Que vínculo jurídico existe entre os divorciados? Nenhum, claro, do mesmo modo que não existe vínculo entre dois amigos, pois a amizade não é fato gerador de efeitos jurídicos. Terminada a amizade, nem ligação afetiva persiste (exceto ódio, em algumas situações).
Assim, se A é casado com B e se divorciam, de maneira consensual ou litigiosa, acaba neste instante todo vínculo jurídico entre eles, inclusive o dever de sustento (obrigação de prestar alimentos).
Porém, com base no art. 1.709 do CCB (“o novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio.”) tem-se deferido pensão no Divórcio Direto Litigioso, sob a argumentação de que a redação do dispositivo menciona expressamente que na sentença de divórcio pode ser fixado esse benefício (“constante da sentença de divórcio”, diz o artigo), o que me parece um conclusão dogmaticamente correta.
Evidentemente que somente “são devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento” (art. 1.695 do CCB).
Neste ponto, aproveito para acrescentar outro requisito, necessário após o divórcio ter se tornado um direito potestativo imotivado: que aquele que pleiteia alimentos não tiver tido comportamento indigno em relação ao seu ex-cônjuge durante a relação conjugal. Com efeito, não há como se imaginar que eu teria que pagar alimentos a minha ex-esposa que tentou me matar, crime que me levou a requerer o divórcio. É aplicação analógica do parágrafo único do art. 1.708 do CCB (“com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor”). Todavia, isso é assunto para outro post.
Pois bem, retomando a questão dos alimentos entre divorciados (no divórcio direto e litigioso), penso que se não tiverem sido fixados na sentença, será impossível obtê-los posteriormente, uma vez que não há mais nenhuma relação jurídica entre pessoas divorciadas e sem relação jurídica não há que se falar em direito subjetivo.
Depois do divórcio, eu e minha ex-esposa temos a mesma relação jurídica que possuo como minha vizinha: nenhuma.
Teria eu que, em nome de um conceito metajurídico de “solidariedade social” ou “dignidade da pessoa humana” (este verdadeiro, bombril jurídico, dotado de mil e uma utilidades, que consta até no preâmbulo do AI-5!) pagar alimentos à minha vizinha? Evidentemente que não, da mesma maneira que nada devo à minha ex-esposa e ela nada me deve.
O recurso ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ou ao da Solidariedade não me seduzem, pois como são normas de vagueza semântica desprovidos de conteúdo e de parâmetros previamente definidos, podem ser usados para sustentar qualquer afirmação tautológica, inclusive a tese que estou a defender neste post.
Querem ver? Vamos lá: é contrário à dignidade da pessoa do réu obrigá-lo a pagar alimentos à pessoa com a qual o direito positivo diz que não mantém mais nenhum vínculo.
Essa afirmativa é tao jurídica quanto a seguinte: é dever do réu pagar alimentos à pessoa com a qual não mantém mais nenhum vínculo, mas com a qual foi casado.
“O mar é azul porque reflete a cor do céu e o céu é azul por causa do mar”
Tautologia pura. “Words, words, words”, como disse Shakespeare em Hamlet.
O dogmático, entretanto, é o seguinte: se não foram fixados alimentos na sentença de divórcio, nenhum dos ex-cônjuges têm o direito de obtê-los posteriormente, tenha havido ou não renúncia expressa na ação de divórcio. A mútua assistência é inerente ao casamento e não existindo mais este, acaba a obrigação dele decorrente.
Por outro lado, não desconheço que há acórdãos isolados em sentido contrário (aliás, em que matéria não existem acórdãos contrários?), porém são poucos e todos baseados no sentimento, no emocional, e em uma idéia romântica de justiça e não no direito positivo, que, é, afinal, o que nos garante um mínimo de segurança no Estado Democrático de Direito.
Deixo uma pergunta de ordem processual: se o ex-cônjuge (ou minha vizinha) pleitear alimentos, é caso de impossibilidade jurídica do pedido ou de improcedência desse pedido?
6 comments
Comentário by rodrigo mazzei on 3 de julho de 2011 at 13:39
òtima matéria, seu blog está ótimo.
qto à pergunta, minha resposta: improcedência do pedido e não se sua impossobilidade. a análise é da causa de pedir (e não do pedido propriamente). Abraços, Mazzei
Comentário by Milena on 3 de julho de 2011 at 15:18
É uma pena que o P. da Dignidade da Pessoa Humana seja aplicado da forma como vem sendo utilizado. É princípio importantíssimo, no entanto, deve ser aplicado de acordo com o que condiz com o nosso ordenamento jurídico, do contrário, iremos atropelar a já atribulada segurança jurídica que nosso sistema de normas possui.
Quanto à questão levantada, acredito que seja caso de impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que não existe conformidade do pedido (ex-conjuge pleiteando alimentos) com o ordenamento jurídico. A lei reza que extingue-se o vínculo jurídico com o divórcio. Sendo assim, não existem mais obrigações entre os ex-conjuges…
Porém, há julgados de tribunais que só consideram a impossíbilidade jurídica do pedido quando há vedação explícita no ordenamento jurídico para a concessão do provimento jurisdicional (STJ. REsp 254.417/MG, DJ de 02.02.2009). Pelo menos, que eu saiba, não tem vedação explícita na nossa lei que diga que o ex-cônjuge não possa dar pensão para o outro. Mas, temos que interpretar nosso ordenamento, e deduzir que, por não haver mais vínculo, não há mais obrigatoriedade…não havendo mais pensão entre ex-conjuges…é o que eu entendo, ne…mas vai saber…rsrsrs
Porém, já existem julgados de tribunais que só
Comentário by Milena on 3 de julho de 2011 at 15:19
desconsiderem o ultimo paragrafo..doideira minha…sorry
Comentário by Iracema on 3 de julho de 2011 at 22:46
Penso que seria o caso de impossibilidade jurídica formular pedido de alimentos após o divórcio, tendo sido eles dispensados entre si quando da sentença homologatória. Contudo, no caso de alimentos fixados por um período considerado hábil para o/a alimentado ter condições de prover o sustento próprio pelo trabalho, e tal não ocorrendo até o prazo determinado, entendo a prestação alimentícia deva ser prorrogada até que haja mudança na situação. Aqui, ensejando a improcedência do pedido mediante prova de que o/a requerente constituiu nova união, ainda que infrutífera. Parabéns pelo sucesso do blog! Iracema.
Comentário by Agatha on 7 de dezembro de 2011 at 3:28
Esse post instigou meus estudos, professor!
Comentário by Débora Slaughter on 31 de outubro de 2012 at 17:17
Acredito ser improcedente o pedido requerido uma vez que o ex-conjuge não possui o dever que mantê-la. Entratanto, penso que um processo desse careceria da condicão de ação do quesito legitimidade das partes em função de o ex-conguge ser parte ilegítima na ação de alimentos. Neste caso, a autora poderi a pedir alimentos para seus pais, avós, filhos, mas não para o ex-marido.