Doutoranda quer ajudar a desvendar os mistérios do universo

Aglomerado de galáxias Fornax. Foto: Kilo-Degree Survey Collaboration/A. Tudorica & C. Heymans/ESO
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– Por Ana Paula Vieira –

Única representante feminina entre estudantes e professores do Programa de Pós-Graduação em Astrofísica, Cosmologia e Gravitação (PPGCosmo/Ufes), um programa internacional formado por cinco instituições brasileiras e quatro estrangeiras, a doutoranda Tássia Andrade Ferreira não se intimidou com as insinuações, ainda na graduação, de que era aprovada nas disciplinas pelo fato de ser mulher. Enquanto sua capacidade era questionada, Tássia terminou a graduação em Física no tempo previsto e se formou sozinha, antes de todos os colegas homens. Atualmente, o foco das pesquisas de Tássia está em desenvolver programas de computador para ter informações sobre o Universo.

A graduação e o mestrado de Tássia foram na Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas o sotaque não revela a origem da estudante, que é baiana, mas já morou no Rio de Janeiro, no Ceará, no Maranhão, em Portugal, no Kwait e na Suíça. As andanças pelo mundo em decorrência do trabalho do pai não foram suficientes, ela queria mesmo era ajudar a descrever o Universo.

De onde viemos? Para onde vamos? Do que o Universo é composto? De que são feitas as estrelas? Essas perguntas fundamentais que permeiam a curiosidade e as pesquisas de Tássia são abordadas na Cosmologia, um ramo da Astronomia que estuda a estrutura e a evolução do Universo, preocupando-se tanto com a origem quanto com a evolução dele.

Tudo começou quando ela ainda nem compreendia bem o interesse pelo Universo e a área da Cosmologia. A menina que gostava muito de Física e Matemática no colégio se decidiu pela graduação em Física, mas visando à atuação na Astrofísica. “Pensei nessa área, mas aqui no Brasil é muito difícil”, analisa Tássia. Na graduação, a inspiração veio de um homem, já que ela afirma poder contar nos dedos as referências femininas na sua área.

O professor Cássio Pigozzo, seu orientador na graduação e no mestrado, trabalhava com Cosmologia Observacional e foi responsável pelo primeiro contato de Tássia com a área. A partir daí, ela veio para a Ufes integrar o PPGCosmo, um programa internacional de doutorado em Astrofísica, Cosmologia e Gravitação que conta com instituições de cinco países. E não para por aí: ela está de malas prontas para passar um ano nos Estados Unidos,  trabalhando com o orientador internacional Scott Dodelson, professor na Universidade de Carnegie Mellon, na Pensilvânia. O PPGCosmo trabalha com dois orientadores para cada estudante, um brasileiro e um estrangeiro. Aqui no Brasil, Tássia é orientada pelo professor Saulo Carneiro, que é da UFBA, uma das instituições que compõem o Programa.

Na jornada pelos mistérios do Universo, ainda na graduação e no mestrado, Tássia utilizou as Supernovas como variáveis principais de estudo. Segundo ela, Supernova é o nome dado ao fenômeno da explosão da estrela, um acontecimento claro, perceptível por meio de fotografias. A estudante explica que existem Supernovas dos tipos 1 e 2, e as do tipo 1 são classificadas em 1a, 1b e 1c. Ela se concentrou no estudo das Supernovas do tipo 1a, pois estas são encontradas em qualquer lugar do Universo e são padronizáveis. Tássia utiliza a

Supernova como uma ferramenta para entender o Universo: “Como a Supernova é uma explosão que tem uma luz, isso demora um tempo para chegar até aqui. Então, quanto maior a distância até a estrela, mais antiga ela era, e são gerados dados de quando o Universo era mais jovem”. Conforme a estudante, a teoria entende que as Supernovas do tipo 1a brilham igualmente em qualquer lugar do Universo, então os cálculos são feitos por meio de uma equação que as descreve.

Para obter os dados das Supernovas, Tássia utilizava as informações geradas pelo Supernova Legacy Survey, uma colaboração entre países por meio da qual um telescópio colocado no Havaí capturou imagens de Supernovas, gerando pacotes de dados a serem analisados. A participação de Tássia e de vários pesquisadores ao redor do mundo se dá na análise desses dados, que ficam disponíveis na internet após o fim da colaboração.

De acordo com ela, o Supernova Legacy Survey reuniu 472 Supernovas em três anos de observações, no período entre 2003 e 2008. Esses dados ela analisou na graduação, enquanto no mestrado e no doutorado utiliza as informações do Joint Light-curve Analysis, que reúne 740 Supernovas, abrangendo dados do Legacy e de outras colaborações. “Quanto mais dados você tem, melhor é a sua análise”, ressalta a estudante. O foco das pesquisas de Tássia é desenvolver programas de computador onde ela insere esses dados para obter informações sobre o Universo.

Energia escura

Na temporada que vai passar nos Estados Unidos, Tássia terá acesso aos dados de outra cooperação, chamada Dark Energy Survey. “O que eu faço é no contexto cosmológico, ou seja, numa escala muito grande do Universo. A gente observa estrelas, galáxias, aglomerado de galáxias, mas eu não estudo essas coisas em particular, eu as uso para descrever o Universo como um todo. Eu pego uma equação para descrever o Universo, que é o que chamamos de modelo padrão”, revela a pesquisadora.

Tássia ressalta que, nesse projeto, a ideia é investigar a natureza da energia escura. Mas o que é a energia escura? Tássia enfatiza que, de acordo com o modelo padrão, o Universo é formado por radiação, matéria, curvatura e energia escura. Dessa composição, os cientistas consideram que em torno de 5% do Universo é conhecido, formado pela chamada matéria bariônica, ou seja, o que é possível enxergar, e radiação. Os outros 95% são matéria escura e energia escura. Em 1998, ficou provado também que o Universo está em expansão, por meio da teoria da expansão acelerada do Universo, ou a condição de universo acelerado, que rendeu o Prêmio Shaw de Astronomia de 2006 e o Nobel de Física de 2011 para Saul Perlmutter, Brian Schmidt e Adam Riess, que chegaram à descoberta da expansão acelerada do universo mediante observações de Supernovas do tipo 1a.

Tássia explica: “Mas como o Universo está expandindo? Os cientistas entendem que deve ter alguma coisa, porque as forças que a gente conhece geralmente são atrativas. Por exemplo, a gravidade, a força magnética (se forem polos iguais, vai repelir). Mas a força magnética é fraca, então em grandes distâncias, não vai ter nada repelindo nem puxando. A força mais forte que a gente tem seria a gravidade. A Terra está girando em torno do Sol por causa da força da gravidade. Então, se a força mais forte que a gente tem é a da gravidade, como as coisas estão expandindo? Você esperaria que estaria tudo sendo puxado”.

A partir daí, os cientistas entenderam que alguma outra variável está fazendo o Universo se expandir. “Tem uma força de repulsão aí. Como a gente não sabe o que é, a gente chama de energia escura”, conclui Tássia. Os estudos a partir dos dados da colaboração Dark Energy Survey seguirão nesse caminho, e a doutoranda fará parte da força-tarefa criada em torno da análise desses dados.

Modelo cosmológico

Não significa, porém, que Tássia ficará observando fotos, grudada em um telescópio. O foco da pesquisa de doutorado da estudante é o desenvolvimento de um programa de computador que ela utiliza para testar alterações ao modelo cosmológico padrão. Conforme ela explica, o modelo e suas variações são feitos pelos teóricos da Cosmologia, e ela trabalha com os dados observacionais.

“Eu tenho esse modelo padrão, que é descrito por uma certa equação. Eu rodo o modelo padrão no programa que eu construí e obtenho determinados resultados. Depois rodo para outro modelo, obtenho os resultados e comparo os dois. Assim vou vendo qual modelo melhor se aplica ao Universo, já que o fenômeno é um só, mas precisamos da comprovação matemática”, enfatiza Tássia.

Durante o período de estudos nos Estados Unidos, Tássia continuará testando os modelos. “O modelo padrão diz que a quantidade de energia escura é constante. O modelo alternativo, que é no que eu estou trabalhando, diz que há uma produção de matéria escura, que na verdade a energia escura se converte em matéria escura com o tempo. Como isso é observado? No começo do Universo, a matéria escura tinha um valor e hoje tem outro. Então eu vou pegar os dados que eles têm da atualidade e continuar os testes com os programas que eu tenho ou construindo novos”, afirma.

Tássia conta com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e a viagem aos Estados Unidos também será custeada pela agência de fomento.

1 Comentário

  1. Que bom que nesse estudo uma mulher baiana possa contribuir nessa pesquisa tão importante para humanidade. Parabéns Tassia, que o país continue incentivando pesquisas como essa.

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