Archive for julho, 2020

A (difícil) prova da União Estável

As pessoas mentem e o fazem por diversos motivos. Inclusive para fazer o bem.

A mentira é tão inerente ao ser humano, que já foi objeto de análise por filósofos muito importantes. Para Benjamin Constant, por exemplo, dizer a verdade é inegavelmente um dever moral, entretanto, apenas em relação àqueles que possuem um direito à verdade. Assim, seria moralmente legítimo mentir a um assassino que busca meu amigo para matá-lo.[1] Alguns defendem que até Jesus teria mentido ao dizer que não iria à festa dos tabernáculos, mas acabou indo (João 7:8).

A meu ver, a mentira é uma inverdade sempre sobre o passado ou o presente; ninguém mente sobre o futuro, pois mentir é uma falsa narrativa acerca de atos pretéritos ou que estejam ocorrendo naquele momento.

Nesta linha de pensamento, alguém dizer que fará algo, mas deixar de fazê-lo, não diz uma mentira, mas quebra de promessa. É um inadimplemento e não uma falsidade.

A testemunha depõe sobre o passado; sobre o que presenciou, sobre o que viu. E, na audiência, diante da pergunta acerca do fato controvertido, ela pode mentir ou falar a verdade[2].

Mente-se tanto, que raramente em processos judiciais ou administrativos o juiz se sente confortável em se apoiar na prova exclusivamente testemunhal para comprovar a existência de algum fato – ou a prática ou de algum ato – , como ocorre nas causas em que se pretende provar o período da existência da União Estável, seja para fins previdenciários (para obter pensão por morte, por exemplo), seja civis, para comprovar ter havido uma entidade familiar (em regra, para obtenção de alimentos, partilha de bens ou parte da herança).

A legislação civil não indica nenhum meio de prova para demonstrar a existência dessa relação de fato que é a União Estável, limitando-se a indicar seus elementos constitutivos (art. 1.723 do CC).

O Código de Processo Civil também não possui nada relativo especificamente ao tema, do que se conclui que esse fato da vida se demonstra pelos meios de prova regulares (art. 369), como, aliás, é feito no cotidiano forense.

Porém, no campo do Direito Previdenciário, a matéria é disciplinada de forma mais detalhada, não se admitindo, em regra, a prova exclusivamente testemunhal, como se verifica do art. 16 da Lei nº 8.213/91:

Art. 16 (…)

§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado.   (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

Por sua vez, o Regulamento (DECRETO No 3.048, DE 6 DE MAIO DE 1999), assim prescreve:

§ 5º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que mantenha união estável com o segurado ou segurada.

 § 6º  Considera-se união estável aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre pessoas, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o disposto no § 1º do art. 1.723 da Lei nº 10.406, de 2002 – Código Civil, desde que comprovado o vínculo na forma estabelecida no § 3º do art. 22.       (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020).

§ 6º-A  As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior aos vinte e quatro meses anteriores à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, observado o disposto no § 2º do art. 143.     (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

(…)

§ 8º  Para fins do disposto na alínea “c” do inciso V do caput do art. 114, em observância ao requisito previsto no § 6º-A, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável pelo período mínimo de dois anos antes do óbito do segurado.       (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

Exige-se para inscrição do dependente, a certidão de casamento do segurado, contendo a averbação da sentença do divórcio, da separação judicial ou da sentença anulatória e certidão de óbito, se for o caso, quando o companheiro do requerente já tiver sido casado.

O Decreto vai além e traz uma lista dos elementos probantes que devem ser produzidas pelo interessado em comprovar que a União Estável é contemporânea ao fato gerador do benefício[3]:

Art. 22 (…)

§ 3º  Para comprovação do vínculo e da dependência econômica, conforme o caso, deverão ser apresentados, no mínimo, dois documentos, observado o disposto nos § 6º-A e § 8º do art. 16, e poderão ser aceitos, dentre outros:       (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020).

        I – certidão de nascimento de filho havido em comum;

        II – certidão de casamento religioso;

        III – declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente;

        IV – disposições testamentárias;

        V – (Revogado pelo Decreto nº 5.699, de 2006)

        VI – declaração especial feita perante tabelião;

        VII – prova de mesmo domicílio;

        VIII – prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil;

        IX – procuração ou fiança reciprocamente outorgada;

        X – conta bancária conjunta;

        XI – registro em associação de qualquer natureza, onde conste o interessado como dependente do segurado;

        XII – anotação constante de ficha ou livro de registro de empregados;

        XIII – apólice de seguro da qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária;

        XIV – ficha de tratamento em instituição de assistência médica, da qual conste o segurado como responsável;

        XV – escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome de dependente;

        XVI – declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos; ou

        XVII – quaisquer outros que possam levar à convicção do fato a comprovar.

Neste último caso, típica cláusula geral, se enquadram, dentre outros:

– as sentenças judiciais procedentes declaratórias de União Estável; estas não fazem coisa julgada perante o instituto de previdência, pois não participou da lide (art. 506 CPC), mas constituem um dos documentos que pode convencer o órgão previdenciário da existência de União Estável[4].

contrato particular de União Estável; este negócio jurídico, naturalmente, não vale contrato terceiros, conforme Princípio da Relatividade dos Efeitos da Convenção, entretanto são um elemento de convencimento. No mesmo sentido, o pacto antenupcial.

A lista de documentos constante do Decreto em tela constitui rol meramente exemplificativo, admitindo-se, portanto, que sejam ofertados outros, e é destinada apenas ao INSS; todavia, quase todos os regulamentos de regime próprio de previdência social (aqueles para seus servidores mantidos pela União, por Estados e por Municípios) adotam a mesma disposição no tocante à prova do relacionamento, sendo que, no caso do ente federal, são exigidos três documentos, segundo a ORIENTAÇÃO NORMATIVA SRH/MPOG Nº 9, DE 5 DE NOVEMBRO DE 2010.

Um ponto importante a ser destacado é que a dependência econômica da companheira (ou do companheiro) é presumida jure et de jure (art. 16, §4º , da Lei nº 8.213/91 e art. 16,§ 7º, do Decreto) , não fazendo sentido produzir prova para demonstrar que o falecido “sustentava a casa”, o que, mais uma vez, comprova a quase completa equiparação da união estável ao casamento.

Em conclusão, constata-se que no âmbito do Direito Previdenciário administrativo, a prova exclusivamente testemunhal não é suficiente para a comprovação da União Estável, vigorando o sistema da prova tarifada, embora existam precedentes em sentido contrário.[5] Esses precedentes, entretanto, não convencerão o funcionário do órgão de previdência, o que obrigará o interessado a trilhar o caminho judicial[6]. Desse modo, consigas os documentos e os apresente ao servidor, pois do contrário terás muita dor de cabeça !

Por sua vez, no âmbito civil, como vigora o sistema do livre convencimento motivado[7], a União Estável pode ser comprovada por prova exclusivamente testemunhal, com todos os problemas relativos a essa companheira da civilização humana: a mentira.


[1] Para uma leitura introdutória a esse instigante assunto, remeto o leitor interessado a dois links: https://revista.univem.edu.br/emtempo/article/view/110 e http://www.urutagua.uem.br/007/07figueiredo.htm.

[2] Sim, sim, eu sei a complexidade do tema verdade e o que é verdadeiro para alguns não é para outros e sei também que a memória é algo construído pelo intelecto (é um desenho e não uma fotografia), mas este post não é sobre Filosofia nem sobre Psicanálise, então, vamos em frente.

[3] Por exemplo, no caso de pensão por morte, o dependente deve demonstrar que mantinha com o falecido o relacionamento quando de sua morte.

[4] Existe entendimento de que a sentença de improcedência beneficia o órgão de previdência.

[5] Súmula 63 da TNU e STJ no REsp 1824663 / SP, citando inúmeros precedentes.

[6]Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate”.

[7] Enquanto o CPC de 1973 falava em “apreciar livremente a prova”, ao codex atual estabelece incumbir ao juiz “apreciar a prova”. O desaparecimento do termo “livremente” para querer dizer que a valoração da prova não pode mais ser feita pelo juiz de forma discricionária, embora o STJ tenha precedentes afirmando que o livre convencimento permanece no sistema. Veja-se, por todos, a reflexão de Lênio Streck em https://www.conjur.com.br/2019-set-26/senso-incomum-claro-texto-cpc-stj-reafirma-livre-convencimento

União Poliafetiva não é (ainda) União Estável

As uniões múltiplas ou “poliamorosas” ou poliafetivas são relacionamentos livres, não proibidos pelo Direito, mas não geram efeitos jurídicos no Direito de Família, sendo consideradas associações de fato.

Realmente, considerando que o Brasil não é um país muçulmano nem mórmon, a simultaneidade de uniões não gera efeitos jurídicos no âmbito do Direito de Família, pois o Princípio da Monogamia não permite a concessão de efeitos jurídicos a dois casamentos simultâneos, nem duas uniões estáveis, tampouco uma união estável e um casamento.

O Conselho Nacional de Justiça, no PP – Pedido de Providências – Corregedoria, processo 0001459-08.2016.2.00.0000, decidiu, em 26/06/2018, proibir a confecção, pelos cartórios, de escrituras públicas de poliamor.

Eis o resumo da decisão:

Ementa
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA. ENTIDADE FAMILIAR. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILDADE. FAMÍLIA. CATEGORIA SOCIOCULTURAL. IMATURIDADE SOCIAL DA UNIÃO POLIAFETIVA COMO FAMÍLIA. DECLARAÇÃO DE VONTADE. INAPTIDÃO PARA CRIAR ENTE SOCIAL. MONOGAMIA. ELEMENTO ESTRUTURAL DA SOCIEDADE. ESCRITURA PÚBLICA DECLARATÓRIA DE UNIÃO POLIAFETIVA. LAVRATURA. VEDAÇÃO.
1. A Constituição Federal de 1988 assegura à família a especial proteção do Estado, abarcando suas diferentes formas e arranjos e respeitando a diversidade das constituições familiares, sem hierarquizá-las.
2. A família é um fenômeno social e cultural com aspectos antropológico, social e jurídico que refletem a sociedade de seu tempo e lugar. As formas de união afetiva conjugal – tanto as “matrimonializadas” quanto as “não matrimonializadas” – são produto social e cultural, pois são reconhecidas como instituição familiar de acordo com as regras e costumes da sociedade em que estiverem inseridas.
3. A alteração jurídico-social começa no mundo dos fatos e é incorporada pelo direito de forma gradual, uma vez que a mudança cultural surge primeiro e a alteração legislativa vem depois, regulando os direitos advindos das novas conformações sociais sobrevindas dos costumes.
4. A relação “poliamorosa” configura-se pelo relacionamento múltiplo e simultâneo de três ou mais pessoas e é tema praticamente ausente da vida social, pouco debatido na comunidade jurídica e com dificuldades de definição clara em razão do grande número de experiências possíveis para os relacionamentos.
5. Apesar da ausência de sistematização dos conceitos, a “união poliafetiva” – descrita nas escrituras públicas como “modelo de união afetiva múltipla, conjunta e simultânea” – parece ser uma espécie do gênero “poliamor”.
6. Os grupos familiares reconhecidos no Brasil são aqueles incorporados aos costumes e à vivência do brasileiro e a aceitação social do “poliafeto” importa para o tratamento jurídico da pretensa família “poliafetiva”.
7. A diversidade de experiências e a falta de amadurecimento do debate inabilita o “poliafeto” como instituidor de entidade familiar no atual estágio da sociedade e da compreensão jurisprudencial. Uniões formadas por mais de dois cônjuges sofrem forte repulsa social e os poucos casos existentes no país não refletem a posição da sociedade acerca do tema; consequentemente, a situação não representa alteração social hábil a modificar o mundo jurídico.
8. A sociedade brasileira não incorporou a “união poliafetiva” como forma de constituição de família, o que dificulta a concessão de status tão importante a essa modalidade de relacionamento, que ainda carece de maturação. Situações pontuais e casuísticas que ainda não foram submetidas ao necessário amadurecimento no seio da sociedade não possuem aptidão para ser reconhecidas como entidade familiar.
9. Futuramente, caso haja o amadurecimento da “união poliafetiva” como entidade familiar na sociedade brasileira, a matéria pode ser disciplinada por lei destinada a tratar das suas especificidades, pois a) as regras que regulam relacionamentos monogâmicos não são hábeis a regular a vida amorosa “poliafetiva”, que é mais complexa e sujeita a conflitos em razão da maior quantidade de vínculos; e b) existem consequências jurídicas que envolvem terceiros alheios à convivência, transcendendo o subjetivismo amoroso e a vontade dos envolvidos.
10. A escritura pública declaratória é o instrumento pelo qual o tabelião dá contorno jurídico à manifestação da vontade do declarante, cujo conteúdo deve ser lícito, uma vez que situações contrárias à lei não podem ser objeto desse ato notarial.
11. A sociedade brasileira tem a monogamia como elemento estrutural e os tribunais repelem relacionamentos que apresentam paralelismo afetivo, o que limita a autonomia da vontade das partes e veda a lavratura de escritura pública que tenha por objeto a união “poliafetiva”.
12. O fato de os declarantes afirmarem seu comprometimento uns com os outros perante o tabelião não faz surgir nova modalidade familiar e a posse da escritura pública não gera efeitos de Direito de Família para os envolvidos.
13. Pedido de providências julgado procedente.

União Estável

Afinal, o que é essa forma de relacionamento humano chamada União Estável?

João Ozório de Melo noticiou que “Estados Unidos está perto de acabar com a união estável”.

Explicou ele em 04/08/2019, que “o Tribunal Superior da Carolina do Sul aboliu, na semana passada, o reconhecimento da união estável, chamada nos Estados Unidos de common-law marriage. Desde então, só são legalmente reconhecidas no estado uniões de papel passado — ou seja, com certificado de casamento. Com a pena de morte decretada para a união estável na Carolina do Sul, agora só sobraram nove dos 50 estados do país — e mais o Distrito de Colúmbia — que reconhecem a união estável. Alguns estados que eliminaram essa instituição ainda reconhecem o “direito adquirido” das uniões estáveis que existiam antes delas serem extintas. Nenhum dos estados dos EUA reconhece o concubinato para efeitos jurídicos. As pessoas nessa situação vivem em “coabitação”. Até o nome de concubino(a) desapareceu. Agora elas são tratadas como namorados(as), noivos(as), parceiros(as) da vida ou amantes que vivem juntos.”

Porém, no Brasil, a União estável segue firme e cada vez mais forte.

Segundo o Colégio de Tabeliães de SP, “os tabelionatos de notas de todo o Brasil registraram um aumento de 57% no número de formalizações de uniões estáveis de 2011 (87.085) a 2015 (136.941), enquanto os casamentos cresceram aproximadamente 10% no mesmo período, segundo o Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), passando de 1.026.736 para 1.131.734 atos realizados.”

No ordenamento jurídico-legal brasileiro, a previsão de União Estável se encontra no art. 226 da Constituição Federal, que estabelece: §3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Por sua vez, o art. 1.723 do Código Civil preceitua que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, configurada pela convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Até a entrada em vigor da Constituição Federal, não existia na legislação o termo “União Estável”. A doutrina, amparada da obra clássica de Álvaro Villaça de Azevedo[1], denominava o que chamamos atualmente de União Estável de Concubinato Puro[2] ou Casamento de Fato.

No Direito Previdenciário, essa forma de relacionamento era denominada Companheirismo, termo presente na antiga Lei Orgânica da Previdência Social (Lei nº 3.807/60, com a redação dada pela Lei nº 5.890/93), a qual mencionava em seu art. 11, I, a figura da “companheira” como dependente do segurado.

Vejam que antes dessa norma legal de 1973, a Lei Orgânica da Previdência Social falava apenas em “pessoa designada que viva sob sua dependência econômica”. Ou seja, algo meio “escondido” porque aparentava ter uma natureza “sacrílega”, pois era um relacionamento constante e duradouro, mas fora do casamento civil.

Assim, embora esse tipo de relação entre homem e mulher já existisse há centenas de anos no Brasil (e a milhares no mundo), foi, portanto, a Constituição Federal de 1988 quem criou o termo União Estável, mas ainda assim como uma subcategoria, isto é, inferior ao Casamento, afinal, o constituinte prescreveu que o Estado deveria facilitar a conversão da União Estável em Casamento. Para regular a norma constitucional, foram votadas a Lei n° nº 9.278/96, e a Lei 8.971/94. Hoje, o regulamento da União Estável está no Código Civil e na jurisprudência do STJ e do STF.

Aliás, no que tange à nossa Suprema Corte, decidiram os seus integrantes criar, tal como legisladores, em 05/05/2011, a União Estável Homoafetiva[3], o que fizeram no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.

Vale dizer, embora todos os textos legais, inclusive a Constituição, sempre mencionaram união entre homem e mulher, o STF decidiu em 2011 que a Carta continha implícita a possibilidade de união entre pessoas do mesmo sexo[4].

A partir daí, o órgão administrativo denominado CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou o Casamento Homoafetivo em 16/05/2013 (Provimento nº 175/2013), tendo o Brasil, assim, assumido a condição de único país do mundo que oficializou uniões dessa natureza sem decisão do Parlamento.

O tema hoje está pacificado.

Considerando que o Brasil não é um país muçulmano nem mórmon, a simultaneidade de uniões – a chamadas união poliafetiva – não gera efeitos jurídicos no âmbito do Direito de Família. Assim, não é possível termos ao mesmo tempo dois casamentos, nem duas uniões estáveis, tampouco uma união estável e um casamento[5].

Cabe lembrar que o CNJ proibiu em 2018 os cartórios de elaborarem escrituras públicas de relacionamentos poliafetivos (PP – Pedido de Providências – Corregedoria – Processo 0001459-08.2016.2.00.0000).

Mas, e se uma mulher mantém relacionamento com um homem (ou vice-versa) casado acreditando que ele é divorciado, solteiro, separado ou separado de fato de sua esposa, mas na verdade ele ainda é casado? Estando ela de boa-fé (subjetiva, no caso), temos a chamada União Estável Putativa, que gerará efeitos jurídicos apenas em favor dela e não dele.

A União Estável é um fato ou um estado civil? Os estados civis são: solteiro, casado, desquitado, separado, divorciado e viúvo. Mas, a importância da União Estável cresceu tanto, que a doutrina está dividida.

Note-se que o CPC atual exige que o companheiro obtenha consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário e que também a confissão do companheiro não valerá sem a do outro, o que parece demonstrar uma intenção do legislador em tratar essa união como um estado civil.

Para solucionar a questão, existe o Projeto de Lei nº 1.773/2003 na Câmara dos Deputados[6], dispondo sobre o estado civil dos companheiros na união estável, alterando o CCB, Fica agora ao legislador dizer, com exatidão, que o estado de convivente é um estado civil, na dignidade de ser um direito de personalidade reconhecido ao companheiro.

Afinal, o que é uma União Estável? Minha resposta é a seguinte: é igual a um casamento, só que falta o “papel”.


[1] AZEVEDO, Álvaro V. (1995). União estável. Antiga forma de casamento de fato. Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo90, 91-119. Recuperado de http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67291

[2] O Concubinato Impuro era o atual Concubinato, previsto no art. 1.727 do CCB (As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato), cuja espécie mais popular é o Concubinato Adulterino, o ou a “amante”.

[3] Antes dessa novidade trazida pelo Judiciário, essas uniões eram classificadas como sociedade de fato.

[4] O tema suscita uma questão técnico-jurídica interessante em relação à retroatividade ou não das uniões entre pessoas do mesmo sexo desconstituídas antes da criação do STF.

[5] As uniões múltiplas ou “poliamorosas” são relacionamentos livres, não proibidos pelo Direito, mas não geram efeitos jurídicos no Direito de Família, sendo consideradas sociedades de fato.

[6] Esse projeto se encontra desde 31/01/2019 na CCJC.