Por Prof. Dr. Rafael Moraes (Subgrupo Empregos e Salários – Grupo de Conjuntura/Economia/Ufes)
Os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Contínua, recentemente divulgados pelo IBGE, mostram que no primeiro trimestre de 2019, 13,4 milhões de brasileiros estavam desocupados. Esse número representa 12,7% do total da população economicamente ativa. Taxa superior a obtida no trimestre passado (11,6%), mas ligeiramente abaixo da referente ao primeiro trimestre de 2018 (13,1%). Ainda que o padrão de queda no desemprego apresentado desde 2017 não tenha sido interrompido, está cada vez mais claro que a velocidade com que novos postos de trabalho tem sido criados nos últimos anos tem sido insuficiente para reabsorver o enorme contingente de desempregados.
Ao mesmo tempo em que esses mais de 13 milhões de trabalhadores procuram, sem sucesso, alguma forma de ocupação, o número de pessoas consideradas subocupadas, por trabalharem menos horas do que desejam e precisam, segue crescendo, tendo passado de 6,1 milhões de pessoas, no primeiro trimestre de 2018, para aproximadamente 6,8 milhões no mesmo período do ano atual. Já o número de pessoas desalentadas, que nada mais são do que indivíduos desiludidos quanto a possibilidade de encontrarem um novo trabalho, subiu de 7,7 para 8,2 milhões de pessoas no mesmo período.
Esses dados deixam clara a truncada marcha de recuperação da geração de emprego no Brasil nos últimos anos. Tal dificuldade segue em sintonia com o comportamento da atividade econômica, que ainda não dá sinais vigorosos de recuperação. O PIB, que cresceu 1,1% em 2018, arrefeceu no início de 2019 levando a revisões para baixo nas projeções de crescimento para o ano.
O discurso predominante aponta a ingerência do setor público como o principal elemento desestabilizador da economia. Neste sentido, a Reforma Trabalhista foi vendida como a redentora dos desempregados, ao possibilitar uma maior flexibilização das relações patrão/empregado. Sem embargo, mais de um ano após sua promulgação, os números do mercado formal de empregos não são nada animadores. Depois de apresentar um saldo líquido de pouco mais de 535 mil novos postos de trabalho gerados em 2018, segundo números do CAGED, a geração de empregos formais desacelerou nos primeiros meses de 2019. As novas possibilidades de contratos permitidas após a reforma, sob as modalidades de trabalho intermitente e parcial, além do dispositivo de demissão por meio de acordo, reduzindo os custos empresariais, parecem não terem sido suficientes para incentivar um número mais expressivos de contratações, diante de uma economia que patina e de um futuro incerto. Neste sentido, o resultado mais significativo da reforma foi percebido nos tribunais. Segundo o Tribunal Superior do Trabalho, ao longo de 2018, foram registradas nas varas de primeira instância da Justiça do Trabalho 1,7 milhões de ações trabalhistas, número 34% inferior às 2,6 milhões de reclamações recebidas no ano anterior. O dado claramente reflete a mudança na legislação, que passou a impor ao trabalhador reclamante as custas do processo, em caso de derrota.
Se a Reforma Trabalhista ainda não cumpriu o que prometeu, agora o momento é da Reforma da Previdência, que segue o mesmo enredo e é apresentada como a portadora do crescimento sustentável no futuro. De concreto, contudo, seguimos sem nenhuma projeção de retomada dos investimentos públicos ou privados, que poderiam levar a uma redução consistente do número de desempregados.
Se a situação dos desocupados e subocupados não permite otimismo, entre pessoas ainda ocupadas, a posição tampouco é de plena segurança. Proliferam entre os trabalhadores novas formas de ocupações informais, nas quais os rendimentos são incertos e as garantias de previdência, seguridade e salubridade no trabalho ficam todas sob encargo do próprio trabalhador.
Tem sido expressivo o aumento do volume de contrações sem carteira e de trabalhadores por conta própria. Se, por um lado, essa tendência tem aspectos conjunturais, em face do baixo dinamismo econômico, por outro, traz consigo uma variável estrutural, a busca de uma maior flexibilidade das relações trabalhistas, diante dos processos cada vez mais fluidos de valorização dos capitais, sob a égide da financeirização. Neste processo, as formas de organização do capital e do trabalho, consagrados no imaginário social na forma da indústria fordista e sua linha de montagem, frentes a um operário industrial e seu registro de empregado, vão tendo seu lugar tomado pelas chamadas “profissões do futuro”.
Neste contexto, o discurso contagiante do indivíduo empreendedor, do trabalhador livre e sem patrão, que faz os seus horários e organiza sua renda a partir de escalas de preferência entre trabalho e lazer, ganha espaço. Qualquer forma de regulação estatal aparece como ultrapassada e sem sintonia com os novos tempos. Motoristas de aplicativos, assessores e consultores pessoais (coaching), digital influencers e youtubers são, dentre outros “profissionais do futuro”, vistos como formas de ocupação vanguardistas frente às obsoletas carteiras de trabalho, contribuições compulsórias ao INSS e às diversas intervenções burocráticas que só “atrapalham” a livre relação entre empresários e empreendedores.
Esse discurso vendido como um bilhete para o futuro, quando confrontado aos dados do mercado de trabalho parece nos levar diretamente para o passado. Os números da mesma PNAD, que mostram a marcha truncada de redução do desemprego, não deixam dúvidas quanto a precariedade da maior parte destas crescentes atividades informais. Olhando apenas a variável remuneração, percebemos que enquanto o trabalhador assalariado do setor privado com carteira assinada detinha uma renda média mensal no primeiro trimestre de 2019 de R$ 2.165,00, seu congênere sem carteira assinada recebeu em média R$ 1.350,00. Ao lado deles, o trabalhador por conta própria teve remuneração média de R$ 1.671,00. Não parece que os “empregos do futuro” sejam bons sonhos de consumo para os “trabalhadores do passado”.