Iniciativa busca incluir pessoas com deficiência por meio da Educação Física

Atividades para crianças com deficiência no Laboratório de Educação Física Adaptada (Laefa). Projeto do laboratório ganhou o Prêmio Maria Filina 2018 – Foto: Arquivo Laefa
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– Por Nábila Corrêa –

“Lugar de gente é na sociedade”. É o que defende a professora Maria das Graças Carvalho, do Centro de Educação Física e Desportos da Ufes (CEFD), principalmente quanto à necessidade de inserção social das pessoas com deficiências. Entretanto, a professora declara que essa mesma sociedade ainda tem muita dificuldade em aceitar as diferenças e especificidades de cada indivíduo e conviver com elas.

Além disso, o Estado, que deveria desenvolver políticas para garantir os direitos de todos os cidadãos, vem se mostrando ineficiente nessa tarefa. “Desde a década de 1950, o Estado negligencia a sua responsabilidade no que se refere aos direitos sociais de todos, principalmente dos mais necessitados”, afirma a professora. Dessa forma, o trabalho desenvolvido no Laefa, por meio do projeto de extensão Práticas Pedagógicas de Educação Física Adaptada para Pessoas com Deficiência e seus Familiares, surge como uma alternativa de enfrentamento ao preconceito, ao isolamento e às rotulações vivenciados por eles no cotidiano, e também em virtude da falta de opções de espaços de cultura, de esporte e de lazer para esses indivíduos.

Iniciado em 1995, o projeto atende cerca de 120 pessoas, em cinco ações, cada uma voltada para um segmento específico. Com as crianças, são desenvolvidas atividades de Ginástica Infantil, além das realizadas na Brinquedoteca. Para o grupo com deficiência intelectual e autismo, são oferecidas práticas corporais relacionadas à cultura jovem, que favorecem o desenvolvimento da autonomia e dos processos de emancipação, como a capacidade de fazer as próprias escolhas.

Já para o segmento com baixa visão e cegueira, público mais idoso, são oferecidas atividades que visam minimizar as perdas funcionais ocasionadas pela idade e pela condição visual, tendo sempre foco na autonomia e qualidade de vida. Além das pessoas com deficiências, no Laefa também são atendidos os cuidadores e acompanhantes com a ação “Cuidadores que dançam”.

Segundo a professora Maria das Graças, o projeto só é possível devido ao envolvimento de uma equipe de cerca de 60 pessoas, entre professores, bolsistas e voluntários – estudantes do bacharelado, da licenciatura e da pós-graduação e egressos, tanto do CEFD, quanto de áreas afins – que têm nas ações do Laefa um campo de prática para atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Para o professor José Francisco Chicon, coordenador do projeto desde 2000, essa experiência vem permitindo aos envolvidos o desenvolvimento de valores como respeito, autoconfiança, cuidado de si e cooperação, constituindo-se, assim, num instrumento de empoderamento social.

Brincando de conviver com as diferenças

No projeto de extensão “Brinquedoteca: aprender brincando”, são realizadas duas atividades: “Brincando e aprendendo” e “Brincando e aprendendo com a ginástica”, desenvolvidas com crianças de quatro e cinco anos de idade, com autismo e síndrome de Down. Elas participam das atividades dividindo o espaço com as crianças com desenvolvimento típico, da mesma faixa etária, do Centro de Educação Infantil da Ufes (Criarte). Segundo o professor José Francisco Chicon, coordenador das duas atividades, desenvolver esse trabalho em um ambiente interativo traz benefícios para todos os participantes.

O coordenador explica que os traços de desenvolvimento mais avançados das crianças com desenvolvimento típico – como a linguagem verbal, a criatividade, a imaginação, a sociabilidade, a relação com a brincadeira, o entendimento de regras de conduta e a dinâmica dos movimentos corporais – podem tornar mais fácil o desenvolvimento desses aspectos nas crianças com autismo.

“Por outro lado, as crianças não deficientes, ao se relacionarem com essas crianças especiais, aprendem que existem outros modos de ser e estar no mundo, ficando mais sensibilizadas para acolher e respeitar a diversidade. Elas aprendem valores relacionados à solidariedade, respeito ao próximo e colaboração, compartilhando experiências de dificuldade e superação”, acrescenta o professor.

No entanto, o professor Chicon enfatiza que, para que seja possível essa integração, devem ser respeitadas as necessidades de cada participante. “Essa troca só se torna positiva se for organizada em um ambiente esclarecedor, rico em estímulos, mediados por professores que se preocupam em acolher a diferença e a diversidade em seus modos de ser e estar no mundo. Caso contrário o ambiente pode ser até desumanizador”.

No Laefa, as 40 crianças encaminhadas pelo Centro de Educação Infantil Criarte-Ufes e as 20 com autismo e síndrome de Down são divididas em grupos de dez participantes não deficientes e cinco com deficiência, de ambos os sexos, para participarem das duas atividades citadas.

As ações são desenvolvidas com os grupos na sala da brinquedoteca e na sala de ginástica olímpica. “Os jogos, brinquedos e brincadeiras infantis são o ponto central da proposta de trabalho, são conteúdo que encerra o processo de ensino e de aprendizagem”, explica o coordenador. Nessas atividades, as crianças são acompanhadas por acadêmicos do curso de Educação Física que atuam como brinquedistas, isto é, aqueles que têm a atribuição de estimular a brincadeira infantil, de brincar junto, enriquecendo o repertório lúdico das crianças.

Cultura Jovem

Os jovens e adultos com deficiência intelectual e autismo atendidos no Laefa encontram na proposta do projeto instrumentos para lutar contra as rotulações de serem pessoas infantilizadas, dependentes e socialmente limitadas. “A sociedade olha com certa compaixão para a criança com deficiência, mas o jovem e o adulto com deficiência sofrem uma maior rejeição”, afirma a professora Maria das Graças Carvalho.

Coordenadora das ações voltadas para esse público, ela explica que a primeira barreira a ser rompida é interna, já que os estudantes do curso de Educação Física, ao escolherem os subprojetos para exercerem suas atividades acadêmicas, preferem as ligadas ao público infantil, por anteverem dificuldades de relacionamento com os adultos, preocupações que se demonstram insubsistentes quando passam a conviver com eles. “Os estudantes querem trabalhar com o público infantil, porque acham que os alunos adultos vão bater, vão babar… É preciso todo um trabalho de convencimento sobre quem são estes sujeitos, entretanto depois que os conhecem, eles acabam se encantando.”

Professores e estudantes de graduação e pós-graduação participam do projeto que atende pessoas com deficiência e seus familiares - Foto: Karla Silveira/Ufes
Equipe do projeto, que atende não só crianças e jovens, mas também adultos, idosos e familiares – Foto: Karla Silveira/Ufes

Maria das Graças explica que, com esse público, buscando a superação da infantilização com que muitos deles são tratados, optou-se por trabalhar com práticas corporais que estejam vinculadas ao conceito de juventude. “Neste ano fizemos uma opção pelo hip hop, porque ele traz no seu bojo a cultura juvenil. Isso porque muitos dos nossos alunos até hoje são infantilizados, vistos como pessoas sem capacidade de escolha”. Ela explica ainda que o hip hop tem diferentes dimensões de linguagem com as quais se pode trabalhar, como a música, a dança, o grafite, o skate e o basquete de rua e, dessa forma, os participantes têm mais opções para se expressar de acordo com suas possibilidades e condições para que haja assim um desenvolvimento pessoal.

Além das iniciativas realizadas no espaço da Universidade, a professora Maria das Graças destaca que são organizadas atividades externas para ampliar o repertório cultural dos jovens, partindo da premissa de que o indivíduo se humaniza a partir das experiências culturais que vai internalizando ao longo de sua vida: “Se você tiver uma experiência restrita em relação à produção cultural, seu processo de humanização vai sofrer consequências disso, então partimos do pressuposto que ninguém deve ser segregado a um determinado tipo de convívio, devemos ter oportunidade de ter acesso às mais variadas experiências”.

Para a coordenadora, boa parte do déficit intelectual e de aprendizagem que esses indivíduos apresentam é resultado mais da falta de acesso à cultura e não necessariamente de suas reais condições orgânicas. “Então, a nossa compreensão é de que, quanto mais eles puderem interagir com outras realidades, outras histórias de vidas, outras culturas, mais humanos eles se tornam, assim como todo indivíduo”.

Práticas Holísticas

O outro grupo atendido pela professora Maria das Graças, o dos adultos com baixa visão e cegueira, precisa de atenção especial por duas razões. A primeira por causa das próprias limitações físicas e de mobilidade ocasionadas e, a segunda, por causa da faixa etária desse público, constituído por pessoas, em sua maioria, idosas. Para eles, a professora explica que foram pensadas propostas pedagógicas diferentes, mais “holísticas”: “Trabalhamos com atividades como ioga, tai chi chuan, aqua zumba e pilates, porque percebíamos que eles estavam tendo perdas funcionais, então precisamos trabalhar mais o conhecimento e reconhecimento da sua corporeidade”.

Outro problema enfrentado por esse grupo é a condição depressiva vivida por muitos deles, em virtude da reclusão, por causa da perda da visão ou da idade avançada. “Uma participante, por exemplo, nos contou que, antes de fazer parte do projeto, ela estava muito deprimida, por causa da morte de sua mãe. O projeto é o espaço de interação, de trocas, de convívio com outros participantes e, também, com os estudantes e professores do Laefa”.

Quem cuida dos cuidadores?

A situação dos acompanhantes das crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência inquietava a professora Maria das Graças Carvalho desde que iniciou seus trabalhos de pesquisa, acompanhando instituições especializadas. “Fazendo visitas às instituições como Apae e Pestalozzi, eu percebia que, enquanto os filhos eram atendidos nas mais variadas práticas, as mães ficavam lá fora sem ter o que fazer. Isso sempre me incomodou, porque sabemos da luta delas, que passam o tempo inteiro vivendo a condição do filho”, afirma a professora.

Então, em 2012, com a chegada da professora Erineusa Maria da Silva, que já desenvolvia um trabalho representativo na área de dança, teve início o subprojeto “Cuidadores que dançam”, pensado para valorizar essas pessoas que zelam pelo bem-estar do próximo, a ponto de deixarem em segundo plano as próprias necessidades. Segundo a professora Erineusa, que coordena as atividade para esse público, ao se pensar em uma sociedade solidária, o cuidado com o outro é fundamental. Porém, no caso das mães e familiares que acompanhavam os participantes do Laefa, esse cuidado era mais exercido que o cuidado de si.

“Nessa linha, a dança, com seu forte potencial para ampliar a expressão e a cultura corporal, pareceu-nos um conhecimento importante e mobilizador naquele momento”, explica a coordenadora, acrescentando que a dança possibilita experiências estéticas que contribuem para uma ressignificação de si, sendo uma rica experiência para os sentidos do corpo, influenciando na percepção das coisas do mundo e da vida.

Segundo a professora Maria das Graças, o objetivo desse trabalho é resgatar a autoestima dos cuidadores, principalmente das mães, para que elas vejam a necessidade de cuidarem delas mesmas: “Era necessário que elas tivessem um espaço de escuta, e a dança é uma ferramenta que, vista de uma perspectiva criativa, liberta, ao permitir que a pessoa descubra seu corpo, e a própria gestualidade”.

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