– Por Letícia Nassar –
Na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), as mulheres correspondem a 44% do total de 1.450 docentes que desenvolvem pesquisas na Instituição. Esse índice coloca a Universidade próxima à média percentual de instituições de ensino superior de países como Estados Unidos, França, Dinamarca, Canadá e Reino Unido. Segundo o relatório “Gender in the Global Research Landscape” (Gênero no Cenário Global de Pesquisa, em tradução livre), da maior editora de literatura médica e científica do mundo, a Elsevier, que apresenta uma análise da performance científica de homens e mulheres entre 1996 e 2015 em 11 países e mais a União Europeia, no Brasil as mulheres são 49% do total de pesquisadores. Os percentuais apresentam um avanço em termos de igualdade de gênero na academia nas últimas duas décadas, porém, em alguns campos do conhecimento, há muitas barreiras a serem vencidas para que os números se equiparem.
O relatório “Gender in the Global Research Landscape” (gênero no cenário global de pesquisa, em tradução livre), divulgado em junho de 2017, considerou como indicadores em sua pesquisa a autoria de artigos, proporção de mulheres e homens entre pesquisadores, impacto das publicações, proporção de mulheres e homens entre inventores e suas patentes, liderança, colaboração, interdisciplinaridade e mobilidade internacional. A partir das análises desses dados é possível conhecer os fatores que influenciam as discrepâncias de gêneros nas disciplinas STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, na tradução da sigla em inglês).
Segundo o documento, a quantidade de pesquisadoras varia de acordo com a área do conhecimento. Na Ufes, no ano de 2017, em pesquisa realizada junto aos 60 programas de pós-graduação, nas quais se concentra grande parte dos docentes pesquisadores, elas são 40%. Os programas em que elas constituem a maioria são: Enfermagem (70,60%); Ensino, Educação Básica e Formação de Professores (70,60%); Educação (69,70%), Ensino de Biologia em Rede Nacional (69,23%); Psicologia (66,6%); Saúde Coletiva (65,21%); Política Social (65%); Ciências Sociais (64,7%); Nutrição e Saúde (64,7%); Arquitetura e Urbanismo (64,28%); Linguística (60%); mestrado profissional em Educação (59%); Ensino na Educação Básica (59%); e Ciência e Tecnologia de Alimentos (53,8%). Esses números condizem com os resultados apresentados pelo relatório da Elsevier, o qual aponta a presença de maior número de pesquisadoras nas áreas da Saúde, Humanas e Ciências Sociais.
O estudo da editora também aponta que é na Enfermagem, subárea da Saúde, que a porcentagem de mulheres é maior, não só no Brasil como também na Austrália, no Canadá, em Portugal e nos Estados Unidos. A professora Ethel Maciel, da graduação em Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC), onde, por exemplo, dos 23 docentes, 15 são mulheres, explica que a presença feminina na área da Saúde é cultural. “A Enfermagem, por exemplo, é um curso historicamente feminino. A Enfermagem moderna está ligada à preparação das mulheres para ir à guerra para cuidar dos soldados. Os homens lutavam e as mulheres cuidavam dos feridos. Hoje, em todas as graduações de Enfermagem no Brasil, as mulheres são mais de 80% dos estudantes. Na nossa sociedade patriarcal, quem cuida é a mulher. Ela cuida das crianças, dos idosos, da casa e dos doentes”, ressalta.
“Na pesquisa em Ciências Exatas, quando sou apenas Wrobel, J. S., e na Ufes, não tive dificuldades em relação à questão de gênero. A coisa é mais difícil nas relações entre as pessoas, quando sou Julia.
Durante o meu doutorado, era difícil. Por mais de um ano, fui a única doutoranda do grupo. Ouvi do meu co-orientador que mulher não deveria fazer doutorado, deveria ficar em casa cuidando das crianças. Outro professor do grupo, certa vez, em uma discussão mais dura, me pediu para não chorar como todas as mulheres. Temos o tempo todo que provar que somos boas, que somos iguais. Porque ser mulher pesa negativamente.”Julia Schaetzle Wrobel, professora do Programa de Pós-Graduação em Mestrado Profissional em Matemática (Centro de Ciências Exatas)
Os cursos de pós-graduação da Ufes em que há uma paridade de presença de ambos os sexos são Biodiversidade Tropical, Ciências Veterinárias, Doenças Infecciosas, Engenharia Química e Engenharia e Desenvolvimento Sustentável.
Já nas chamadas ciências duras, a porcentagem de mulheres é menor. O estudo da Elsevier mostra que nos campos da Ciência da Computação, Energia, Engenharia, Matemática, Física e Astronomia, na maioria dos países e das regiões pesquisados, as mulheres representam menos de 25% entre os pesquisadores. Na Ufes não é diferente. As pós-graduações em que os índices de presença de docentes pesquisadoras são inferiores a 30% estão, por exemplo, em Engenharia Ambiental, Matemática, Ensino de Física, Agroquímica e Engenharia Elétrica. Abaixo dos 10% estão os programas de pós-graduação em Produção Vegetal e Física, onde há apenas duas mulheres; e Engenharia Mecânica, com apenas uma mulher. No programa de pós-graduação em Astrofísica, Cosmologia e Gravitação, não há professoras e, entre os doutorandos só há uma estudante (confira a reportagem com a aluna na página 44).
“Desde a minha formação eu sempre tive disputa igualitária no que diz respeito aos cargos. Mas essa equidade não acontecia com relação ao salário. É só no serviço público que o salário sempre foi o mesmo entre professores e professoras. Enquanto eu estava na iniciativa privada, principalmente como engenheira, para assumir o mesmo quadro, sempre houve diferenças salariais. As diferenças continuam, porque hoje tenho duas filhas que também cursam engenharia e, na disputa entre homem e mulher para a mesma vaga de estágio, elas recebem menos que os homens.”
Patrícia Alcântara Cardoso, professora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (Centro Tecnológico) e secretária de Relações Internacionais da Ufes
Confira também:
“O que deve vencer sempre é a competência”, diz professora Cristina Engel
“Superação do preconceito de gênero poderia melhorar a ciência”, afirma professora Fabrícia Benda
Pesquisadoras no Programa Produtividade em Pesquisa do CNPq
Internacionalização
O relatório da Elsevier apresenta dados importantes a respeito da participação de pesquisadoras em trabalhos em parceria com instituições de outros países, ou seja, a internacionalização das pesquisas que desenvolvem em seus centros de ensino. No Brasil, Canadá e Reino Unido, a quantidade de pesquisadoras que fazem mobilidade internacional é abaixo da quantidade das que atuam em pesquisa. O documento da editora conclui, então, que as mulheres tendem a se mover internacionalmente menos do que os homens.
Em 2017, segundo o Departamento de Pós-Graduação/PRPPG, 285 docentes da Ufes participaram de congressos, conferências, visitas técnicas e outras atividades vinculadas à pesquisa no exterior. Desse total, 43,16% eram mulheres e 56,84%, homens, ou seja, as pesquisadoras da Instituição vão a eventos internacionais para apresentar os trabalhos desenvolvidos nos campi. Em parceria ou não com outras instituições de ensino – nacionais ou internacionais – essas docentes estão em eventos onde outros colegas do seu campo de pesquisa se encontram para debater e discutir projetos e resultados das investigações, além de traçar novos rumos para as pesquisas.
“Com a internacionalização, os pesquisadores estão sempre em contato com pessoas que tratam do mesmo tema. Em toda pesquisa há sempre uma pergunta e quando o pesquisador está no meio de colegas que vivem em outros ambientes e têm olhares diferentes a respeito da questão, essa troca de informações entre pares acaba contribuindo para a pesquisa”, explica a professora Patrícia Alcântara Cardoso.
Apesar de todas as dificuldades, seja durante a realização das pesquisas, seja na internacionalização de seus resultados, as pesquisadoras não se intimidam, e os números da Ufes e da Elsevier mostram que o espaço da pesquisa é também das mulheres.
Faça um comentário