Afinal, o que é essa forma de relacionamento humano chamada União Estável?

João Ozório de Melo noticiou que “Estados Unidos está perto de acabar com a união estável”.

Explicou ele em 04/08/2019, que “o Tribunal Superior da Carolina do Sul aboliu, na semana passada, o reconhecimento da união estável, chamada nos Estados Unidos de common-law marriage. Desde então, só são legalmente reconhecidas no estado uniões de papel passado — ou seja, com certificado de casamento. Com a pena de morte decretada para a união estável na Carolina do Sul, agora só sobraram nove dos 50 estados do país — e mais o Distrito de Colúmbia — que reconhecem a união estável. Alguns estados que eliminaram essa instituição ainda reconhecem o “direito adquirido” das uniões estáveis que existiam antes delas serem extintas. Nenhum dos estados dos EUA reconhece o concubinato para efeitos jurídicos. As pessoas nessa situação vivem em “coabitação”. Até o nome de concubino(a) desapareceu. Agora elas são tratadas como namorados(as), noivos(as), parceiros(as) da vida ou amantes que vivem juntos.”

Porém, no Brasil, a União estável segue firme e cada vez mais forte.

Segundo o Colégio de Tabeliães de SP, “os tabelionatos de notas de todo o Brasil registraram um aumento de 57% no número de formalizações de uniões estáveis de 2011 (87.085) a 2015 (136.941), enquanto os casamentos cresceram aproximadamente 10% no mesmo período, segundo o Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), passando de 1.026.736 para 1.131.734 atos realizados.”

No ordenamento jurídico-legal brasileiro, a previsão de União Estável se encontra no art. 226 da Constituição Federal, que estabelece: §3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Por sua vez, o art. 1.723 do Código Civil preceitua que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, configurada pela convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Até a entrada em vigor da Constituição Federal, não existia na legislação o termo “União Estável”. A doutrina, amparada da obra clássica de Álvaro Villaça de Azevedo[1], denominava o que chamamos atualmente de União Estável de Concubinato Puro[2] ou Casamento de Fato.

No Direito Previdenciário, essa forma de relacionamento era denominada Companheirismo, termo presente na antiga Lei Orgânica da Previdência Social (Lei nº 3.807/60, com a redação dada pela Lei nº 5.890/93), a qual mencionava em seu art. 11, I, a figura da “companheira” como dependente do segurado.

Vejam que antes dessa norma legal de 1973, a Lei Orgânica da Previdência Social falava apenas em “pessoa designada que viva sob sua dependência econômica”. Ou seja, algo meio “escondido” porque aparentava ter uma natureza “sacrílega”, pois era um relacionamento constante e duradouro, mas fora do casamento civil.

Assim, embora esse tipo de relação entre homem e mulher já existisse há centenas de anos no Brasil (e a milhares no mundo), foi, portanto, a Constituição Federal de 1988 quem criou o termo União Estável, mas ainda assim como uma subcategoria, isto é, inferior ao Casamento, afinal, o constituinte prescreveu que o Estado deveria facilitar a conversão da União Estável em Casamento. Para regular a norma constitucional, foram votadas a Lei n° nº 9.278/96, e a Lei 8.971/94. Hoje, o regulamento da União Estável está no Código Civil e na jurisprudência do STJ e do STF.

Aliás, no que tange à nossa Suprema Corte, decidiram os seus integrantes criar, tal como legisladores, em 05/05/2011, a União Estável Homoafetiva[3], o que fizeram no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.

Vale dizer, embora todos os textos legais, inclusive a Constituição, sempre mencionaram união entre homem e mulher, o STF decidiu em 2011 que a Carta continha implícita a possibilidade de união entre pessoas do mesmo sexo[4].

A partir daí, o órgão administrativo denominado CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou o Casamento Homoafetivo em 16/05/2013 (Provimento nº 175/2013), tendo o Brasil, assim, assumido a condição de único país do mundo que oficializou uniões dessa natureza sem decisão do Parlamento.

O tema hoje está pacificado.

Considerando que o Brasil não é um país muçulmano nem mórmon, a simultaneidade de uniões – a chamadas união poliafetiva – não gera efeitos jurídicos no âmbito do Direito de Família. Assim, não é possível termos ao mesmo tempo dois casamentos, nem duas uniões estáveis, tampouco uma união estável e um casamento[5].

Cabe lembrar que o CNJ proibiu em 2018 os cartórios de elaborarem escrituras públicas de relacionamentos poliafetivos (PP – Pedido de Providências – Corregedoria – Processo 0001459-08.2016.2.00.0000).

Mas, e se uma mulher mantém relacionamento com um homem (ou vice-versa) casado acreditando que ele é divorciado, solteiro, separado ou separado de fato de sua esposa, mas na verdade ele ainda é casado? Estando ela de boa-fé (subjetiva, no caso), temos a chamada União Estável Putativa, que gerará efeitos jurídicos apenas em favor dela e não dele.

A União Estável é um fato ou um estado civil? Os estados civis são: solteiro, casado, desquitado, separado, divorciado e viúvo. Mas, a importância da União Estável cresceu tanto, que a doutrina está dividida.

Note-se que o CPC atual exige que o companheiro obtenha consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário e que também a confissão do companheiro não valerá sem a do outro, o que parece demonstrar uma intenção do legislador em tratar essa união como um estado civil.

Para solucionar a questão, existe o Projeto de Lei nº 1.773/2003 na Câmara dos Deputados[6], dispondo sobre o estado civil dos companheiros na união estável, alterando o CCB, Fica agora ao legislador dizer, com exatidão, que o estado de convivente é um estado civil, na dignidade de ser um direito de personalidade reconhecido ao companheiro.

Afinal, o que é uma União Estável? Minha resposta é a seguinte: é igual a um casamento, só que falta o “papel”.


[1] AZEVEDO, Álvaro V. (1995). União estável. Antiga forma de casamento de fato. Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo90, 91-119. Recuperado de http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67291

[2] O Concubinato Impuro era o atual Concubinato, previsto no art. 1.727 do CCB (As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato), cuja espécie mais popular é o Concubinato Adulterino, o ou a “amante”.

[3] Antes dessa novidade trazida pelo Judiciário, essas uniões eram classificadas como sociedade de fato.

[4] O tema suscita uma questão técnico-jurídica interessante em relação à retroatividade ou não das uniões entre pessoas do mesmo sexo desconstituídas antes da criação do STF.

[5] As uniões múltiplas ou “poliamorosas” são relacionamentos livres, não proibidos pelo Direito, mas não geram efeitos jurídicos no Direito de Família, sendo consideradas sociedades de fato.

[6] Esse projeto se encontra desde 31/01/2019 na CCJC.