Pesquisa investiga relação entre trabalho precário, redes sociais e políticas autoritárias

Com duração total de cinco anos, o estudo busca entender as razões ideológicas para o apoio dos trabalhadores precarizados aos governos populistas de extrema-direita. Foto: Marcello Casal Jr./ABr
Compartilhe:

– Por Lidia Neves –

A Ufes vai participar de um projeto de pesquisa internacional sobre as relações entre trabalho precário, plataformas de redes sociais e políticas autoritárias no Sul Global. O projeto, coordenado pela professora Rosana Pinheiro-Machado, da Universidade de Bath, na Inglaterra, contará com a participação do professor Fábio Malini, do Departamento de Comunicação da Ufes, e de pesquisadores das Filipinas e da Índia.

O projeto foi aprovado pelo Conselho Europeu de Pesquisa (ERC, sigla em inglês) para receber um financiamento de 2 milhões de euros (cerca de R$ 11 milhões). Com duração total de cinco anos, a pesquisa intitulada Trabalho flexível, política rígida: o nexo entre precariedade laboral e políticas autoritárias no Sul Global (Brasil, Índia, Filipinas) busca entender as razões ideológicas para o apoio dos trabalhadores precarizados aos governos populistas de extrema-direita, comparando os resultados dos três países.

A economia informal, o trabalho precário, o autoritarismo e a agenda do Sul Global fazem parte das pesquisas de Pinheiro-Machado há 20 anos. “Percebemos que os autoritários populistas falavam muito bem para esse contingente do trabalhador precarizado, para esse sujeito que está um pouco acima da linha da pobreza, mas não é bem classe média. E que esses autoritários populistas têm um discurso muito direcionado para cooptar esses trabalhadores, baseado tanto na ideia do conservadorismo moral, da importância da família, quanto no discurso neoliberal, de incentivar o empreendedorismo puramente individual e, com isso, enfraquecer o Estado”, detalha a pesquisadora, ressaltando que esse traço é comum aos países onde o estudo será desenvolvido.

A pesquisa parte do pressuposto de que muitas pessoas, inclusive as mais vulneráveis economicamente, utilizam-se de aplicativos e redes sociais para processos de trabalho e de ensino e aprendizagem, bem como para relações afetivas e comerciais.”Trabalhamos com a hipótese de que a plataformização da vida e do trabalho empurra as pessoas para a reprodução de pensamentos e práticas autoritárias. Essas pessoas são influenciadas, em ideias e gostos, pelo que lhes chega em seus perfis on-line, em relações mediadas e medidas por aplicações algorítmicas”, explica Malini.

Antropologia e Ciência de Dados

A ideia, segundo Pinheiro-Machado, é verificar se há uma relação de causa e efeito entre a plataformização e a aproximação com a extrema-direita. Um doutorando em Antropologia, em cada país, ficará responsável por uma etnografia de 14 meses, em mercados em bairros populares, sob a coordenação da professora. Do corpus desse estudo com os trabalhadores no campo, será extraído o léxico que servirá como base para a análise de dados.  “A Ciência de Dados vai partir do vocabulário, do léxico e mesmo do corpus de trabalhadores, do campo de pesquisa. É uma metodologia de baixo para cima”, aponta.

Com base nesse léxico, três pós-doutorandos em ciência de dados em redes sociais acompanharão cerca de 250 vendedores, cada um focado em um dos países. Será analisado o processo de plataformização desses comerciantes, a partir de sua atuação com cerca de 2 mil seguidores. Será observado como eles interagem, durante as cerca de 15 a 20 horas diárias em que estão conectados, com influenciadores e atores das redes sociais e com as ideias de extrema direita e os autoritários populistas, que permeiam essas plataformas, segundo os coordenadores do estudo.

A análise de dados será desenvolvida pelo Laboratório de Pesquisa sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Ufes, coordenado por Malini. “Colocamos à disposição aquilo que desenvolvemos em termos tecnológicos, a saber, scripts, programas e métodos de análise de redes sociais, que serão disponibilizados a colegas da Universidade de Bath”, afirma o professor.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*