Os benefícios da ciência para a saúde da mulher

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– Artigo de Angelica Espinosa Miranda* –

A saúde humana é influenciada por diversos fatores, entre eles, o fator genético, o sexo biológico (masculino ou feminino), a identidade de gênero (incluindo fatores sociais e culturais), a etnia racial, a influência cultural, o meio ambiente e o status socioeconômico são os principais. As pesquisas científicas na área de saúde da mulher são importantes para os avanços na medicina para ambos os sexos, pois existem diferenças marcantes de sexo e gênero em diversas doenças, como doenças autoimunes, câncer, doenças cardiovasculares, depressão, diabetes, algumas doenças infecciosas, obesidade e distúrbios relacionados ao abuso de substâncias.

As pesquisas sobre saúde da mulher já fazem parte da agenda de pesquisa global. Essa área de interesse se expandiu muito além das suas raízes nos estudos da saúde reprodutiva e agora inclui também o estudo da saúde da mulher desde a infância até o climatério e não somente no ciclo gravídico puerperal. As pesquisas englobam desde pesquisas básicas e estudos laboratoriais até pesquisas moleculares, genética e ensaios clínicos. Nos estudos sobre a saúde da mulher também têm sido incluídos dados sobre estilos de vida e comportamento para uma vida saudável, redução de risco e prevenção de doenças, assim como a investigação das inovações para o diagnóstico e tratamento de doenças crônicas.

A percepção de que os determinantes de saúde podem ser influenciados por fatores que vão desde a composição genética de uma mulher até seus comportamentos em relação ao contexto social, cultural e ambiental nos quais as vulnerabilidades genéticas e os comportamentos individuais têm sido colocados em evidência. Ao longo dos últimos 30 anos, muito tem sido aprendido sobre quais são os determinantes que influenciam na saúde da mulher e como podemos usá-los para a melhoria da qualidade de vida. Vários estudos descreveram que determinantes comportamentais (como tabagismo, hábitos alimentares e falta de atividade física) são fatores de risco para a saúde da mulher com uma maior repercussão na saúde durante o climatério. Em geral, esses fatores são moldados por contextos culturais e sociais, e diferenças marcantes na prevalência e mortalidade de várias condições em mulheres que sofrem desvantagem social por raça e etnia, baixa escolaridade e baixa renda já foram documentadas.

Principais avanços foram relacionados a câncer de mama e de colo do útero e a doença cardiovascular

Nesse contexto, um questionamento que precisamos fazer é se as pesquisas científicas na saúde da mulher estão focadas nas condições de saúde mais relevantes e se essas pesquisas já trouxeram avanços científicos, tecnológicos e sociais. O que podemos comprovar é que a situação é heterogênea, pois há muitos avanços em algumas doenças e um longo caminho a percorrer em outros grupos de doenças que afetam as mulheres.

Doenças como o câncer de mama, doença cardiovascular (DCV) e câncer de colo do útero são as doenças em que os principais avanços foram feitos. A mortalidade por câncer de mama vem diminuindo nos últimos 30 anos. A demanda da sociedade e dos profissionais de saúde, assim como o aumento do financiamento, estimularam a pesquisa de câncer de mama nos níveis molecular, celular, experimental, bem como em estudos observacionais e ensaios clínicos conduzidos em mulheres. Essas pesquisas levaram ao desenvolvimento de métodos de detecção mais sensíveis, biomarcadores de risco para tumores mais agressivos, identificação de fatores de risco e opções de tratamento que melhoram a qualidade de vida e a sobrevida após o tratamento. O resultado de um estudo realizado nos Estados Unidos – Women’s Health Initiative (WHI) – que mostrou mulheres em uso de terapia hormonal apresentavam um maior risco de câncer de mama, levou a mudanças na prática clínica. Em relação as DCV, que são a principal causa de morte de mulheres e homens no mundo, a mortalidade ajustada pela idade por doença cardíaca coronária foi reduzida em mulheres. Cerca de 50% da redução é atribuível a mudanças em fatores comportamentais, incluindo uma queda no tabagismo; a outra metade é atribuível a novos tratamentos clínicos que surgiram dos resultados de pesquisas.

Ainda há lacunas na pesquisa de doenças como depressão, HIV/Aids e osteoporose

Estudos científicos levaram ao reconhecimento da importância das DCV em mulheres e, subsequentemente, à extensão do diagnóstico e tratamentos para a DCV às mulheres. A consciência da DCV entre as mulheres aumentou na população, em parte devido a campanhas educacionais. Já as reduções na incidência e na mortalidade por câncer de colo do útero começaram a ser evidenciadas na década de 1960 e continuaram ao longo dos últimos 30 anos, com a melhoria de diagnóstico e rastreio nas últimas décadas. Além disso o desenvolvimento de uma vacina efetiva na prevenção da infecção pelo vírus do papiloma humano, o vírus que causa a maior parte do câncer cervical, tem sido muito eficaz. A vacina foi desenvolvida e trazida à prática clínica por meio de pesquisas sobre a biologia básica do vírus e sua relação com câncer cervical em células humanas e de animais de experimentação, além dos estudos epidemiológicos sobre a etiologia do câncer cervical.

Em outros agravos de saúde, a pesquisa científica contribuiu para um progresso significante, mas ainda há lacunas, como por exemplo, a depressão, HIV/Aids e osteoporose. A incidência e as consequências da depressão são maiores em mulheres do que em homens, e avanços foram registrados no tratamento nos últimos 30 anos. Entretanto o impacto das pesquisas não foi maximizado, em parte pela condução inadequada dos casos.

Quando abordamos a questão da infecção pelo vírus HIV, vemos que houve avanços rápidos e importantes no tratamento do HIV/Aids nos últimos 30 anos, principalmente por meio da pesquisa em homens. O desenvolvimento da terapia antirretroviral beneficiou também as mulheres; no entanto, a predominância de estudos focados em homens limitou alguns dos benefícios para as mulheres em um primeiro momento. Por exemplo, problemas com a toxicidade dos tratamentos de HIV/Aids em mulheres (como o aumento do risco de anemia e pancreatite aguda em relação aos homens) só estão agora sendo identificados em pesquisas com foco na situação das mulheres.

Outro agravo onde houve avanços tecnológicos, mas ainda há necessidade de estudos, é a osteoporose. Ao longo dos últimos 30 anos, tem havido avanços no conhecimento da ciência básica e no diagnóstico e tratamento da osteoporose. Isso inclui a identificação de genes cuja expressão afeta o risco de osteoporose. Tendências recentes mostram uma diminuição na incidência de fraturas de quadril, mas a osteoporose permanece uma condição que afeta muito a qualidade de vida de um grande número de mulheres, particularmente à medida que envelhecem.

Apesar de haver grupos de pesquisas em todas as áreas da saúde da mulher, ainda há muito a ser feito, pois há agravos onde não foi observada redução na incidência ou na mortalidade da doença e nem houve mudanças na prática clínica. Um exemplo disso é a abordagem da gravidez não intencional, incluindo os anticoncepcionais disponíveis, e das doenças autoimunes. O fato de que as gravidezes não intencionais continuam a ocorrer com frequência evidencia a necessidade de pesquisas sobre o esquema de uso e posologia dos contraceptivos, a necessidade de redução do custo e desenvolvimento de novos anticoncepcionais, incluindo anticoncepcionais não hormonais, que sejam mais aceitáveis para grupos de mulheres em que as gravidezes não intencionais ocorrem com maior frequência, além da necessidade de intervenções no âmbito social e comunitário.

Há grupos de pesquisa em todas as áreas da saúde da mulher, ainda há muito a ser feito

Nos casos das doenças autoimunes, que constituem cerca de 50 doenças, a maioria é mais comum em mulheres, e causa grande morbidade. Elas afetam muito a qualidade de vida e, apesar da sua prevalência e morbidade, pouco progresso tem sido feito para uma melhor compreensão dessas condições, identificação de fatores de risco ou desenvolvimento de uma cura.

Quando se tem uma visão panorâmica dos benefícios da ciência para a saúde da mulher e onde esses benefícios mais ocorreram, os pesquisadores podem identificar características ou explicações para o menor ou maior avanço em alguns grupos de doenças. Também podem refletir sobre uma série de possíveis motivos para a ocorrência disso, incluindo o grau de interesse e subsequente financiamento pelas agências governamentais, a mobilização da sociedade civil; a disponibilidade de pesquisadores interessados e com treinamento adequado em um determinado campo de atuação; a compreensão adequada da fisiopatologia da doença; a disponibilidade de testes diagnósticos sensíveis e específicos e os programas de triagem para identificar pessoas em risco ou que tenham a doença; interesse na morbidade, em vez de mortalidade de uma doença; e barreiras associadas a preocupações políticas ou sociais. Além desses fatores, sabemos que os resultados de uma pesquisa podem levar de 15 a 20 anos para serem incorporados na prática clínica dos profissionais de saúde.

Em conclusão, apesar de registrarmos progressos substanciais na expansão do investimento na pesquisa em saúde da mulher e da inclusão dos resultados delas para a mudança em recomendações clínicas, ainda precisamos de mais pesquisas sobre como os fatores físicos, sociais e culturais afetam a saúde da mulher. É necessário ampliar a compreensão de como esses fatores podem afetar a saúde em grupos de mulheres vulneráveis, pois os avanços na saúde da mulher dependem também do acesso dessas mulheres aos resultados das pesquisas e do acesso aos serviços de saúde.

* Pró-reitora de Extensão da Ufes, médica ginecologista obstetra e doutora em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz

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