Parece-me foi pacificado que no ordenamento jurídico atual o direito de se divorciar assumiu a natureza de direito potestativo que pode ser exercido imotivadamente, tendo como único requisito o fato do titular desse direito estar casado. Casei hoje, posso requerer o divórcio amanhã, sem necessidade de apontar motivo.
No livro que eu e a advogada Layra Francini Rizzi Casagrande escrevemos nós justificamos mais detalhadamente esse posicionamento (“Alimentos no Direito de Família: aspectos materiais e processuais”, editora Lumen Juris, 2011).
Porém, isso não significa que o autor da ação de divórcio (Divórcio Direto Litigioso) esteja proibido de levar ao Judiciário o debate acerca do motivo da dissolução da sociedade conjugal, objetivando obter provimento judicial que declare que foi o réu quem descumpriu um dos deveres do casamento (“culpado”, no sentido de infrator).
De fato, é juridico concluir que se o autor tiver sido traído pelo seu cônjuge ou tiver sofrido tentativa de assassinato (por exemplo) poderá, na Ação de Divórcio, produzir prova desses fatos, requerendo que na sentença seja declarado que o réu, justamente porque infringiu um dos deveres do casamento, não possui direito a alimentos civis (côngruos), ou seja, aqueles necessários à manutenção da condição social que o réu possuía enquanto casado com o autor.
Essa conclusão se apóia no art. 1708, parágrafo único, do Código Civil, que prescreve que o dever de alimentar o ex-cônjuge cessa se este passa a ter comportamento indigno em relação àquele que o alimenta. É que se a relação de crédito-débito se extingue quando o alimentando comporta-se indignamente em relação ao alimentante, como admitir que essa relação jurídica possa surgir na presença de uma indignidade? O elemento que faz cessar o vínculo juridico também deveria impedir a constituição desse mesmo vínculo ou não?
Suponha-se que em ação de separação ou divórcio eu tenha sido condenado a pagar alimentos à minha esposa e venha cumprindo mensalmente esta obrigação. Certo dia, ela, por qualquer motivo, resolve me matar. Não teria eu direito, com base no dispositivo legal acima citado, de cessar o pagamento da pensão? Claro que sim.
Pois bem, e se ela, durante o casamento, tentar me matar e eu por causa disso propuser Ação de Divórcio? Teria ela direito a alimentos civis? Isto é, eu teria que pagar alimentos a quem me traiu (adultério) ou tentou me matar? Estaria eu obrigado a manter a condição social de quem teve, em relação a mim, comportamento indigno durante o casamento? Claro que não.
Deixo uma pergunta: essa conclusão poderia ser aplicada também no que tange aos alimentos humanitários diante do que estabelece o parágrafo único do art. 1.704 do CCB?