista à conservação e estabelecimento de múltiplos usos.

A estação meteorológica registrou a cada 15 minutos, entre 2014 e 2018, dados de radiação solar, temperatura do ar, pressão atmosférica, umidade relativa do ar e direção e velocidade do vento. Foram instalados oito sensores de temperatura para registro horário da temperatura da água entre a superfície e o fundo do lago.

As informações obtidas proporcionaram aos pesquisadores um estudo ampliado sobre a influência climática nesse ambiente. A análise dos dados dos elementos indicou uma significativa estratificação térmica, sobretudo durante o verão. A coluna d’água foi dividida em três camadas, sendo a camada do fundo com águas mais frias e com maior densidade; a camada superficial com águas mais quentes e menos densas; e a camada intermediária com os gradientes de temperatura e densidade. Na parte inferior, detectou-se uma situação de anoxia, ou seja, ausência de oxigênio dissolvido na água. 

Assim, a leitura das informações possibilitou aos pesquisadores acompanhar a mistura das três camadas, ocorrida devido ao resfriamento da superfície durante a primeira frente fria com maior intensidade, no início de maio de 2015. A água sem oxigênio chegou até a superfície, causando a mortandade de 90% dos peixes cultivados em tanques rede. 

Os dados também alertaram sobre a tendência de aumento constante da temperatura das lagoas. De acordo com o coordenador do LimnoLab e professor do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Ufes, Gilberto Barroso, isso acontece porque a temperatura da Terra está mais elevada, devido ao aquecimento global, levando às secas mais recorrentes, à maior evaporação de água e, consequentemente, ao aquecimento mais intenso dos raios solares no fundo das lagoas, cuja quantidade de água foi reduzida no período de seca.

Essa elevação da temperatura também altera outros componentes do ecossistema das lagoas. Como exemplo, multiplicam-se as cianobactérias, microalgas com potencial de produção que liberam cianotoxinas na água e que são prejudiciais ao plâncton, base da cadeia alimentar. As cianotoxinas podem trazer riscos de saúde pública no caso de consumo ou recreação por contato primário na água. Barroso afirma que, apesar de o LimnoLab não ter uma pesquisa direcionada ao estudo dessas substâncias, sabe-se que a neurotoxina, que afeta o cérebro, e hepatotoxina, que prejudica o fígado, são as mais danosas. 

Para Barroso, a pesquisa do LimnoLab alerta sobre os efeitos do aquecimento global. “Lagoas podem ser consideradas ‘sentinelas’ das mudanças climáticas, sendo que a análise dos dados do monitoramento contínuo possibilita a compreensão da dinâmica física, química e hidrobiológica lacustre. Os efeitos da variabilidade interanual do clima podem ser avaliados a partir deste tipo de estudo”, conclui.

Piscicultura

Os dados levantados também foram utilizados para fornecer conhecimento aos criadores de peixes. “Há uma preocupação do potencial de poluição nas lagoas, mas também é uma atividade econômica importante. A intenção é dar embasamento para fazer o ordenamento da atividade”, pontua o professor Barroso. Por meio de uma parceria o Iema, a Seag e a AquaLin, o Limnolab avaliou a capacidade de suporte dos lagos para a piscicultura em tanques de rede.

As informações obtidas no monitoramento das quatro lagoas do BRD foram organizadas no relatório Capacidade de suporte das lagoas para cultivo de tilápia em tanque-rede, segundo o qual as quatro lagoas estavam, em maior ou menor severidade, acima da capacidade do suporte para a piscicultura de tilápias. O processo de avaliação considerou o tempo de renovação das massas de água e a quantidade de fósforo oriundo da ração e das fezes dos peixes.  O fósforo é um elemento químico que, em altas quantidades, pode levar à eutrofização, ou seja, crescimento excessivo de microalgas e plantas aquáticas, motivado pelo excesso de nutrientes no ecossistema aquático, o que pode causar diversos problemas e levar à mortandade dos peixes. O Relatório foi encaminhado para o Iema e o Ministério Público de Linhares em 2019.

Veja também: Laboratório da Ufes é destaque nas pesquisas em aquicultura

Poluição

Os pesquisadores do Laboratório de Limnologia e Planejamento Ambiental ainda analisaram sedimentos recolhidos das lagoas e encontraram uma quantidade de poluição significativa. Além disso, constataram o aumento dos processos de assoreamento, de contaminação, de eutrofização e de alteração da biodiversidade. 

Houve também um estudo dos parâmetros físico-químicos e hidrológicos dos rios que deságuam nas lagoas do BRD. Entre os rios analisados, alguns estão contaminados, o que pode levar as lagoas ainda limpas a ficarem poluídas. Todas as informações identificadas foram enviadas em um relatório à Prefeitura de Linhares em 2019 e servirão de base para um planejamento ambiental. 

No lago Terra Alta, foram coletadas duas amostras de 90 centímetros de sedimentos em tubos plásticos com 120 centímetros de comprimento e 8 centímetros de diâmetro. Nesse estudo de iniciação científica feito em parceria com o professor Fabian Sá, do Laboratório de Geoquímica Ambiental da Ufes, e os estudantes Roberta Barros e Carlos Covre, os pesquisadores analisaram metais-traço e contaminantes orgânicos. “Já sabemos da existência de componentes químicos que podem ser prejudiciais, mas ainda não sabemos o nível de contaminação na água e no pescado”, afirma Barroso. 

A pesquisa também avalia se a contaminação por metais piorou nos últimos tempos, embora não tenha ocorrido intrusão de rejeitos de minério no lago Terra Alta oriundos do desastre da barragem de Fundão em Mariana (MG). As amostras ainda estão em fase de análise. 

Veja mais sobre as pressões ambientais nas lagoas do Espírito Santo na Revista Universidade nº 7 (a partir da página 6) 

Saiba mais sobre os estudos da Ufes relativos ao rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, aqui e aqui.

Edição: Lidia Neves

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