– Por Lidia Neves –
Um artigo publicado na revista Journal of Environmental Management analisou a perda de estoque de carbono causada por eventos climáticos extremos no manguezal do estuário do rio Piraquê-Açu-Mirim, localizado no município capixaba de Aracruz. A região teve 30% de sua área impactada por uma forte seca ocorrida entre 2014 e 2017, motivada pelo aquecimento global. Com isso, perdeu cerca de 20% do carbono sequestrado nos solos em um período de dois anos. Esse estuário possui 1.851 toneladas de carbono por hectare, o maior índice do Brasil.
O estudo, que é parte do doutorado de Luiz Eduardo Gomes no Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da Ufes, também estimou o potencial de estoque de carbono nos manguezais brasileiros, que correspondem a 5% do total global guardado nesse ecossistema.
Os mangues têm despertado grande interesse por sua ampla capacidade de estocar carbono: no Brasil, conseguem guardar 520 milhões de toneladas. Quando se comparam áreas de tamanho equivalente, os manguezais brasileiros têm o dobro da capacidade de estoque da floresta Amazônia e dez vezes mais que a caatinga e o cerrado. Com isso, o estoque de carbono do Brasil é duas vezes maior do que o estimado anteriormente e o país tem 5% do total armazenado no planeta Terra.
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Além de Luiz Gomes e seu orientador, o professor Angelo Bernardino, o artigo conta também com a participação de coautores da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade de São Paulo (USP), da School of Environment, Science and Engineering (na Austrália), da Oregon State University (nos Estados Unidos) e da Ufes. A pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela National Geographic (NGS).
Consequências climáticas
Para fazer o estudo, os pesquisadores analisaram a área do manguezal de Piraquê-Açu-Mirim, comparando um trecho impactado pela seca com outro preservado. “Para isso, adentramos em diversas áreas dos manguezais impactados e não impactados. Entramos 20 metros à frente no mangue e contabilizamos, a cada 20 metros, o total de plântulas, identificamos e medimos a altura e diâmetro de cada árvore viva e morta, além de contabilizar e medir todos os galhos caídos e coletar amostras de solo até os 3 metros de profundidade, em cinco locais, ou seja, até 100 metros adentro”, detalha Gomes. No mangue, o maior potencial de produção de carbono está no solo. Por isso, foi coletado o solo até 3 metros de profundidade, para que se pudesse avaliar esse estoque.
O primeiro levantamento desse tipo no Brasil foi feito em 2018, pela mesma rede de pesquisadores , que investigaram manguezais desmatados no Ceará. Ainda no mesmo ano, a rede publicou resultados de estoques de carbono dos manguezais do Pará e, em 2021, do Espírito Santo. Outros grupos publicaram este ano estudos semelhantes sobre a Bahia e São Paulo, que foram usados como base de comparação. “Essa ciência de analisar estoque de carbono do ecossistema manguezal é nova em todo mundo, começou depois de 2010”, detalha Gomes. Esta foi a primeira vez no Brasil e a segunda no mundo em que pesquisadores analisaram esses estoques na perspectiva das perdas causadas por eventos climáticos extremos.
A estiagem que atingiu o norte do Espírito Santo e que terminou em 2017 fragilizou o manguezal de Piraquê-Açu-Mirim. Em junho de 2016, uma forte tempestade, com ventos de mais de 100 quilômetros por hora, levou à morte de 30% da área de mangue no estuário. “Quanto mais fragilizado está o mangue, mais ele fica suscetível a um evento que causa danos, como esse. O aumento da frequência e da intensidade das mudanças climáticas dificulta a regeneração natural”, explica o pesquisador.
Preservação
O Brasil é o país que tem a maior extensão contínua de manguezais no mundo, na região Norte, e é o segundo em relação à área total coberta por esse ecossistema, que normalmente se desenvolve na foz de rios, entre a terra e a água, em encontro de águas doce e salgada. Ao longo da costa brasileira, existem cerca de 940 mil hectares de manguezais. Infelizmente essas florestas são historicamente impactadas por desmatamentos e lançamento de esgotos, agora os eventos climáticos extremos são mais um problema atuando sobre elas.
Cada área de manguezal perdida impacta a vida de diversos animais, como caranguejos, camarões, siris cavalos marinhos e peixes, entre eles os robalos e tainhas, que se reproduzem nesses locais. O mangue também contribui para o ecossistema não só pelo enterramento de carbono, mas também pela proteção costeira contra tempestades e filtragem de água, dentre outros aspectos.
Ao saber que o ecossistema de manguezais tem esse potencial de estoque de carbono, Gomes avalia que diversos grupos devem incentivar o investimento na conservação e na recuperação dessas florestas. “Esses locais são de interesse não só do setor público e do terceiro setor, mas também começam a despertar interesse econômico, relativo à conservação de florestas nativas via serviços ecossistêmicos. Ao protegê-los, conserva-se, de uma só vez, o carbono, a caracterização cultural e a biodiversidade dos mangues, refletindo diretamente no bem estar humano e do planeta.”
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