Por Prof. Dr. Rafael Moraes (Coordenador do subgrupo Empregos e Salários – Grupo de Conjuntura/Economia/UFES).
Aprovada em novembro de 2017, a Lei 13.467, que reformou a Legislação Trabalhista, foi recebida por empresários e analistas de mercado como a modernização das relações de trabalho no Brasil. A percepção era de que, ao se adaptarem as leis ao novo contexto internacional, pautado pelo avanço da tecnologia e por atividades empresariais mais fluidas e flexíveis, se possibilitaria uma ampliação na geração de novos empregos. Afirmava-se então, que com a nova legislação se poderia gerar até 6 milhões de novos
empregos.
Passados três meses da reforma, em fevereiro de 2018, o Ministro da Fazenda, apresentou números muito menos alentadores. Na nova versão, a geração de 6 milhões de novos empregos, na verdade, seria diluída ao longo dos próximos 10 anos, ou seja, algo em torno de 600 mil novas vagas a cada ano. A “nova” previsão não coincidentemente se aproxima do resultado obtido no primeiro semestre de 2018, quando o saldo líquido (admissões menos demissões) acumulou 344 mil novos postos de trabalho.
Fica claro que o discurso de fevereiro já revelava a expectativa oficial de que a retomada da geração de empregos estaria aquém do inicialmente previsto. Assim, a despeito de serem melhores que os resultados de 2017, os números mais recentes claramente ainda são insuficientes para acelerar a redução da taxa de desocupação, que insiste em permanecer acima dos 12%, segundo dados da PNAD/IBGE. Para se ter uma ideia do tamanho do problema, basta que se afirme que nada menos do que 13 milhões de brasileiros em idade ativa se encontram hoje involuntariamente fora do mercado de trabalho.
Para além, contudo, da insuficiência dos números de novas contratações, outro fato merece destaque. A flexibilização almejada pela reforma não tem sido tão amplamente utilizada pelos contratantes, como seria de se esperar. Para comprovar, basta dizer que das 12,7 milhões de admissões processadas entre novembro de 2017 e agosto de 2018, apenas 41,6 mil correspondem a contratos de trabalho intermitente e 50,2 mil a contratos de trabalho parcial. Como ambas as possibilidades foram saudadas como a menina dos olhos da reforma “modernizante”, o fato de que menos de 0,8% dos novos contratos de trabalho tenham se beneficiado da nova legislação, mostra alguma inconsistência.
É possível considerar que parte da baixa representatividade das “modernas” formas de
contrato nas novas admissões se deva ao efeito contrário gerado pela turbulência política em que foi efetivada a nova legislação. Apresentada como a panaceia da segurança jurídica, tanto para empregadores, como para empregados, a reforma foi aprovada depois de um processo político eivado de idas e voltas e de brechas judiciais, o que ao invés de diminuir, acabaram ampliando a insegurança jurídica.
Como exemplo, ainda em abril de 2018, a queda de braço entre o presidente Michel Temer e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, acabou levando a que a
Medida Provisória 808, parte integrante da reforma, perdesse sua validade, por não ter sido sequer submetida à votação dentro do prazo constitucional. Na prática, a MP, que dentre outras iniciativas, vetava o trabalho insalubre para gestantes e regulamentava o contrato de trabalho intermitente, perdeu valor, levando a um limbo jurídico no qual empregados e empregadores não sabiam exatamente quais regras prevaleceriam. Em 23
de maio do mesmo ano, o Ministério do Trabalho, por meio da Portaria 349, procurou reafirmar os pontos alterados pela MP 808, então já sem validade. O texto da portaria, entretanto, não teve pleno êxito em equacionar a insegurança jurídica criada, uma vez
que, por não ter validade de lei, poderá ser questionado futuramente nos tribunais.
Essa dificuldade do governo em avançar e consolidar as alterações propostas pela mudança, sem dúvidas, tem gerado atritos e fricções entre os poderes da República que ainda inibem o empresariado a um entusiasmo maior com as novas modalidades de contrato. Sem embargo, não se deve reduzir a incapacidade da reforma em ampliar a geração do emprego a este fator. Como visto, a própria previsão dos defensores da reforma quanto ao seu potencial gerador de empregos já não é das mais otimistas.
Dito isso, podemos questionar, qual seria então o fundamento concreto da atual reforma trabalhista. Para entendê-lo é necessário ter-se em mente que as propostas de flexibilização da CLT não são recentes. Elas têm aparecido com alguma frequência desde o início dos anos 1990, e, após ficarem represadas durante algum tempo, voltaram com força em meio à atual crise política e econômica. Atendendo às demandas empresariais por maior flexibilidade e redução da ingerência estatal nas relações entre empregados e empregadores (negociado sobre o legislado), a nova legislação visa romper o quadro de proteção ao trabalhador construído desde Vargas. O cenário de crise e o enorme desemprego, sem dúvidas, ajudaram a colorir com ares de modernização essa redução de direitos, conquistados ao longo de décadas.
O que se está assistindo, na prática, consiste na regressão de posições ainda fragilmente demarcadas pela grande maioria da população trabalhadora brasileira. Em um país cujas estruturas historicamente construídas cristalizam uma distribuição da renda dentre as mais desiguais do mundo, tal retrocesso é avassalador. A reforma, assim, não apenas não tem contribuído na atual conjuntura, para acelerar a geração de empregos no ritmo
necessário, como deve contribuir, no longo prazo, para precarizar ainda mais as condições de vida daqueles que se encontram nas margens do sistema, usufruindo dos piores empregos, e se submetendo a toda forma de trabalho possível, visando sua sobrevivência.